Vou tentar explicar didaticamente porque o tratamento da chamada Grande Mídia (mais especificamente, hoje, do Jornal Nacional) ao governo de Jair Bolsonaro é diferente do tratamento a presidentes anteriores, sobremodo do Partido dos Trabalhadores, notadamente do período de Dilma Rousseff.
Faço a investida em nome do jornalismo. E sem juízo de valor sobre os anos petistas e os anos Bolsonaro. Deixar o juízo de valor de lado é baita vantagem aos petistas, porque estou simplesmente retirando o Mensalão e a Operação Lava Jato da equação.
Os mentecaptos de plantão precisam saber diferenciar uma coisa da outra; ou seja, distinguir a gravidade econômica, social e jurídica dos anos petistas e o que temos desde a campanha eleitoral de 2018, cujos decibéis de inconformismo aumentaram enlouquecedoramente. Quem coloca uma coisa e outra coisa como a mesma coisa, ou seja, no mesmo saco sem fundos de ideologia, é mesmo um tremendo mentecapto.
Emagrecimento publicitário
Não há muito a explicar senão o óbvio e ululante (como diria Nelson Rodrigues). A raiz da diferença está no uso do dinheiro do contribuinte para financiar a Grande Mídia. Há estudos rigorosos sobre isso. Diferentemente de linhas paralelas, as curvas de interesses pouco republicanos se encontram. Sobremodo envolvendo a Rede Globo e seus tentáculos impressos, eletrônicos e digitais. Folha de S. Paulo, Estadão e Valor Econômico também estão no mesmo invólucro. Esse quarteto move uma empreitada de fé contra o presidente da República.
A Operação Lava Jato está aí (e as gravações do Jornal Nacional também) para demonstrar que o ritual de cobertura era de distanciamento em relação aos fatos. Entenda-se distanciamento o noticiário em si que contemplava todas as partes envolvidas e mantinha neutralidade na apresentação. Prevalecia a forma institucional, quase asséptica. Raramente ingressava no terreno da interpretação do narrador ou da narradora do telejornal.
Por mais consistentes que fossem as provas (e a repulsa da sociedade que se manifestou ao longo do período do segundo mandato, a partir de 2014, com a Lava Jato em campo), o Jornal Nacional imperava irrepreensivelmente como expositor dos fatos. E contemplava, repito, todos os envolvidos.
Não havia como rotina no Jornal Nacional sequer um músculo facial dos apresentadores a insinuar desaprovação a cada mal feito. Verdades cristalinas eram contestadas pelos protagonistas sem ressalvas dos apresentadores. Nada que pudesse induzir os telespectadores a separar fatos de versões. Com o governo Bolsonaro há um desequilíbrio brutal. Um massacre.
Seletividade enganadora
Os entrevistados são escolhidos a dedo. Transmite-se a ideia de que o país vive unanimidade contra o presidente da República. Nem pesquisas viciadas, como sempre, dão respaldo a isso. E não é de hoje que critico pesquisas viciadas, também conhecidas como pesquisas encomendadas. Um dos artigos que escrevi há algum tempo trata a chamada margem de erro como margem de manobra. Portanto, não é por causa do governo de plantão que desconfio severamente dos institutos de pesquisas. Sobretudo da Datafolha.
Os principais jornais impressos também se comportavam em tempos de corrupção com razoável equilíbrio entre os fatos e seus desdobramentos. Reservavam a área de Editoriais (espaço em que a publicação se manifesta oficialmente segundo a linha editorial adotada) para a distribuição de críticas. Havia uma separação entre a informação nua e crua e a avaliação institucional do veículo. Vou aprofundar análise sobre os veículos impressos em outro artigo.
Método reformulado
Não vou debater aqui se a postura do Jornal Nacional dos tempos das falcatruas de Mensalão e Lava Jato, as mais recentes de uma democracia de araque, era a mais recomendável ou não.
Vai de muito tempo minha desaprovação ao método de apresentação aparentemente neutra, mesmo reconhecendo os limites de uma concessão pública, caso da televisão. Mas isso não importa agora.
