Um dos temas-chave da linha editorial da revista de papel LivreMercado virou reportagem (com pitadas de análise) do jornalista André Marcel de Lima. Ele acompanhou uma conferência do jornalista econômica Joelmir Beting em Santo André e a retratou com o interesse especial de quem emergiu na profissão nas páginas da publicação. Tudo na edição de setembro de 2000.
O novo século estava começando e as questões metropolitanas afloravam. LivreMercado sempre defendeu o Grande ABC inserido numa região metropolitana própria, como a Baixada Santista, a Grande Campinas, a Grande Sorocaba. A classe política, especialmente a classe política, não dá conta desse recado também.
Esta é a centésima-sexagésima-quinta edição da série 30ANOS do melhor jornalismo regional do País – de LivreMercado a CapitalSocial.
Desmetropolização
aguda é nosso mal
ANDRE MARCEL DE LIMA - 05/09/2000
Um dos mais brilhantes jornalistas macroeconômicos do País, Joelmir Beting provou que economia regional não é um bicho-de-sete-cabeças, ao fazer análise sobre o Grande ABC em recente palestra que lotou uma sala de cinema do Shopping ABC. Diante de público composto de lojistas, empresários, dirigentes públicos e de entidades classistas, o articulista de O Estado de São Paulo e outros 46 jornais brasileiros inseriu o esvaziamento industrial e econômico da região no contexto internacional ditado pela tendência irreversível da desmetropolização.
Além de enxergar o Grande ABC pelo amplo telescópio das dinâmicas internacionais, Joelmir Beting fechou o foco de análise em problemas regionais específicos que drenam a competitividade das empresas, como o oneroso e ineficiente Porto de Santos.
O jornalista cita que o fenômeno da desmetropolização é universal e até mesmo natural, porque pessoas e empresas tendem a migrar para localidades que ofereçam mais qualidade de vida, menos custos operacionais e outros benefícios que se tornaram escassos nos grandes centros urbanos do mundo. "Não que a população esteja se mandando das metrópoles, mas a que vinha já não vem mais" -- afirma, ao citar o exemplo da Capital paulista, cujo índice de crescimento populacional está estagnado há três anos.
"As metrópoles são consideradas regiões doentes: doentes no trânsito, na água, na segurança e na qualidade do ar, e as novas empresas tendem a se instalar em regiões que ofereçam melhores condições de vida aos recursos humanos, que representam o capital mais importante das organizações na era do conhecimento" -- lembra.
Ganhando impulso
No Brasil, a desmetropolização ganha impulso adicional com a guerra fiscal, por meio da qual Estados e municípios atraem organizações com vantagens tributárias e fiscais como isenção de IPTU e redução de ICMS.
Joelmir Beting detecta ingredientes específicos que dão impulso ainda maior à desmetropolização do Grande ABC: a abertura comercial do início dos anos 90 expandiu sem precedentes as alternativas de suprimentos das montadoras de automóveis, que sempre rebocaram a economia regional.
A instauração do global sourcing (suprimento global) a partir da queda das barreiras alfandegárias repercutiu negativamente nas autopeças locais, a maioria de origem familiar e de pequeno e médio porte, que passaram a disputar mercado com concorrentes internacionais mais preparados.
Joelmir também poderia ter dito que a abertura econômica levou ao enxugamento de quadros funcionais das montadoras e autopeças -- e consequentemente ao aumento do desemprego e dos problemas sociais. Exposta à concorrência global, a indústria automobilística correu atrás da competitividade perdida e incorporou robôs e equipamentos automatizados descartadores de mão-de-obra humana.
Porto de Santos
A fragilidade operacional do vizinho Porto de Santos é apontada por Joelmir Beting como o maior calcanhar-de-Aquiles da logística de transportes do Grande ABC. "O chamado esvaziamento econômico foi incrementado pelo afundamento do Porto de Santos, que poderia estar colaborando, mas está prejudicando a região até hoje" -- afirma. Ele cita exemplos de organizações do Grande ABC para as quais é mais vantajoso exportar por meio de portos como o de Sepetiba, no Rio.
Joelmir enfatiza que a desmetropolização sempre vem acompanhada pela mudança de perfil econômico. A Capital paulista, que perdeu centenas de indústrias nos últimos anos, tornou-se o principal polo latino-americano do turismo de negócios. "Das 170 maiores feiras brasileiras, 140 são realizadas em São Paulo" -- destaca.
O jornalista lembra que a Capital se tornou também o centro brasileiro das empresas de Internet, com mais 80 mil empregos de boa qualidade. "A Vila Olímpia é o Vale do Silício. É ali que estou montando site de análises econômicas que gerará 15 empregos, dos quais sete para jornalistas. É um mercado de trabalho que simplesmente não existia há apenas cinco anos" -- ilustra.
A ferida -- que o jornalista não apontou -- é que o Grande ABC não encontrou vocação que amenize perdas industriais. As grandes redes comerciais que chegaram nos últimos anos apenas canibalizaram o pequeno comércio familiar de bairro e estão longe de ter o mesmo significado que empresas de telecomunicações representam para Campinas ou a Internet está significando para a Capital.
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