Na edição de janeiro de 1997 cuidei pessoalmente de uma análise que confrontava Diadema e São Caetano. A matéria foi publicada na revista LivreMercado, que ainda não completara sete anos de circulação e ganhara recentemente aquela formatação física. Até outubro de 1996 LivreMercado era conceitualmente revista, de análise; entretanto, o formato físico era modesto – em papel sulfite.
O que apresentei aos leitores há mais de 23 anos foi uma disputa de indicadores sociais e econômicos entre os dois municípios do Grande ABC cujos contrastes precisavam ser explicitados. Não eram poucos e ainda continua não sendo poucos quem acredita que o Grande ABC é social e economicamente homogêneo. Uma barbaridade de desconhecimento. Aliás, no livro Complexo de Gata Borralheira, que escrevi em 2002, trato disso. Os sete pedaços geográficos que formam o Grande ABC têm especificidades que não se encaixam. Como, aliás, prova o fracasso da integração regional.
O pulo do gato do texto que os leitores vão acompanhar em seguida (11º capítulo da série que recupera a história de 30 anos do melhor jornalismo regional do País) é que transformei o material bruto, mas importantíssimo da Emplasa, em metabolização jornalística. Emplasa era Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo. Recentemente foi desativada após longa agonia. Naquela metade dos anos 1990 era uma instituição que acenava com a segurança de que o Estado funcionava.
Acompanhem a disputa entre São Caetano e Diadema. Em termos de macrodados, provavelmente quase nada se alterou relativamente à distância entre os dois municípios quase vizinhos no Grande ABC.
São Caetano e Diadema têm
realidades totalmente opostas
DANIEL LIMA - 05/01/1997
Os contrastes entre a fortemente imigrante São Caetano, reduto de colônias de italianos, portugueses, espanhóis e armênios, e a flagrantemente migrante Diadema, densamente ocupada a partir dos anos 70 por mineiros, baianos, pernambucanos, paraibanos, entre outros brasileiros retirantes, podem ser constatados num simples passeio pelas ruas centrais e da periferia desses dois municípios que formam o Grande ABC juntamente com Santo André, São Bernardo, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, ou nas páginas de recente estudo divulgado pela Emplasa (Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo), estatal ligada à Secretaria de Estado dos Transportes Metropolitanos. O trabalho Por Dentro da Sub-Região Sudeste, como é identificado o estudo, trata especificamente daquela que poderá se transformar na Região Metropolitana do Grande ABC.
São Caetano e Diadema não são tão díspares na área territorial. São os menores Municípios da região, mas têm diferenças: São Caetano possui 15 quilômetros quadrados de área, duas vezes menos que Diadema, com 32 quilômetros quadrados. A soma dá 5,6% do território regional, com 841 quilômetros quadrados, quase a metade, 411, pertencente a São Bernardo. São Caetano é o único Município da região não enquadrado na Lei de Proteção dos Mananciais. Diadema tem 7% do território atingido, contra 100% de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, 56% de São Bernardo, 54% de Santo André e 19% de Mauá.
Diadema tem mais território
Com duas três vezes mais área, Diadema tem mais de o dobro da população de São Caetano: 321.216 contra 148 mil habitantes. O desequilíbrio socioeconômico entre os dois Municípios encontra na taxa geométrica de crescimento anual uma explicação consistente. Enquanto São Caetano experimentou crescimento discreto de 0,83% no período 1970/80, e até decréscimo populacional de 0,79% entre 80 a 91, Diadema explodiu nos mesmos períodos, apresentando taxa de 11,23% nos anos 70 e 2,66% na década seguinte. Por isso, não é difícil explicar as diferenças nos indicadores. O rendimento médio mensal do chefe de domicílio em São Caetano é de R$ 804,00, contra quase a metade (R$ 436,00) de Diadema, em valores de agosto de 1996. São Caetano lidera o índice no Grande ABC, bem acima de Santo André, vice-campeã com R$ 665,00. Diadema só ganha de Rio Grande da Serra, com R$ 319,00.
São Caetano tem 10,8% dos domicílios com chefes que recebem mais de 15 salários mínimos por mês, liderando o ranking regional, enquanto Diadema mal alcança 1,9%. Já na categoria de chefes de domicílio que recebem até dois salários mínimos, os dois municípios apresentam equilíbrio, com São Caetano contabilizando 26% e Diadema 21,7%. O estudo não traz explicações sobre esse item, mas a diferença é que em São Caetano há grande contingente de aposentados e em Diadema há mesmo precariedade da mão-de-obra.
