A 15ª edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País (a revista impressa LivreMercado e a revista digital CapitalSocial) trata de um raríssimo momento na história do Grande ABC em que tudo parecia, de fato, que iria mudar. O texto que escrevi em fevereiro de 1997 para a revista LivreMercado é uma análise dos quase três anos de atuação do Fórum da Cidadania. O que foi o Fórum da Cidadania?
Para não ser repetitivo, convido os leitores a acompanharem a análise abaixo. Uma análise crítica, apesar do entusiasmo com o cenário que se descortinava como pretensa largada de uma iniciativa que poderia ser traduzida no, finalmente, encontro dos sete municípios com os conceitos de regionalidade. Vale a pena conferir. E, já que a série é afirmativamente, categoricamente, provocativamente, até, esquadrinhada como o melhor da imprensa regional do País, procure nos arquivos de outros veículos locais alguma coisa, qualquer coisa, que traçasse o perfil daquele momento do Fórum da Cidadania.
Fundista ou maratonista, qual é
o futuro do Fórum da Cidadania?
DANIEL LIMA - 05/02/1997
O Fórum da Cidadania do Grande ABC, formatado há quase três anos durante a campanha Vote no Grande ABC, iniciativa que elegeu número recorde de deputados estaduais e federais, está vivendo momentos de fundista premiado que tem tudo para se transformar em maratonista de ponta. Traduzindo: o Fórum contabiliza enorme sucesso, apesar de limitações operacionais decorrentes da falta de recursos financeiros, mas pode alcançar muito mais. Por isso, a iniciativa de seus principais colaboradores de avaliar os resultados e programar o futuro transforma-se na principal bandeira do início de temporada dessa entidade que reúne boa parte da comunidade regional.
Só o fato de envolver mais de meia centena de organizações, várias das quais representantes do capital e do trabalho, velhos contendores regionais, e de ter sustentado 30 meses de atividades, já seria suficiente para colocar o Fórum da Cidadania como grande vedete da ainda pobre passarela institucional da região. Mas o Fórum, cujas decisões sabiamente só se dão por consenso, porque há elenco numeroso de questões regionais convergentes que se sobrepõem às polêmicas, fez muito mais que patrocinar debates democráticos sobre assuntos candentes. Até mesmo se travestiu de executor de ações, superando a lógica com que foi concebido, de animador de processos.
Esse foi o resultado natural da volúpia do Fórum da Cidadania, uma novidade de grande impacto numa região que até então seguia a marcha fúnebre do municipalismo de ações isoladas, não o hino da vitória do regionalismo de decisões coletivas. Com isso, acabou por influir no desempenho das entidades que o compõem. Agora, a expectativa é de que as entidades se fortaleçam, até mesmo inspiradas nos resultados do Fórum.
Propagação de conceitos
Com isso, permitirão ao Fórum da Cidadania retomar sua origem de propagador de conceitos, como bem defende o coordenador-geral Fausto Cestari, diretor regional de Santo André do Ciesp, Centro das Indústrias do Estado de São Paulo. Como nenhum elo de uma corrente pode ser mais fraco que o outro, também o Fórum depende do fortalecimento conjunto das organizações que lhe dão suporte para somar às provas de fundo de resultados potencialmente mais imediatos a maratona de um temário comprometido com a qualidade de vida no médio e no longo prazo.
Uma das grandes revoluções que o Fórum da Cidadania está promovendo, porque sua estrutura deliberativa incentiva o debate franco e a quebra de paradigmas, é a ampliação dos horizontes e o chamamento às responsabilidades das entidades que o integram.
A necessidade de se decidir por consenso temas aparentemente incapazes de despertar conflitos, mas que na prática dos debates e dos detalhes muitas vezes se tornam problemáticos, projetou o Fórum da Cidadania como palco de exercício democrático que ao longo de 30 meses forjou grupo seleto de lideranças mais próximas da comunidade, não simples representativas de corporações. Todos eles, indistintamente, ganharam maturidade nesse convívio em que o prevalecimento do consenso implicou, em muitos casos, a humildade da concessão.
Ainda faltam representações
A multiplicidade de representações no Fórum da Cidadania, porém, não significa que não há vagas a serem preenchidas. Há sim e muitas. Primeiro porque uma parte das entidades filiadas ainda não se deu conta de que o Fórum exige participação constante. Segundo porque segmentos importantes como lideranças de educadores e alunos, especialmente do Terceiro Grau, clubes de serviços, clubes sociais, clubes esportivos, entre outros, continuam acompanhando o movimento à distância.
