Não sei quando vou morrer, se vou morrer de morte morrida ou de morte matada, como quase morri em primeiro de fevereiro de 2021. O que sei é que tive uma ideia genial ou louca, tanto faz a interpretação. Vou preparar e divulgar publicamente uma relação de pessoas com as quais convivi o suficiente para compor três listas.
A primeira lista, a Lista Positiva, contará com a identidade de pessoas obrigatórias no meu velório. A segunda lista, a Lista Negativa, reunirá pessoas que sejam barradas do baile. Quem não estiver numa lista nem em outra terá liberdade de decidir. Se forem, vou agradecer. E lamentar que não as tenha colocado na lista positiva.
A terceira lista é a Lista Espiritual. De pessoas que já foram para o andar de cima e que me deixaram muitas saudades. Espero que todas estejam no meu velório. O que interessa é que eu as veja. Os convidados da Lista Positiva talvez sintam a presença delas.
Acho melhor àqueles que forem listados como presenças obrigatórias que se virem porque terão de aparecer. E que tratem de se comportar. Respeitem meu cadáver. Nada de piadinhas gastas. Tampouco de maledicências. Também não precisariam se comportar como monges. Sejam respeitosos, apenas isso.
REPEITO AOS MORTOS
Sempre respeitei os mortos nos velórios dos quais participei. Acho que a recíproca seria verdadeira. Não mereço esculhambação. Os mortos que visitei nos velórios jamais poderão falar mal de mim. Eles sabem que sou seletivo. Jamais fui a velório de quem não gostasse. E deixei de ir a vários velórios porque fui insensível. Se houvesse recebido uma convocação como faço agora, duvido que não iria.
Eles, os mortos que velei, poderiam ter tido a ideia que tenho agora, da lista do bem, vamos dizer assim. Acho que ir a um velório de alguém convocado em vida para participar do ritual tem um peso maior do que o voluntarismo nem sempre aprovado pelo morto.
Quanto aos que constarão de minha lista de restrições, a Lista Negativa, antecipo desde já que não ponham mesmo os pés onde pés merecedores de minhas considerações porão os pés. Sem falsidades, por favor.
Vocês não podem adentrar um local para ver o cadáver de quem não os admira por razões variadas. Principalmente porque são bandidos sociais, gente que depõe contra a humanidade no sentido mais amplo da expressão.
Gente que coloca a região em permanente atraso. Gente que coloca a ética social sob os pés imundos de individualismo predador.
MAIS PROFISSIONAL
Perceberam que na operação-velório vou dar peso bastante expressivo à minha pessoa jurídica, no caso o jornalista Daniel Lima, e menos, provavelmente menos, à minha pessoa física, o cidadão Daniel José de Lima, aquele que foi baleado num pet shop e quase partiu antes da hora?
Vai ser natural a discrepância de convidados da Lista Positiva mais pendentes ao profissional do que ao pessoal. Até porque os segundos, que envolve parentes e amigos sem necessariamente imbricação profissional, são convidados automáticos. Mas farei questão de chamá-los às falas. Que não marquem outro compromisso no dia do meu velório. E não saiam antes do sepultamento.
Não tenho notícia de que alguém tenha se decidido a fazer o que estou anunciando. A data imprevisível é, portanto, um marco aleatório que só o Poderoso tem condições de decidir.
Quem souber de algo semelhante a essa operação-velório que me avise. Prometo que vou escrever um texto a respeito. Perderei o direito autoral, não importa.
Uma lista de convidados que dariam uma inspeção em meu cadáver, para ver se é cadáver mesmo ou um golpe de marketing, e uma lista proibitiva ao meu velório, não são coisas, convenhamos, para alguém propor em pleno gozo de sanidade mental. Ou seria exatamente o contrário?
AUTOCONHECIMENTO
Somente alguém em plena potência cognitiva de sensibilidade chegaria a esse ponto, porque esse ponto é o contraponto à acomodação de enxergar a morte como uma fatalidade que deveria seguir ritual convencional, ou seja, de deixar a programação final a cargo de cada um. Traduzindo: nada de obrigação de prestigiar o falecido. Tampouco de o falecido antecipar e divulgar os desconvidados.
