Sociedade

Adolescentes-placas são apenas
miragem nas ruas do Grande ABC

DANIEL LIMA - 23/05/2011

 O dissimulado comandante do mercado imobiliário do Grande ABC, empresário Milton Bigucci, vai ter de explicar ao Ministério Público as denúncias de utilização irregular de crianças e adolescentes menores de 16 anos na divulgação de empreendimentos do setor nas ruas da região. Ao dizer como disse ao Diário do Grande ABC que a participação de meninos e meninas na atividade é exceção à regra, Milton Bigucci zombou da sociedade. Somos todos um bando de idiotas. Adolescentes-placas são apenas miragem nas ruas da região, segundo a versão de Milton Pilatos Bigucci.


Nada, portanto, que fuja da bitola de desdém de duas décadas à frente na Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC).


Milton Bigucci tem muita sorte de não ocupar cargo público, porque certamente seria demitido. Como atua numa atividade protegidíssima pela mídia, por conta da generosidade de investimentos publicitários, resta a expectativa de atuação do Ministério Público.


O fato de o Diário do Grande ABC ter noticiado o caso em princípio sem envolver a associação dos construtores e, em seguida, dar encaminhamento à demanda do Ministério Público, sinaliza que os controles econômicos que permeiam questões do setor imobiliário (e em outros veículos de comunicação também) sofreram revés. Como o assunto pertence à Editoria de SeteCidades, possivelmente houve um descuido ao expor o nome do presidente da Acigabc.


Possivelmente — e os próximos dias vão retirar essa nuvem de dúvida — saberemos até que ponto a influência financeira de Milton Bigucci não contaminará também o noticiário chamado de “geral”.


Juro por todos os juros que não pretendia mais escrever durante algum tempo sobre as omissões, estripulias e fanfarronices de Milton Bigucci, mas o noticiário me obriga.


Sobra no episódio o cheiro fétido da desfaçatez do dirigente empresarial. O autismo social do qual é portador aparentemente irrecuperável chega às raias da mais rude ironia quando afirma que é exceção não regra a participação de adolescentes na distribuição de material promocional de lançamentos de empreendimentos imobiliários.


Vai completar oito anos que neste mesmo CapitalSocial, à época com o apêndice “Online”, escrevi um texto sobre o assunto, ao qual os leitores poderão recorrer com um simples clique no link que acrescento ao final desta matéria. Já naquela ocasião denunciava um cenário de abusos e desrespeito a jovens nas principais ruas da região. Aquele texto foi transposto ao livro “República Republiqueta”, uma coletânea de artigos que escrevera não só nesta revista eletrônica como também nas páginas da revista LivreMercado.


O trabalho infantil é questão que ainda suscita debates, verdades doloridas, joguinhos do politicamente correto e todo o tipo de discurso acomodatício.


Como notarão os leitores do texto de “República Republiqueta”, sou fruto jornalístico de uma paixão consumada aos 14 anos no Interior de São Paulo. Sei lá o que teria sido de minha vida se não pudesse, já naquela oportunidade, exercer a profissão que abracei com paixão absoluta.


Provavelmente se vigorasse o Estatuto da Criança e do Adolescente, esperaria pelo menos dois anos para me meter de verdade na labuta de infernizar a vida de uns e outros. Possivelmente também poderia ter mudado de rumo profissional, para alegria de muito malandro da sociedade.


Ao recorrer ao texto de “República Republiqueta” o faço com transparência e senso de oportunidade, porque uma leitura cuidadosa vai constar que, embora me gabe de ter começado tão cedo no jornalismo, algo que implicitamente me coloca supostamente em oposição às restrições impostas pela legislação promulgada bem mais adiante no tempo, embora me gabe, repito, mais que registro, me revolto, com a atividade marginal dos adolescentes-placas, como os rotulei naquele trabalho.


