A Reportagem de Capa da revista impressa LivreMercado de fevereiro de 2000 integra a série que marcou a trajetória de 19 anos da melhor publicação regional do País. A repórter Tuga Martins pegou à unha a logística do Grande ABC. Além de pegar à unha, deu tratamento cirúrgico. Esmiuçou tudo o que o leitor mais exigente gostaria de ler. E que, mesmo 20 anos depois, segue atual.
Afinal, por que não seguiria atual se os leitores bem informados podem acompanhar atentamente todas as linhas produzidas e cotejar com o que se tornou realidade e o que virou frustração?
Duvido que alguma publicação tenha sido capaz de chegar aos cuidados editoriais de LivreMercado. A reportagem de Tuga Martins sobre o que se pretendia fazer das linhas retas e das linhas curvas do Grande ABC até exatamente o ano 2020, que, afinal, acabou de chegar, não teve paralelo na mídia.
Surpreender leitores era espécie de dogma de LivreMercado, como também o é de CapitalSocial. É por isso que esta série dos 30ANOS do melhor jornalismo regional do País segue em frente. Estamos apenas no sexto capítulo. Temos que acelerar os passos. O calendário gregoriano aperta. Eventual estoque de sobras por descuido não deve ser registrado ao fim deste ano. Vamos, então, à Reportagem de Capa de fevereiro de 2000:
Vamos sair desse caos?
TUGA MARTINS - 05/02/2000
Se na hora do congestionamento o que vem à cabeça são novas avenidas, viadutos e túneis como saídas para aliviar o fluxo de veículos, esqueça. Os estudos sobre os meios de melhorar a malha viária do Grande ABC trafegam em mão única: criatividade e integração. Este é o código para transformar o caótico e custoso trânsito em aliado do desenvolvimento econômico regional.
A ideia pode parecer utópica, principalmente porque ao longo dos anos a região cultuou o asfalto, a exemplo do modelo de crescimento norte-americano e brasileiro. A saturação não demorou a mostrar a voracidade do desperdício de tempo e dinheiro nos constantes congestionamentos e o trânsito do Grande ABC passou a constar das planilhas de custos das organizações. E que custos!
Pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que os congestionamentos provocam perdas de R$ 474 milhões por ano no País. A Capital paulista reina absoluta no ranking da deseconomia causada por engarrafamentos: R$ 346 milhões por ano. Além de agregar custos exorbitantes ao meio produtivo, esses números têm contornos perigosos: estão diretamente ligados à perda de tempo, aumento de poluição e do consumo de combustível, degradação do sistema viário, redução do consumo de bens, serviços e produtos, além de causar estresse.
Queda de produtividade
Quem consome de 40 a 80 minutos além do normal no trajeto de casa para o trabalho apresenta queda de 14% a 20% na produtividade, apontam pesquisas. “Com a qualificação do sistema de transporte de massa e do sistema viário, podemos transformar o Grande ABC em região economicamente atraente” — defende o secretário de Serviços Municipais de Santo André, Klinger de Oliveira Souza.
Atingir a excelência proposta demanda criar condições de acessibilidade e identificar alternativas de tráfego, além de proporcionar transporte público de qualidade. Debruçado sobre esses desafios, o grupo de sistema viário da Câmara do Grande ABC consolida sugestões para a irrigação urbana que irão constar do Plano Regional Estratégico, iniciativa inédita de planejamento integrado regional. “Não adianta mais a região firmar protocolos de intenções; é preciso realizar as soluções apresentadas” — dispara o coordenador do grupo temático, Renato Luiz Maués.
Consolidar horas e horas de discussões sobre o vai-e-vem motorizado em projeto exige mais que sincronizar agenda de autoridades. Pede consenso e macrovisão da região. Não se podem apartar as sete cidades do Grande ABC e nem divorciar a região da metrópole. O alinhavo desse panorama simbiótico entre os municípios da Grande São Paulo está sendo desenvolvido pela STM (Secretaria de Transportes Metropolitanos do Estado), com o suporte de levantamento de dados da Emplasa (Empresa Metropolitana de Planejamento).
