Sociedade

Você acredita em pesquisas
eleitorais? Tome cuidado!

DANIEL LIMA - 04/09/2023

Se você acredita piamente em pesquisas eleitorais você é um otário. Se você acredita com ressalvas em pesquisas eleitorais, você está começando a ficar esperto. Se você não acredita de maneira alguma em pesquisas eleitorais, parabéns: você chegou ao estágio de esperteza, ou de autodefesa. Eu estou no terceiro estágio dessa bagaça de enganação.  

Já imaginaram se fosse contratada uma pesquisa para pesquisar pesquisas eleitorais desde o nascedouro de uma disputa, que começa muito antes da oficialidade regulamentar?  

Seria ótimo se alguém contratasse um instituto de pesquisa para pesquisar pesquisa eleitoral. O problema é que não há na praça a garantia de que exista algum instituto de pesquisa com credibilidade assegurada e comprovada para ir a campo e registrar de verdade o que a sociedade diz sobre pesquisas eleitorais. 

Já acreditei em pesquisa eleitoral, mas saltei desse barco furado na medida em que me tornei um jornalista louco por pesquisa eleitoral e, como tal, avancei numa curadoria muito particular. 

TRAMBIQUES CONHECIDOS  

Conheço os trambiques dessa turma, quase todas a utilizar suposta ciência para vender resultados de acordo com a vontade do cliente e a credulidade cega ou ignorante dos consumidores de dados. 

O segredo de pesquisa eleitoral para que a pesquisa eleitoral divulgada hoje ganhe credibilidade amanhã e com isso leve no bico os consumidores de pesquisa eleitoral é que se trata de um bem elaborado jogo de cartas marcadas de médio e longo prazo. 

O pressuposto dos donos dos institutos de pesquisa eleitoral é que a sociedade é formada por um bando de idiotas que acredita em tudo. 

Qualquer pesquisa eleitoral mequetrefe ganha foro de realidade e de cientificidade na medida que se juntam parceiros igualmente oportunistas a propagá-las.  

O Datafolha é um instituto que manipula descaradamente pesquisa eleitoral e segue em frente impune e todo fagueiro. Para tanto, conta com o suporte estratégico e de conteúdo de gente graúda da mídia, a TV Globo, principalmente.  

DISPUTA PRESIDENCIAL  

Já cansei de escrever sobre os erros do Datafolha, linha auxiliar do editorial da Folha de S. Paulo. Em qualquer país sério o Datafolha seria execrado pelo bom-senso e pelo respeito à inteligência dos consumidores. No Brasil, ainda é venerado por parcela dos eleitores que viram telespectadores do Jornal Nacional.  

O Datafolha cometeu um crime de lesa-eleição no primeiro turno do ano passado, na disputa da presidência da República, ao colocar Lula da Silva 14 pontos percentuais à frente de Jair Bolsonaro.  

Essa diferença foi muito maior antes, durante o processo eleitoral, mas, para variar, o Datafolha faz ajustes ao longo do tempo. A distância fora muito maior antes e chegou às vésperas da disputa com essa enormidade incondizente com os fatos registrados nas urnas eletrônicas. O vexame do Datafolha e da Folha deve ter custado muito à credibilidade das duas organizações siamesas. 

Trabalhava-se com a decisão eleitoral em primeiro turno. O Datafolha replicado pelo Jornal Nacional e outros produtos da Velha Imprensa ganha amplitude extraordinária.  

NOVA PESQUISA  

O Datafolha é esperto, mas subestima a inteligência alheia. Pendurou uma ponderação cautelar ao anunciar a projeção de primeiro turno à disputa presidencial. Afirmou, numa espécie de paraquedas supostamente ético, que havia 13% de eleitores indecisos, ou seja, que poderiam mudar de voto. Nem com essa estratégia o Datafolha escapou. 

Mas quem disse que o Datafolha e tantos outros institutos de pesquisa têm respeito aos consumidores de informação? 

Agora mesmo saiu uma pesquisa sobre a disputa eleitoral em São Paulo. Os resultados dessa rodada carregam imperfeições porque não são transparentes. E muitas das conclusões são chutometria. 