Sou amplamente favorável ao jornalismo que vai além da informação rasa. Os consumidores de informação precisam ser auxiliados a entender o mundo em que vive. O limite é a honestidade profissional. Que anda a faltar à Grande Mídia. A importância social do Jornal Nacional eleva essa obrigação à estratosfera da cidadania.
Então, diria o leitor mais atento, estou cometendo um escorregão de coerência porque, se desaprovava a impessoalidade do passado, por que então critico a personalização da avaliação dos fatos atuais. Não é bem assim. Ou é bem assim, mas de outra maneira. E essa maneira é o jornalismo isento. Sem rabo preso com o Departamento Comercial. Sem rabo preso com partidos políticos, com quem quer que seja.
Combatendo os inúteis
Que tipo de jornalismo? Um jornalismo que defenestre a farsa de atuação da OAB, por exemplo. Já escrevi muito sobre isso. E também sobre tantas outras instituições inúteis. Como o fiz com o Clube dos Construtores sob o comando autoritário do empresário Milton Bigucci. Quantos replicantes de Milton Bigucci existem no Brasil? Milhões. Quem os incomoda com jornalismo sério e independente? Raros.
O que se extrai desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência é uma orquestração da Grande Mídia para elevar o tom de personalização editorial desaprovadora ao chefe de Estado. Sem contemplação e sem ouvir todos os lados de forma equânime. Pinça-se aqui e ali algum contraponto. Tudo para sustentar a falsa premissa de neutralidade.
Vive-se um cavalo de pau no modus operandi de antes que, repito, era muito bem azeitado com dinheiro público. Mesmo quando tudo parecia sugerir que a crítica era isenta, que não se permitia ao presidente Lula da Silva, por exemplo, a menor contemplação, o perfil do noticiário do Jornal Nacional abria uma vala enorme a subjetividades e licenciosidades. Lembram-se de Lula da Silva em Paris entrevistado logo após a denúncia do Mensalão? O Fantástico, o Jornal Nacional (e os demais ramais da Organização Globo) trataram o presidente como um astro do futebol.
Reversão manipuladora
De repente, pela dor da escassez de receitas oficiais e pouco a ver com a missão de informar, a Grande Mídia passou a praticar um jornalismo que, a pretexto de democrático, transformou-se em vigorosa oposição institucional, por assim dizer. Faz-se de tudo para apear o presidente de cargo. Não entro, insisto, no mérito da questão. Restrinjo-me ao sentido estritamente técnico, ético e moral.
Imperasse na Grande Mídia o jornalismo dos tempos do Partido dos Trabalhados (sou insuspeito ao tratar desse assunto porque votei três vezes no PT presidencial e sou um dos raros jornalistas que enfrentou o Ministério Público Estadual para contestar, com provas, as balelas sobre o assassinato do prefeito Celso Daniel), a cobertura do momento, do Coronavírus, seria totalmente diferente. Seria equilibrada. Deter-se-ia aos fatos. A subjetividade malandra, condenatória, manipulada, seletiva, não teria sequer desembarcado nos estúdios de TV e nas redações dos jornais dessa confraria de recalcitrantes.
Um parêntese importante: meus votos ao PT decorreram exclusivamente do que chamaria de regionalismo sem limites. Conhecedor e denunciador dos estragos provocados na região pelo governo Fernando Henrique Cardoso, não cometeria a estultice de apoiá-lo nas urnas. Da mesma forma que o PT no poder me levou a redirecionar o voto a outros candidatos.
Responsabilidade social
Falta responsabilidade social aos grandes meios de comunicação. Deixa-se em segundo plano a cobertura sanitária, social e econômica do Coronavírus e se intensifa, se privilegia, se avilta, a cobertura político-partidária, ideológica, intolerante. Fazem dos fatos gatos e sapatos. A subliminaridade mentirosa perdura. As caras manipuladoras de sentimentos de repulsa ao presidente formam uma sequência estudada nos porões dos mandachuvas das empresas de comunicação que tornaram Bolsonaro o algoz a ser destruído. Não interessa se o Pais irá junto.