Caminhos Metropolitanos
O resultado dos estudos à melhoria da malha viária já foi batizado de Caminhos Metropolitanos. O esboço das artérias que deverão oxigenar a economia do Grande ABC foi encaminhado à estatal pelas sete administrações municipais da região. Cada Prefeitura destacou as respectivas intervenções emergenciais para dinamizar o fluxo de veículos nos perímetros urbanos.
“Existe necessidade de o gerenciamento de viários comuns ser feito em conjunto por Estado e municípios” — explica a coordenadora de Circulação e Transporte da Emplasa, Sania Cristina Dias Baptista. Essa sinergia administrativa evitará o tradicional jogo de empurra de responsabilidades entre Estado e Prefeitura. A recente interdição da Ponte dos Remédios sobre o Rio Tietê, em São Paulo, é um exemplo.
A interação harmoniosa entre governo do Estado e municípios vai sendo sedimentada gradualmente e começa a desenhar experiências de vanguarda no segmento viário. Em elaboração desde 1997, o programa Caminhos Metropolitanos retrata essa tendência por meio da hierarquização do sistema viário em macrometropolitano, metropolitano, metropolitano secundário e local. O modelo permite transição entre rodovias e ruas sem os tradicionais gargalos.
Na mesma esteira de fomento à qualidade do tráfego, a STM prepara a uniformização da sinalização de trânsito como meio de facilitar acessos e tornar as informações mais eficazes. Além das intervenções, o programa Caminhos Metropolitanos apresenta previsão de recursos e definição de responsabilidades do padrão de operação. O lançamento da versão oficial do Caminhos Metropolitanos está programado para o primeiro semestre deste ano.
Pacote de cifras
De posse do diagnóstico de todo o sistema viário, a STM terá pela frente a tarefa de fechar o pacote de cifras que envolvem o programa. “Já contamos com estimativas de custos de cada melhoria física e operacional identificadas nos 39 municípios da Região Metropolitana. Agora é preciso compilar e discutir os valores com governo do Estado e prefeituras para se chegar a consenso sobre a execução das obras” — adianta o coordenador de Assistência aos Municípios da STM, Ricardo Figueiredo.
Embora a circulação de cargas pela Região Metropolitana não conste das responsabilidades da STM — é da alçada da Secretaria Estadual de Transportes –, tanto a chegada de matéria-prima quanto o escoamento de produção das empresas dependem da otimização do sistema viário e estampam interface do setor produtivo com os assuntos tratados pela Pasta.
Desenvolvido em parceria entre STM e Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A), o projeto do Rodoanel tem incitado expectativas animadoras para o setor industrial, principalmente para o Polo Petroquímico de Capuava. Por intermédio do grupo temático da Câmara Regional, várias empresas se sensibilizaram com a importância da obra. A direção da Recap (Refinaria de Capuava) não esconde ansiedade pelas melhorias. “Temos investimentos de curto e médio prazos programados que dependem fundamentalmente do incremento do entorno viário do polo” — desabafa o superintendente João Adolfo Oderich.
O executivo não doura a pílula. Diz com todas as letras que a região está saturada, dependendo de reorganização da malha viária — entre outras melhorias — para atrair cifras. “Quantificar os prejuízos causados pelos congestionamentos é muito complexo. Algumas questões são óbvias, outras intangíveis, mas que podem muito bem representar maior desgaste” — pondera.
Cancela de obstáculos
O principal entrave na interligação da Avenida dos Estados na altura de Capuava com a Avenida Giovanni Batista Pirelli é a cancela da linha férrea, que à moda antiga afunila todo o tráfego na Avenida Manoel da Nóbrega. As reuniões entre Prefeitura de Mauá, Câmara Regional, empresas do pólo e STM tiveram início em novembro de 1999 e os entendimentos estão adiantados. Afinal, entre as injeções de valores programados pela Recap está a chegada de US$ 40 milhões numa primeira empreitada. Para consolidar o crescimento pretendido, a empresa espera que a viabilização das obras viárias não ande no mesmo ritmo do trânsito da região. A lentidão poderá inibir o crescimento programado e desviar a rota dos investimentos para outras localidades.