Outro medidor do contraste está no número de agências bancárias por 10 mil habitantes. O estudo da Emplasa oferece números do Guia Bancário do Brasil, de 1995, e constata que há 2,75 agências para cada grupo de 10 mil habitantes, contra apenas 0,83 em Diadema. A média da Região Metropolitana de São Paulo é de 1,27 e do Grande ABC de 1,10. São Caetano não perde para ninguém. Diadema ganha apenas de Rio Grande da Serra (0,83) e Mauá (0,43). O pressuposto de que aonde o dinheiro vai, as agências bancárias vão atrás, não deve ser menosprezado.
É provável que o indicador de agências bancárias esteja mostrando um equívoco do sistema financeiro na abordagem de mercado. Afinal, Diadema alcança US$ 3 bilhões de Produto Interno Bruto, contra US$ 3,6 bilhões de São Caetano. Vinte por cento de diferença não é tanta coisa que justifique desproporção tão grande de agências. São Bernardo lidera o ranking do PIB Municipal com US$ 12,6 bilhões, sempre sob a escolta da indústria automotiva. O PIB de São Bernardo representa 45,7% do Grande ABC. Santo André tem US$ 4 bilhões e, surpreendentemente para quem desconhece a geração de recursos da indústria química e petroquímica local, Mauá aparece em terceiro lugar com US$ 3,7 bilhões. Ribeirão Pires (US$ 600 milhões) e Rio Grande da Serra (US$ 50 milhões) completam a grade.
PIB da região
Os números da Emplasa reuniram informações do IBGE, da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda e estimativa da Coordenadoria de Informações Estatísticas da Emplasa, referentes a 1994. No conjunto, o Grande ABC apresenta o PIB de US$ 27,5 bilhões, ou 25% do PIB da Região Metropolitana de São Paulo, 14% do PIB estadual e 5% do PIB nacional.
Ainda sobre o PIB, o Grande ABC exibe valor que é o dobro do registrado na Grande São Paulo e no Estado e cerca de quatro vezes maior do que a média nacional. O Brasil tem PIB per capita de US$ 3.620, o Estado de São Paulo de US$ 5.976, a Grande São Paulo de US$ 6.397. O PIB do Grande ABC é de US$ 13.054, um pouco superior ao PIB espanhol de US$ 12.209 e um pouco menor que o PIB do Reino Unido, de US$ 14.170. É claro que as disparidades sociais do Grande ABC, como de resto do Brasil, não se registram naqueles países.
Uma divisão dos valores do PIB do Grande ABC pela população dos respectivos municípios ajuda a aprofundar e a entender os desníveis entre São Caetano e Diadema. O PIB per capita de São Caetano, resultado da divisão do PIB global de US$ 3,6 bilhões por 148 mil habitantes, alcança a média de US$ 24.324,32, algo próximo do PIB japonês. O de Diadema é de US$ 9.375,00, bem acima da média da Grande São Paulo, mas 50% inferior à média do Grande ABC e quase um terço da de São Caetano.
O padrão de moradia também estabelece divisão entre a Diadema de José de Filippi Júnior e a São Caetano de Dall’Anese. Enquanto São Caetano tem apenas 15,4% dos domicílios com até três cômodos, o índice de Diadema alcança 45,3%.
Em média, Diadema tem domicílio com quatro cômodos, contra 5,6 de São Caetano, que lidera no Grande ABC. Diadema só ganha de Rio Grande da Serra.
Educação dos pais
Na educação, é natural também que a mais recentemente povoada Diadema leve desvantagem em relação a São Caetano. A taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais em Diadema atinge 12,7%, mais de o dobro dos 5,4% de São Caetano. Neste ponto, Diadema supera Rio Grande da Serra e Mauá. O contraste se manifesta outra vez no nível de escolaridade dos chefes de domicílios, segundo dados da Emplasa com base nos números do IBGE. Enquanto São Caetano tem 13,6% de chefes com 15 anos ou mais de estudos, Diadema alcança apenas 1,7%.