Há outros pontos também que as lideranças do Fórum da Cidadania devem levar em conta. Caso do amplo leque temático que consta da Carta de Princípios. Essa abrangência é estratégica, porque contempla o conjunto da sociedade naquilo que se considerou mais premente quando da criação do Fórum, mas operacionalmente há sólidas posições que defendem a necessidade de priorizar meia dúzia de assuntos e imprimir-lhes ritmo mais forte. A formalização legal da integração regional através da Assembleia Legislativa, tal qual a conquistada pela Baixada Santista, e o estabelecimento de políticas voltadas para o desenvolvimento econômico integrado fogem de qualquer objeção lúcida porque são eixos-base de uma engrenagem que exige reparos.
A profissionalização administrativa do Fórum da Cidadania também se reveste de caráter emergencial. Fausto Cestari defende a redução do grau de voluntarismo operacional e anuncia a contratação de um dos membros mais ativos da entidade, Aristides Oliani, para atuar como executivo contratado durante dois dias por semana. Já é um começo. Oliani cuidará especificamente da busca de receitas junto aos associados e doadores diversos. O quadro de colaboradores financeiros do Fórum não tem correspondência com a relação de filiados. Por motivos diversos, há inadimplência. Mantido na conta do chá, com recursos escassos, o Fórum se sente algemado. Vive a síndrome de Tostines: não pode empreender novos saltos porque não tem dinheiro e não tem dinheiro porque não pode empreender novos saltos. Aristides Oliani, um dos representantes da Avape (Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais), seria o catalisador de colaborações e doações.
Organização cerebral
O Fórum da Cidadania precisa de dinheiro para os procedimentos burocráticos de praxe mas sobremodo requer preparo para dar a seu cerne existencial de entidade conceitual, mobilizadora da comunidade em geral, a fundamentação de estudos de um banco de dados autônomo alimentado por todas as entidades que o representam. Enfim, o Fórum poderia se transformar numa organização que, além de conceitual, seja cerebral.
O capital de multiconhecimento das entidades que lhe dão sustentação precisa ganhar a forma de sistematização de informações, de números, de dados. Hoje, tudo isso está disperso. Em muitas áreas é absolutamente impossível dar interpretação com segurança. Organizar, controlar e abastecer um banco de dados multifacetado permitirão ao Fórum da Cidadania atender diretamente às suas proposições e, também, compartilhar informações com os associados. O desdobramento desse projeto pode ser imaginado com a disseminação de novos conhecimentos sobre a região. No mínimo, enriqueceria os debates e apertaria o acelerador de inquietações de todos os personagens que buscam promover transformações num Grande ABC outrora rico e poderoso e hoje indisfarçavelmente na corda bamba da precarização da qualidade de vida.
Ativos e passivos
Mesmo exibindo o pecado original do voluntarismo exacerbado, quando a tendência internacional de organizações não-governamentais é a profissionalização, mesmo com as costumeiras ausências de parte de seus filiados às reuniões plenárias, mesmo com a dispersão temática, mesmo com a falta de dinheiro, mesmo com a sobreposição do fazer em relação ao animar, o Fórum da Cidadania caminha para o terceiro aniversário com ativos que lhe conferem o certificado de sucesso.
Tanto que o moribundo Consórcio Intermunicipal da gestão dos sete prefeitos que acabaram de deixar os Paços está reativado. Seus novos membros sabem que a imagem da entidade perde de goleada para o Fórum, reconhecem que os níveis de cobrança vão ser cada vez mais fortes e desconfiam que eventual desgaste teria também para eles, a exemplo de seus antecessores, um alto custo eleitoral.
Também toda a movimentação de setores do governo do Estado junto ao Grande ABC nos últimos tempos, inclusive com a possibilidade de formalizar espécie de câmara regional com a participação da comunidade e dos administradores públicos locais, deve ser creditada à atuação do Fórum. Sem contar, é claro, os próprios planos de governo dos candidatos, sete dos quais eleitos, às Prefeituras do Grande ABC, todos voltados para o atendimento das demandas sistematizadas pelo Fórum.
Por tudo isso, o fortalecimento do Fórum da Cidadania constitui-se em grande desafio para os próximos tempos. O fundista de bons resultados pode ser também o maratonista campeão. Mas isso exige, além de fôlego e músculos, muita inspiração. Tanta que até mesmo o processo sucessório, em que a coordenação geral reveste-se de posto mais importante do colégio executivo, vem sendo tratado com discrição e cautela.
O ex-coordenador Wilson Ambrósio da Silva não quis candidatar-se à reeleição não prevista e nem proibida no estatuto, mas é provável que seu sucessor há um ano, Fausto Cestari, venha a ser solicitado a continuar por mais 12 meses. A neutralidade partidária e a flexibilidade ideológica conferem a esse médico pediatra e empresário a própria essência ecumênica do Fórum da Cidadania.
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