Na prática, o que as empresas do Pólo Petroquímico querem é que a Avenida dos Estados seja prolongada até o traçado do Rodoanel. O prolongamento cruzaria terrenos da Philips, Gerdau, Recap, Liquigás, Minasgás, Ultragás e outras empresas até atingir a Avenida Ayrton Senna da Silva, interligada à Avenida Papa João XXIII, no Pólo de Sertãozinho, que terá intersecção com o Rodoanel. Nada muito oneroso para os poderes envolvidos.
Algumas empresas até já se dispuseram a ceder fundos de terrenos para acelerar as obras, desviando dos trâmites da burocracia das desapropriações. “Quando observamos o mapa viário da metrópole, percebemos que pequenas interligações abrem grandes caminhos” — sublinha a coordenadora de Circulação e Transporte da Emplasa, Sania Baptista.
Outro caso latente está na possibilidade de interligar Mauá e Guarulhos pela Avenida Jacu Pêssego, cuja descontinuidade eliminou a característica de via expressa. A iniciativa encurtaria a distância entre o Grande ABC e o Aeroporto de Cumbica, o mais movimentado do País por receber cerca de 140 mil pessoas por dia e que terá a capacidade quadruplicada nos próximos 20 anos, segundo a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária).
Rodoanel à vista
Orçado em R$ 2,8 bilhões, o Rodoanel vai integrar 39 municípios no entorno da Capital, ligar 10 rodovias estaduais e federais e beneficiar 16,3 milhões de habitantes, população superior à da Holanda, de 15,2 milhões. Além disso, vai cortar área responsável por 17% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. A via expressa planejada para ter 160 quilômetros suporta ainda expectativas de crescimento de Ribeirão Pires, Mauá, Santo André e São Bernardo.
A principal batalha da região junto ao governo do Estado teve satisfatório desenlace: graças à integração representada pela Câmara Regional, o eixo Sul do Rodoanel foi esticado da Imigrantes até Mauá. Além disso, todas as alterações de traçado propostas pelas administrações municipais foram aprovadas. “Mantemos um contato muito afinado com a região. O fato de os municípios serem consorciados facilitou a obtenção de informações” — ressalta o coordenador de Assistência aos Municípios da STM, Ricardo Figueiredo.
O traçado do Rodoanel atravessará Mauá pela Avenida Papa João XXIII, de onde poderá ser escoada toda a produção do Pólo de Sertãozinho. Com a intersecção, investidores avaliam o novo endereço industrial da região com bons olhos. Ribeirão livrou-se dos acessos próximos aos patrimônios históricos. Em Santo André, o Rodoanel cruzará o Parque do Pedroso, onde ainda resta litígio ecológico. A Prefeitura não quer macular o parque e defende que o Rodoanel cruze a área de manancial pelo Norte, onde está a parte mais elevada do relevo e serve como barreira à ocupação da área. Tanto Dersa quanto Emplasa descartam a proposta e apostam no deslocamento do traçado mais ao Sul. A passagem por São Bernardo foi desviada do Bairro do Areião e redirecionada para o interior do pátio da Volkswagen Anchieta. “De nada adiantará o Rodoanel se os municípios não providenciarem suporte de vias de escoamento e adequação da malha ao redor da via” — alerta Renato Luiz Maués, coordenador do grupo de sistema viário da Câmara do Grande ABC.
Organizando o tráfego
A função do Rodoanel é direcionar, hierarquizar e estruturar o transporte de carga e de passageiros, bem como facilitar a integração dos sistemas ferroviário e rodoviário. Será uma rodovia bloqueada, com controle de acesso e velocidade de até 100 quilômetros por hora. Estão planejadas duas pistas de três a cinco faixas de rolamento em cada direção. As intersecções serão construídas em desnível para manter a velocidade padrão. “A ideia é abrir concessão para o Rodoanel mesmo antes do término das obras” — adianta a coordenadora da Emplasa.