Quando escrevi após o incidente de que fui vítima que faria constante inspeção, para não dizer inventário, de meu comportamento, não estava brincando. Faço permanente curadoria autopessoal, autocomportamental. Cada vez mais estou convicto de que minha vida mudou porque botei na cabeça que tinha de olhar ao meu interior cerebral e reavaliar constantemente o que foi feito de mim do passado em relação ao meu eu do presente e do futuro.
Chegar ao ponto a que cheguei, de anunciar que vou mesmo preparar as três listas ao meu velório, é prova de que não estou para brincadeira.
DEVAGAR E SEMPRE
Espero ir preparando devagar, mas com ritmo uniforme. É indispensável que o faça porque não sei até onde vou e tampouco como vou. Chegarei cambaleante ao fim da vida ou em pleno vigor, apesar das sequelas daquele tiro, sequelas que são refresco diante do que se deu?
Minha preocupação é que, morrendo aos poucos como morremos, e dependendo de como morreria, meu coração amoleça demais com gente que não produz nada para a sociedade. Pior que isso: gente que só atrapalha.
Gente que quero que viva muito, mas muito mesmo. Principalmente para saber que integram a minha lista restritiva e que se sintam barrados do baile fúnebre no qual serei o anfitrião.
É mais que justo que prepare as três listas e que combine tanto uma espécie de coerção à presença dos convidados quando de aviso aos desconvidados.
UM INSTANTE MÁGICO
Tenho outros planos para dar ao meu velório alguma coisa que não seja o que são a maioria dos velórios. Não tenho muita experiência nesse tipo de cerimonial assustador para quem está vivo, porque quem está vivo sempre entra em parafuso circunstancial diante do morto no caixão sem direito a um último suspiro.
Acho que seria engraçado se me permitissem um último suspiro num momento qualquer de meu velório. Já imaginou me levantar, olhar para os convidados listados e começar a cantar o hino do meu time preferido? Ou alguns acordes de meus cantores e cantoras favoritos. Que tal cantarolar o tango com o qual era anunciado como anfitrião e editorialista das festas do Prêmio Desempenho. “Por una cabeza”, lembram-se. Era o toque de midas à minha sensibilidade.
Acho que quando me levantasse brevemente do cerimonial fúnebre deveria ter o direito de dizer a todos quais são os cinco melhores filmes que assisti. Os melhores momentos do meu time de futebol. Os livros que mais me embeveceram. Essas coisas que a gente nunca esquece e que, provavelmente, pós-vida a gente poderá curtir.
Deixando de lado essas elucubrações, é certo mesmo que estou pronto para produzir as três listas. Ainda não me decidi quando começarei a botar a mão na massa para identificar publicamente aqueles que frequentaram minhas sintonias profissionais, principalmente.
NADA DE VINGANÇA
Que fique claro, cristalino, o conceito que me moverá a escantear gente que não respeito. Não se trataria de vingança, porque não tenho vocação para tanto. Tratar-se-ia tão somente de respeito ao morto, que serei eu. Hipocrisia diplomática não faz parte de meu comportamento. Nem quero que a utilizem no meu último ambiente terreno.
Minha maior preocupação é não incluir pessoas com as quais convivi e que merecem estar na lista positiva. É uma imensa maioria em relação à outra turma, a turma dos farsantes sociais ou de delinquentes pessoais.
O que são delinquentes pessoais, separadamente ou não dos farsantes sociais? São gentes que, a despeito de muitas coisas, primam por ações mais que duvidosas, assombrosamente desrespeitosas no sentido de manipulares emoções e decisões. São malversadores por natureza e safadeza.
Embora tenha motivos de sobra para achar que vou virar velório logo, principalmente se escrever tudo o que sei sobre mandachuvas e mandachuvinhas protegidíssimos inclusive pelo Judiciário, ainda acredito naquela generosa mulher a quem consultei no Guarujá. Acho que aquela cartomante tem razão. Ela previu há 30 anos que eu chegaria aos 94. Tomara que assim seja, mas, por via das dúvidas, por conta dos bandidos sociais, vou preparando os primeiros nomes das três listas. Separadamente. Aguardem.
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