O Datafolha e o frágil analista da Folha de S. Paulo confundem as bolas entre o universo pesquisado e grupos específicos desses pesquisados. Há um mundaréu a separá-los de qualquer resquício de cientificidade.  

Para começo de conversa, a margem de três pontos percentuais para cima e para baixo flexibiliza acrobaticamente resultados que parecem distantes entre si. Três pontos de margem de erro podem ser nove pontos de diferença e também zero ponto. Em sincronia, quem tem 10% pode ter 13% e quem tem 7% pode ter 4%. Também quem tem 10% pode ter 7% e quem tem 4% pode ter 7%. É assim que funciona a metodologia de margem de erro, de fato margem de manobra.  

PARTE PELO TODO  

Pior que isso é o detalhamento para construir teorias analíticas ao sabor da criatividade do autor. Pegam-se estratos sociais, escolares, econômicos e religiosos para projetar possíveis cenários e tendências. O Datafolha insiste em tratar o específico pelo todo. A margem de três pontos percentuais (que, insisto, comporta até nove pontos de margem de erro, ou nenhum ponto) vai às alturas quando se estratificam determinados grupos pesquisados. 

A questão é simples e já a abordei aqui muitas vezes. Os evangélicos, que representariam por volta de um terço dos eleitores, e, portanto, um terço dos pesquisados, não podem ser tratados como 100% do universo pesquisado. Eles não foram ouvidos num universo quantitativo de entrevistas compatível com a margem de erro de três pontos percentuais.  

O Datafolha dá a todos os segmentos que formam o conjunto do eleitorado tratamento de universo da margem de erro global, quando o que temos nesses respectivos compartimentos não passa de enquete, ou seja, sem valor técnico-científico.  

FAKE NEWS INSISTENTE  

Já discorri muito, mas nem por isso o suficiente sobre pesquisa eleitoral. Entendo que os leitores e eleitores precisam ter a memória sempre ativada e supostamente refrigerada sobre o assunto.  

A influência de pesquisa eleitoral no conjunto da obra de uma disputa é ainda bastante representativa. Sobretudo para alimentar um ambiente favorável ou contrário a determinado candidato ou apoiadores desse candidato. 

O que não dá para não dizer porque o que se tem a dizer deve ser dito é como a Folha de S. Paulo tem a cara de pau de tentar pautar a sociedade ao imputar monopólio de fake news a suposta massa uniforme e compacta das redes sociais quando, de fato e há muito tempo, utiliza-se de maracutais numéricas e interpretativas do Datafolha.  

Mais que isso: não só usa como esparrama essa delinquência ética a outros meios de comunicação, que a abraçam com todo o carinho porque fazem parte do mesmo conglomerado de militância jornalística.  

Já escrevi e repito: só acredito, e de acordo com a fonte que me alimenta, em pesquisa eleitoral que não é publicada.  

Como assim? Todas as autoridades públicas que conheço e que não trabalham sem o painel de controle de informações confiáveis, intensificam contratos exclusivos com institutos de pesquisa na avaliação do ambiente em que estão metidos. Os adversários também.  

MELHOR PESQUISA  

Autoridades públicas e adversários que não contam com instituto de pesquisa de confiança tanto na captação de resultados como na manutenção desses resultados em quatro paredes de confiança total são autoridades públicas e adversários descuidados.  

Todas têm os dados que medem o ambiente eleitoral e administrativo, ou administrativo e eleitoral, que lhes interessam e dos quais necessitam para programar e efetivar operações de combate.  

Esse tipo de pesquisa eleitoral não é de conhecimento da mídia. A versão contratada e combinada com a mídia na maioria dos casos é uma versão ao gosto do freguês. Os resultados anunciados nos últimos dias, geralmente próximos das urnas, são apenas detalhes.  

A disputa se inicia como se iniciou agora com o Datafolha e a Prefeitura de São Paulo. Uma influência de algo como 20% nos resultados, ludibriando o distinto público eleitoral, faz muita diferença nestes tempos de embates parelhos.



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