Intimamente ligado à implementação do Rodoanel, o diagnóstico de demandas viárias de São Bernardo está estruturado nos acessos às rodovias Anchieta e Imigrantes, gerenciadas pela concessionária Ecovias. A necessidade das alças é tanta que em 1998 empresas cederam áreas para dinamizar obras de acesso à Anchieta. Foram doações equivalentes a R$ 10 milhões desembolsados pela Ford, Kalunga, Shellmar, Rolls Royce, De Nigris, Auto Estufa Armando e Wal-Mart. O resultado do empenho da livre iniciativa nos negócios públicos foi a conclusão das obras do Km 22 e a nova alça do Km 14, conjugada com a duplicação da Avenida Taboão entre a Avenida Doutor Rudge Ramos e o Ribeirão dos Couros.
As intervenções puseram fim à epopéia de ingressar no Bairro Assunção e em Rudge Ramos, respectivamente. Vitória da livre iniciativa também foi consolidada com a inauguração da alça de acesso no Km 20 da Imigrantes em dezembro de 1999. Reivindicação de 15 empresas do Bairro Cooperativa, de São Bernardo, a alça permite escoamento de produtos e o desembarque de insumos de maneira mais ágil. Uma das líderes nacionais de distribuição de resina plástica, a Piramidal participou do grupo que buscou a solução viária como meio de incentivo ao pólo industrial da Cooperativa. “A obra facilitou a chegada da carga da Dow Química, do Guarujá. Antes, as carretas subiam a serra pela Via Anchieta, tinham de cortar o Bairro Assunção e percorrer longo trecho urbano até a empresa. Agora o acesso é direto pela Imigrantes. A alça distancia-se apenas três quilômetros da empresa” — afirma o empresário Wilson Cataldi.
Facilidade produtiva
A Piramidal recebe e despacha diariamente 120 toneladas de resina. Além da economia de tempo e de combustível, a alça de acesso melhorou a qualidade de vida dos moradores do Bairro Assunção, que ficaram livres do tráfego pesado. A nova rota inibiu ainda a incidência de roubo de carga, facilitada anteriormente pela baixa velocidade das carretas no perímetro urbano. Outra solicitação de acesso está no Km 23 da Imigrantes. Toshiba do Brasil e Basf estão entre as interessadas na obra. Desta vez, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo aposta em parceria tripartite para viabilizar os recursos: Prefeitura, Ecovias e empresas interessadas. O custo estimado da obra é de R$ 2,8 milhões.
São Bernardo ainda encara problemas sérios de fluidez de tráfego, como os verificados diariamente no Km 18 da Anchieta e aos domingos no trecho entre o distrito de Riacho Grande e o Km 23. Para o primeiro caso, aguarda-se a construção de duas alças de acesso no Km 19,5, que deverão aliviar o problema em 18%. As alças vão desaguar nas Avenidas Barão de Mauá e Álvaro Guimarães, na Vila Euclides e Bairro Planalto, respectivamente. Está prevista também a edificação de viaduto ligando a Via Anchieta à Avenida Antárctico, que passará a operar em mão única.
O deslocamento entre as zonas Leste e Oeste de São Bernardo será incrementado com a construção de viaduto no Km 20,7 da Via Anchieta, em frente a Scania, ligando as avenidas José Odorizzi e Nilton Monteiro de Andrade. Afora as iniciativas desenvolvidas em parceria com Estado e iniciativa privada, São Bernardo credita modernidade urbana ao projeto preliminarmente denominado Cidade Tognato e ao deslocamento do comando administrativo municipal para a concorrida Avenida Kennedy. A Cidade Tognato vai derrubar 34 dos 35 velhos galpões da tecelagem em área nobre no Centro, entre as avenidas Senador Vergueiro e Pereira Barreto. No lugar do espaço industrial será erguido gigantesco complexo residencial, de negócios e entretenimento, avaliado em R$ 800 milhões. Da antiga tecelagem restará apenas um galpão que abrigará, na forma de museu, a história da produção dos anos 50.
