Uma das características editoriais dos 30ANOS de jornalismo da revista impressa LivreMercado e da revista digital CapitalSocial é o monitoramento crítico, por assim dizer, da gulodice arrecadatória do Estado em suas três dimensões: municipal, estadual e federal.
Há 20 anos, na edição de janeiro de 1997 de LivreMercado, fizemos abordagem até hoje inédita para destacar a gulodice do Estado. É claro que a mídia regional jamais se preocupou com isso. E o resultado geral está aí: empresas de todos os setores estão engolfadas pela carga tributária que passou de 22% para 36% do PIB Nacional. A reforma do Estado é seletiva, ou seja, sempre arranca mais a pele dos contribuintes e protege os grupos de interesses.
Ao longo desta série (esta é a nona edição) que resgata 30 anos do melhor jornalismo regional do País não faltarão exemplos do quanto confrontamos a incessante maré estatista. Sobretudo na esfera municipal, palco de substituição autofágica: perdemos na produção de riqueza privada e crescemos exponencialmente na arrecadação de impostos locais sem vínculo produtivo. Como se observa, não existe nada mais apropriado e nocivo para o Grande ABC virar o fim do mundo em competitividade. Acompanhem o texto de janeiro de 1997.
Entenda porquê o governo do
estado arrecada cada vez mais
DANIEL LIMA - 05/01/1997
O governo do Estado de São Paulo tem comemorado o aumento da arrecadação de impostos, especialmente de ICMS. Segundo Clóvis Panzarini, coordenador do sistema tributário paulista, 1996 deverá contabilizar crescimento de 8% na arrecadação, já descontada a inflação, ou quase 40% acima da evolução de 5% prevista para todo o Grande ABC, anunciada com cândida inocência pela Secretaria de Planejamento de Santo André.
Os apressados de sempre, e isso os há na mídia paulista em profusão, insistem em confundir arrecadação fiscal com crescimento econômico, quando se sabe que o Plano Real, a despeito da estabilidade monetária, já preocupa renomados especialistas internacionais pelo esgotamento da capacidade de evolução do PIB em níveis que possam ser interpretados como indicativos de desenvolvimento econômico.
À parte os efeitos diretos da melhoria de processos de arrecadação de impostos, incluindo-se a contratação de fiscais, investimentos tecnológicos e seletividade geoeconômica que prioriza o Grande ABC pelo forte adensamento de empresas, o que também tem contribuído para o avanço dos números que as autoridades estaduais tanto propagam é a realidade macroeconômica que estimula a terceirização.
O arco estatal em suas várias formas, Município, Estado e União, só tem a ganhar numa primeira fase com a desverticalização das empresas. O contingente de trabalhadores que conseguiu substituir o emprego formal pela criação de micro ou pequena empresa prestadora de serviços para atender o antigo patrão ou nichos de mercado perdeu a tranquilidade do salário garantido todo final de mês e ganhou o desafio de empreender.
Entre eles há vencedores e vencidos. Não se contam os desempregados que se meteram na informalidade. A terceirização, implantada em larga escala e que se espalha por atividades não necessariamente clássicas como segurança, transporte, limpeza e alimentação, favorece quem a introduz, mas não beneficia o ex-empregado que consegue virar patrão. Ganha a santíssima trindade estatal pela simples razão de que as relações comerciais formais se multiplicam e geram impostos, recolhidos pelos terceirizados.
A terceirização que transforma ex-empregado em patrão contribuinte ou que simplesmente substitui parte dos funcionários por novos fornecedores de serviços e produtos reduz substantivamente a massa de salários e de consequentes encargos sociais com o corte sistemático de cabeças, enquanto infla os indicadores de impostos municipais, estaduais e federais.
Todo o cipoal de recolhimentos obrigatórios que cada mão-de-obra gera para o sistema de seguridade social e que, afirmam especialistas, ultrapassa a 100% dos salários em forma de FGTS, 13º, aviso prévio, férias e outras conquistas trabalhistas, acaba substituído pelo ISS, IRPJ, ICMS e IPI. Sem contar a precarização da qualidade de vida também pela eliminação de benefícios sociais conveniados em acordos coletivos, casos de seguro-saúde, vale-refeição, cesta básica e outros apetrechos que os Sindicatos arrancaram a fórceps das empresas durante o período de autarquia econômica e de inflação despudorada.
Com a terceirização, destroem-se salvaguardas sociais e fortalecem-se barricadas tributárias. As empresas, evidentemente, não podem ser responsabilizadas pela adoção da alternativa da terceirização, fórmula encontrada para reduzir custos, apurar o foco do negócio e enfrentar a globalização sem que o ultimato da desativação prevaleça.
O que se lamenta é a frequência com que a turma do gargarejo aplaude e dá destaque aos anúncios dos resultados da arrecadação tributária do Estado, quando se sabe que o custo desse desequilíbrio é o aprofundamento das desigualdades sociais.
A sinfonia macabra que tem as notas do crescimento da arrecadação tributária e a letra da redução do nível de qualidade de vida ainda não foi devidamente entendida pela plateia de contribuintes e de (de) formadores de opinião.
A reverência histórica ao regime fiscalista prevalece. Com o acovardamento dos empresários, a omissão dos sindicatos de trabalhadores e a irreverência do Estado em suas várias esferas. Além, é claro, do quase que completo alheamento da mídia.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)