Reparem no antes sempre fleumático William Bonner e na companheira de bancada, Fátima Bernardes. Observem bem quando se referem a questões que têm o presidente da República como protagonista.
Não interessa no caso a probabilidade sempre maior de que Jair Bolsonaro tenha aprontado mais uma intervenção nada politicamente correta, ou mesmo uma barbeiragem sem tamanho. Tanto Lula da Silva como Dilma Rousseff, em situações diversas, também o fizeram. E jamais foram hostilizados em gestos faciais, na entonação da voz, no meneio do pescoço, essa linguagem corporal que os especialistas chamam de arte da condenação ou da aprovação.
Na edição de ontem do Jornal Nacional capturei mais uma mensagem subliminar de esperteza editorial: quando a notícia é positiva, os narradores se referem ao “governo federal”. Quando é negativa (e haja notícia negativa), trata-se do “governo Bolsonaro”.
Insisto em dizer que não estou em defesa do presidente da República. Minha bronca é outra. Sou jornalista há muito mais tempo que a maioria desses paus mandados de patrões (detesto esse verbete, que remete a um socialista burro, mas o uso propositalmente, porque empresários de comunicação sem escrúpulos são mesmo patrões) e sinto vergonha ao constatar, dia sim, dia sim também, o quanto fazem em nome da liberdade de Imprensa.
Fossem caçadores de bandidos sociais as reiteradas armadilhas que pretendem escorraçar Jair Bolsonaro teriam alguma magnitude. Qual nada: eles elegem protegidos e perseguidos de acordo com interesses que ultrapassam a sacrossanta função de informar. Bandidos políticos conhecidos de guerra viraram estrelas do Jornal Nacional. São braços armados de interesses que ferem a projeção de novos tempos no País. A marcha à ré parece inexorável.
Consumidores idiotas
Tivesse tempo e dinheiro possivelmente escreveria uma nova edição de Meias Verdades, livro que retrata vários casos em que a Imprensa trata leitores como idiotas juramentados. No caso da guinada eticamente fraudulenta da Grande Mídia, possivelmente o título seria outro. Muito mais agressivo. “Cuidado para não virar um idiota diante da TV e ao folhear os grandes jornais”--- seria espécie de desafio a ganhar síntese explicativa.
Adiantei que não iria confrontar o passado e o presente da Grande Mídia tendo como lastro argumentativo juízo de valor sobre o PT de 14 anos no poder e os menos de dois anos de Jair Bolsonaro. Acho que seria uma covardia a comparação. Quando não é necessário usar o que poderia ser chamado de bala de prata, alguém tem dúvida de que é melhor mesmo deixar para lá?
O jornalismo da Grande Mídia engatilhado na direção do governo Jair Bolsonaro pegou o atalho do jornalismo mais contemporâneo, por assim dizer. O jornalismo inconformado com a superfície da informação, fórmula com a qual os veículos de comunicação lavavam as mãos para jogar o jogo de acordo com as conveniências. O jornalismo editorializado de mão única, adjetivado, sem cientificidade de dados, é um passo atrás na missão de levar conhecimento à sociedade.
Não é digno do nome de jornalismo dizer única e simplesmente, por exemplo, que o presidente da República não mantém relações nada satisfatórias com o Congresso Nacional, sobretudo a Câmara dos Deputados. Essa é a metade da laranja da informação correta. A outra é que o presidente da Republica acabou com a mamata de distribuição de cargos a rodo para contar com maioria no Congresso Nacional. Como os governos anteriores e praticamente todos os legislativos do País.
Bolsonaro pode ser ruim de governabilidade, mas, até prova em contrário, e isso precisa ser dito, interrompeu o grosso circuito de bandalheiras entre os poderes.
A Grande Mídia, que participava direta e indiretamente dessa democracia de conveniência, encontrou no mantra da liberdade de Imprensa a desculpa esfarrapada para, em uníssono, contribuir para a derrocada presidencial. Aliás, até outro dia os mais afoitos já comemoram a queda de Jair Bolsonaro. Faltou combinar com aquela instituição que em 1964 entrou em campo e que, ao que parece, não estaria disposta a largar o capitão num mato sem cachorro.
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13/11/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (33)