A apresentação do projeto à Administração Pública acelerou a concretização do novo traçado da Avenida Lauro Gomes, que margeia o Ribeirão dos Meninos. A obra pretende melhor escoar o trânsito entre Centro e Rudge Ramos. Dos planos de modernização do viário de São Bernardo consta ainda a otimização da Rua Kara, no Jardim do Mar, que seria ligada à Avenida Pereira Barreto. A tranquila rua ao lado da Cidade da Criança seria transformada numa das principais veias de escoamento do tráfego do Km 18 da Via Anchieta, com desvio pela Kennedy para desafogar o fluxo de usuários da Avenida Lucas Nogueira Garcez em direção ao Centro e Santo André.
Virar o jogo
Política de transportes como fator de economia em escala é o trunfo para virar o jogo na região. A antipatia impregnada pelo Custo ABC tem de ser transformada em vetor de atração de empreendimentos em curto espaço de tempo. Se parece óbvio que sistema viário e transporte coletivo eficientes são fundamentais para manter a capacidade de atração regional, a mudança no perfil econômico do Grande ABC torna isso mais dramático. Numa região industrial, o deslocamento da população é pendular, de casa para o trabalho e vice-versa, com picos de trânsito bem definidos. Mas uma região de características de pólo de serviços redistribui as viagens ao longo do dia. O aumento do número de viagens, associadas a novas atividades econômicas, provoca o surgimento de novos horários de pico. E isso requer repensar as soluções.
Pesquisa da STM de 1998 mostra que dois terços das viagens com origem no Grande ABC têm a própria região como destino. Isso reflete o fato de a região ser um dos subpolos econômicos da metrópole. Além disso, o transporte individual é o principal meio de locomoção motorizado da região. Das 4.296 viagens feitas diariamente nas sete cidades, 34,5% são a pé, 35,5% com transporte individual e 30% em transporte coletivo. A região é a segunda maior geradora de empregos da Região Metropolitana, perdendo apenas para a Capital. É seguida pela região Oeste, que tem Osasco como principal pólo. Mas os números globais do crescimento do volume de viagens garantem fôlego aos governantes. Nos últimos 10 anos, o total de viagens realizadas na Região Metropolitana aumentou apenas 5%.
Dos sete municípios do Grande ABC, Santo André é o mais bem servido de transportes de massa: acolhe o corredor do trólebus, gerenciado pela Metra e que transporta média de 240 mil passageiros por dia só de Santo André. São cinco milhões de usuários em todo o sistema, que vai do Jabaquara a São Mateus, na Capital, passando por Diadema, São Bernardo e Santo André. Além disso, cerca de 40 mil pessoas utilizam diariamente as quatro estações ferroviárias da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) em operação em Santo André. O Município também é cortado pelo corredor viário ABD, que liga a Avenida dos Estados à Via Anchieta e à Rodovia dos Imigrantes.
Mesmo privilegiada, Santo André saiu na frente no planejamento futuro da teia urbana. Determinada a encerrar problema que se arrasta por 30 anos, a Administração Municipal bateu o pé frente ao governo do Estado e cacifou parte das intervenções na Avenida dos Estados. Contenção das margens do Rio Tamanduateí por três quilômetros, pavimentação de outros 14 quilômetros e construção de três pontes consumiram R$ 12 milhões.
Não há dúvida quanto ao papel estratégico da Avenida dos Estados para o desenvolvimento econômico regional e principalmente para o futuro de Santo André. Escorada nessa concepção estratégica, a Administração Municipal aposta no Eixo Tamanduatehy. A pretensão é transformar a Avenida dos Estados na principal artéria do Grande ABC não apenas como elo com a Capital, mas como espaço de empreendimentos, cultura e lazer. Em resumo, como centro difusor de modernidade. O projeto final congrega traços nacionais do urbanista Cândido Malta temperados pela experiência internacional dos espanhóis Jordi Borja, Joan Busquets e Eduardo Leira, além do francês Christian de Portzamparc.