O contingente de estudantes do Primeiro e do Segundo Gras, que atinge 628,5 mil alunos no Grande ABC, segundo dados de 1994 da Secretaria de Estado da Educação, reflete também o perfil populacional dos dois Municípios. A mais antiga e sólida São Caetano tem apenas 25.739 alunos, contra 72.961 de Diadema. São Bernardo (126.708) e Santo André (119.402) lideram a lista, mas, proporcionalmente à população, Diadema está na frente por ter habitantes mais jovens. Já no Segundo Grau há equilíbrio nos números, com São Caetano apresentando 11.507 alunos, contra 10.861 de Diadema. Proporcionalmente, Diadema perde porque tem mais de o dobro da população.
No setor de segurança, os indicadores do trabalho da Emplasa também contam o enredo socioeconômico antagônico entre os dois Municípios. Diadema lidera o índice de homicídios e tentativas por 100 mil habitantes, com 86,54, enquanto São Caetano figura com apenas 19,53. A diferença entre Diadema e Mauá (65,22), segunda colocada, é relativamente expressiva.
Nos acidentes de trânsito, São Caetano ganha disparado de Diadema, porque detém o maior índice de motorização da Grande São Paulo. São Caetano atinge índice de 649 veículos por 1.000 habitantes, bem à frente de São Bernardo com 430 e de Santo André com 360, que aparecem nos postos seguintes. A marca da Grande São Paulo é de 346 veículos. São Caetano registra 487,97 acidentes de trânsito por 100 mil habitantes, contra 280,86 de Diadema.
Energia elétrica
Mesmo menor e com população bem inferior, São Caetano ganha no consumo de energia elétrica, com o total de 775 mil MHW, contra 466 mil de Diadema. Os dados da Emplasa foram coletados junto à Cesp e se referem a 1995. No conjunto, o Grande ABC representa 21% do total demandado pela Região Metropolitana de São Paulo e o setor industrial exige 33% da capacidade. São Bernardo das montadoras de veículos lidera com 2,046 milhões de MHW. O perfil de consumo de energia elétrica confirma a vocação industrial do Grande ABC, que detém 71% de participação na atividade, contra 44% da Grande São Paulo.
Outro indicador importante de qualidade de vida superior de São Caetano está no número de terminais de telefones em serviço, atingindo 285 por mil habitantes, na liderança regional. Diadema só supera Mauá (46) e Rio Grande da Serra (26) com 73 por mil, aquém de Ribeirão Pires (103), São Bernardo (167) e Santo André (185).
Nos aspectos sociais, Diadema consegue equilibrar razoavelmente o jogo, como resultado das três gestões complementares do PT. Os indicadores relativos a saneamento ambiental colocam Diadema logo depois de São Caetano quando se trata de domicílios com abastecimento de água adequado, isto é, com canalização interna e ligados à rede geral. Diadema chega a 96,7% dos domicílios, ao lado de Santo André na segunda posição e levemente abaixo da líder São Caetano, com 99,7%. Os dados são relativos a 1991, do IBGE.
A performance de Diadema cai um pouco nos domicílios com instalações sanitárias, que atingem 78,1%, muito abaixo dos 99,6% de São Caetano, mas acima dos 76,3 da média da Grande São Paulo. Como os números são de 1991 e a política de investimentos sociais é marca registrada do PT, é possível que estejam defasados. Já na adequação à destinação do lixo, com coleta direta ou indireta, Diadema apresenta 98,4% dos domicílios atendidos, contra 99,9% de São Caetano, de novo líder regional, e 99,4% da segunda colocada Santo André.
É na taxa de mortalidade infantil que os governos do PT em Diadema fizeram grande revolução. Tanto que se aproxima do padrão desejado pela Organização Mundial da Saúde, de 20 para cada mil nascidos vivos. Diadema rebaixou o índice de 83, registrado em 1980, para 21, em 1994, e na região só é superada por São Caetano, sempre líder, com 11.
O resultado ganha maior relevância quando se observa, que na relação de leitos hospitalares por mil habitantes, Diadema perde para São Caetano por 4,64 a 1,61. E também quando se constata que São Caetano não tem um núcleo sequer de favela, enquanto Diadema tem 80 e uma população de 61 mil moradores, segundo dados do IBGE, pouco atrás da líder São Bernardo, com 53 núcleos e 80 mil favelados. Nesse caso, conta a política de descentralização de unidades de saúde de perfil mais simples.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)