Está ali mais que clarificado um contraponto de quem se acha um felizardo, no caso este jornalista, e daqueles que, limitados a contemplar e de vez em quando a dar um drible nos perigos do trânsito, praticamente nada acrescentavam à intelectualidade e à operosidade agregadora de valor.


Ficarei estarrecido, como todos os leitores bons de cabeça e de coração, se o promotor da Infância e Juventude de Santo André, Ricardo Flório, não reunir provas cabais da exploração do trabalho infantil nas ruas do Grande ABC.


Disse o promotor de Justiça que “se tiver elementos, como fotos, nomes das empresas e detalhes dos entrevistados, posso instaurar procedimento”. Já em 2009, conforme noticiário do Diário do Grande ABC, Ricardo Flório instaurou inquérito civil para apurar denúncias de crianças na distribuição de panfletos. As empresas negaram e a falta de elementos levou para o arquivamento — afirmou o jornal. Será que vamos caminhar para a mesma situação?


Mais que a cara de pau de negar o que é inegável, ou seja, que meninos e meninas se espalham feito cogumelos pelas ruas dos municípios da região, Milton Bigucci declarou ao Diário do Grande ABC do último sábado que nunca recebeu nenhuma denúncia sobre a prática. Também disse, segundo o jornal, “não ter presenciado tal cena” pelas ruas de São Bernardo, município onde mora e abriga sua empresa. “O ocorrido foi exceção, porque a regra não é essa”, garantiu o empresário. Seu parceiro de longa jornada na Acigabc e de colunas sociais, Milton Casari, foi mais contundente na agressão às evidências. Classificou o flagrante como “exceção da exceção”.


O que mais choca nas declarações de Milton Bigucci é que sugere que fecha os olhos quando trafega pelas ruas do Grande ABC, portanto com sérios riscos de envolver-se em acidentes. Só assim é possível acreditar que não tenha observado para valer o desrespeito à legislação e, com isso, exija denúncias.


Milton Bigucci é especialista em fechar não só os olhos, mas também os ouvidos, a boca e tudo o mais, menos os bolsos nestes tempos de boom imobiliário. Ou alguém tem alguma informação privilegiada sobre suposta posição de responsabilidade social do dirigente da Acigabc no escândalo do Condomínio Barão de Mauá, que já completou 10 anos, ou mesmo do lançamento delituoso do Residencial Ventura, no Bairro Jardim, em Santo André, assuntos mais que fartamente divulgados e analisados?


Certamente o fechar de olhos não é a conduta ao volante em busca de áreas a novos empreendimentos da vitoriosa MBigucci, empresa que, como se sabe, se confunde com a identidade jurídica da associação da qual é todo-poderoso desde antes do Muro de Berlim vir abaixo. Milton Bigucci tem os olhos aguçados demais para oportunidades imobiliárias, e vedados ao extremo à responsabilidade social.


Faltou Milton Bigucci esclarecer algo que também deixou no ar quando em 2008, portanto há três anos, foi um dos 36 articulistas convidados a participar da maior obra coletiva já lançada no Grande ABC, a segunda versão do livro “Nosso Século XXI”, que coordenei juntamente com a jornalista Malu Marcoccia. Reproduzo apenas um trecho de um artigo integralmente disponível nesta revista digital, com link ao final deste texto. Vejam o que Milton Bigucci escreveu à página 261:



  •  Não podemos proibir o trabalho de menores com 12 anos de idade. Desde que estudem e trabalhem em serviços compatíveis, é a grande saída para diminuir a violência, aumentar a receita familiar e melhorar a educação. Até as drogas ficariam mais distantes. Se houver menos hipocrisia e demagogia, o menor poderá trabalhar salutarmente. O trabalho é a melhor escola da vida. Previne e não reprime o jovem. Eu aprendi assim.

Resta a Milton Bigucci prestar informações ao Ministério Público sobre o sentido mais abrangente possível do que pretendeu dizer no artigo assinado há três anos. Seriam os adolescentes-placas futuros Milton Bigucci?


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