Transporte de massa
Coadjuvante do megaplanejamento, a implementação do metrô de superfície é fomentada como meio de transporte de massa de qualidade. A promessa inicial de que até o final de 2000 a região receberia os trens espanhóis foi cumprida por antecipação. Isso não significa melhoria da viagem, que ainda está lenta, mas implica em qualidade do material de transporte. Para chegar ao padrão idealizado, é preciso agregar regularidade e confiabilidade como as conferidas ao metrô de São Paulo. O maior problema para trazer o metrô ao Grande ABC é a falta de alternativas ao transporte ferroviário de carga que alimenta a região. Entre as ideias apresentadas está a construção, no topo da serra, de semi-anel ferroviário que ligaria Rio Grande da Serra com a Fepasa e Interior do Estado. O projeto está orçado em R$ 100 milhões e ainda é embrionário.
Relatório de 1997 do Banco Mundial estimou em US$ 3 bilhões anuais o dinheiro perdido no Brasil pela má utilização das ferrovias e a preferência pelo transporte de carga por estradas. O País paga ainda US$ 3,5 bilhões por ano pela retenção de caminhões por tempo desnecessário nos mais de 100 postos de fiscalização espalhados pelo território nacional. Para se ter ideia do prejuízo, as barreiras brasileiras registram paradas de média de uma hora, enquanto na Europa e nos Estados Unidos as checagens não passam de cinco minutos.
O Complexo Cassaquera também consta das intervenções prioritárias para garantir futuro de qualidade em Santo André. Trata-se de projeto viário que inclui construção de viaduto para interligar a Avenida Giovanni Batista Pirelli à Avenida dos Estados. O projeto está orçado em R$ 30 milhões. A Prefeitura ainda busca meios de captação de recursos para viabilizar a obra. Com as obras de duplicação da Avenida Giovanni Batista Pirelli teve início o megaempreendimento Cidade Pirelli, que promete intervenções de peso no viário. Os patrocinadores do projeto preveem inclusive construção de viaduto ligando o futuro centro empresarial e de lazer ao Global Shopping, na Avenida dos Estados. Diante dessa possibilidade, o projeto Cassaquera pode ser deixado de lado por algum tempo. Mas não muito.
Enquanto as grandes obras não saltam do papel, a administração pública dá sinal verde à criatividade. “Se for pensar pelo asfalto novo, já estaria muito além do limite” — desabafa o secretário Klinger de Souza, que continua: “Se por um lado o conjunto de vias está com a capacidade estourada, existem outras com grande capacidade e baixa demanda de fluxo”. O suporte instituído no entorno da Avenida dos Estados é bom exemplo do modelo de otimização viária escolhido pela Administração de Santo André. Entre as providências para o escoamento do tráfego está o novo acesso ao Viaduto 18 do Forte. “São medidas não muito vultosas, mas de efeito” — diz Klinger.
Emergenciais
A lista de providências emergenciais apresentada pelos sete municípios do Grande ABC à Emplasa não é das mais extensas. Excluída do traçado do Rodoanel, São Caetano sugere saídas viárias de benefício além do contorno municipal. Se as reivindicações forem atendidas, o tráfego da região ganha novos pontos de escoamento. Entre os pedidos está a construção de viaduto sobre a linha férrea para ligar a Avenida Guido Aliberti, que margeia o Ribeirão dos Meninos, à Avenida dos Estados. Para executar a obra é necessário haver mais do que interesse do Grande ABC. É preciso poder de persuasão junto à Prefeitura de São Paulo para que faça as melhorias na outra margem do ribeirão. Além disso, a intervenção proposta exige retificação do leito do rio e esse assunto é de competência do Estado. Outdoor fixado no local pontua parceria governamental.
São Caetano pede ainda outra ligação à Avenida dos Estados. Desta vez da Avenida Kennedy, que desemboca em frente ao Corpo de Bombeiros e General Motors, na Avenida Goiás. O projeto demanda acertos com a montadora, já que a construção de um viaduto cortaria área da empresa. “Tudo o que diminui dificuldades de acesso influi positivamente na planilha de custos da empresa” — informa a Assessoria de Imprensa da GM.
Também distante dos benefícios diretos do Rodoanel, Diadema aponta como prioridades a construção de trevo no Km 20 da Rodovia dos Imigrantes, instalação de faróis inteligentes na Avenida Fábio Ramos Esquível, reconfiguração do Largo de Piraporinha, abertura de via de 1,5 quilômetro para ligar a Avenida Ulysses Guimarães à Avenida Sete de Setembro e viaduto ligando a Avenida Sete de Setembro à Avenida Dona Ruyce Ferraz Alvin.
Possibilidade de todos os projetos de melhoria serem atendidos? A coordenadora de Circulação e Transporte da Emplasa, Sania Baptista, faz avaliação otimista. Afinal, trata-se de meio de sobrevivência econômica da metrópole. Para não correr o risco de ver a situação sob ótica estática, a STM aposta na atenção e melhoria contínuas. “A condição do Grande ABC é favorável por conta do empenho da Câmara Regional, que concentra os interesses comuns. Esse é o melhor caminho” — diz.
2020 é o limite
2020 é a única fronteira no futuro da Região Metropolitana de São Paulo, configurada como pólo financeiro e de serviços e forte candidata a centro e porta de entrada do Mercosul. A data-limite está estampada no horizonte de preocupações do Pitu 2020 (Plano Integrado de Transportes Urbanos) desenvolvido pela STM (Secretaria de Transportes Metropolitanos), que propõe políticas para em 20 anos dotar a metrópole de eficiente sistema estruturado e integrado de transporte urbano.
Trata-se de programa contínuo de planejamento do setor escorado em três fundamentos: disponibilidade de informações providas por pesquisa OD (Origem–Destino), planejamento estratégico e participação efetiva de prefeituras, operadores técnicos e consultores de transportes. A principal meta do Pitu 2020 é a construção de nova relação entre esses agentes, de modo a articular e integrar as ações de cada um.
O programa Caminhos Metropolitanos é uma das ramificações do Pitu 2020, que nasceu de workshops realizados por técnicos dos municípios da Grande São Paulo. “O Pitu projeta a situação a longo prazo e o Caminhos é espécie de fotografia da situação atual” — diz o coordenador de Assistência aos Municípios da STM, Ricardo Figueiredo. Para o Pitu 2020, foram coletadas e consolidadas estratégias propostas para as diferentes vertentes do trabalho, como sistema de alta e média capacidade sobre trilhos e sobre pneus, além de sistema viário. Todas as ideias estão em fase de simulação, a qual estima a eficiência dos impactos na estrutura urbana de cada uma.
A proposta apresentada pela STM para a futura rede de transportes de alta capacidade para a Região Metropolitana inclui linhas de metrô, metrô regional e metrô leve. Das propostas consta a interligação de São Caetano com a Vila Formosa, na Capital. O metrô de superfície chegará até Ribeirão Pires cruzando Santo André. De incremento a São Bernardo e Diadema, está previsto o prolongamento do Corredor ABD do trólebus até o Brooklin, em São Paulo.
O estudo destaca ainda intensificação de uso das faixas ferroviárias, interligação dos pólos regionais e municipais, facilidades de integração para atrair os atuais usuários de automóvel para o transporte coletivo e privilégio aos combustíveis não poluentes. Em resumo, o Pitu 2020 aglutina contribuições para garantir dignidade ao direito de ir e vir do cidadão metropolitano. Os recursos para os projetos já estão viabilizados para os próximos quatro anos.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)