Querem que eu escreva sobre o juiz afastado temporariamente ou em definitivo de uma vara da Justiça de São Bernardo. Ele teria desandado a cometer ilícitos. Não sei por que tem gente que acha que devo meter o bedelho em tudo, principalmente aqueles que não metem o bedelho em nada. Querem me usar como bucha de canhão social. Virei um mercenário às avessas, ou seja, aquele que topa qualquer parada e tem como recompensa, ao invés de vantagens, muita dor de cabeça.
Só entro nas brigas que valem a pena e sobre as quais há convicção de fatos, não de especulação. Não sou atirador maluco a acertar alvos pelo prazer de ver o circo pegar fogo. Estou fora disso.
Isso quer dizer que o juiz antes festejado e agora demonizado não precisa preocupar-se com as cores das tintas que uso em meus artigos, ele que, segundo me informam, é leitor contumaz destas páginas digitais.
Mais que isso: ele temeria o que saltariam de minhas lépidas digitais, as quais manobro com a dedicação de pianista, daí provavelmente jamais ter de responder fisicamente por dores como as de esforço repetitivo. O que vem da alma o corpo suporta sem chiadeira.
Não quero escrever sobre o juiz em questão, vou me esforçar sobremaneira para não cometer o erro de julgar sem conhecimento. É claro que possivelmente ele esteja mesmo enrolado, porque a ação do chamado Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo foi discreta na medida que é possível ser discreta quando se penetra no gabinete de um juiz, recolhe-se todo tipo de material e a investida acaba por vazar à mídia com o adendo de que o titular da vara está suspenso.
Aqui, cabe um juízo de valor que não é necessariamente específico sobre o valor moral e ético do juiz em questão: quanto mais discreta uma investigação, mais incorpora credibilidade às informações.
Uma antítese, portanto, do caso Celso Daniel no âmbito do Ministério Público. Diferentemente do que se viu do lado da Polícia Civil paulista, proibida de dar esclarecimentos durante mais de três anos. Tudo para que se alimentasse o monstro do crime de encomenda.
Me digam os leitores se é possível que enviados do Judiciário da Capital adentrem ao gabinete de um juiz sem ter o respaldo de provas documentais que engrossem o caldo de complicações de possíveis outras investidas?
Essa é uma pergunta que me faço para tentar não ficar em cima do muro sobre o caso do juiz, mas também sem cometer o delito informativo de especular sem base. Esse questionamento é o mínimo que me imponho, para não parecer um idiota completo diante de leitores mais sagazes.
Não foram poucas as oportunidades em que vi o juiz em questão metido em situações que aparentemente fugiam do convencionalismo de magistrado. Uma consulta aos arquivos de jornais e revistas da região e dos respectivos endereços digitais constatará que entre seus pares de todo o Grande ABC ninguém apareceu tanto em fotografias e textos de eventos sociais.
Até numa primeira página de uma das manchetes mais absurdas que se publicaram no Diário do Grande ABC o juiz andou aparecendo, ao lado de um coreano que anunciou investimentos vultosíssimos em Santo André, para deleite do prefeito Aidan Ravin e possível munição de petistas nas próximas eleições. Era 20 de janeiro de 2005, início do segundo ano de gestão do petebista, e aquele US$ 1.090 bilhão pautou o protocolo de intenções de investimentos nas áreas de saneamento básico e lazer.
Foi uma festa na Prefeitura de Santo André. Os secretários Nilson Bonome, Niljanil Bueno Brasil e Eduardo Sélio Mendes Júnior ficaram encantados com o coreano Ham Ho Kim, anunciado como presidente executivo do Grupo TRG, acompanhado de intérprete e assessores. O juiz não se identificou nem como um nem como outro, porque é conhecido dos anfitriões que, agora, possivelmente o reneguem. Marcou-se o detalhamento dos projetos para os 60 dias seguintes. Nada se consumou até agora.
Aliás, à época me perguntei o que estaria fazendo ali o magistrado? O que ele teria a ver com aquela notícia? Não vou revelar os motivos das indagações, que são muitas outras indagações, porque não pretendo viciar a interpretação dos fatos. Mas que era estranho ele ali, impecavelmente vestido como sempre, não resta dúvida.
Um juiz que possa ser catalogado como agente de negócios não é um juiz de cuca fresca. Que juiz é esse que abandona as funções clássicas de quem decide e se joga de corpo e alma numa primeira página como espécie de papagaio de pirata de um empreendedor asiático jamais visto de novo na praça?
Sei lá se há alguma relação entre aquela visita e a viagem quatro meses depois do juiz à Yoido Full Gospel Churchi, a maior igreja evangélica do mundo, segundo o Guinness World Recordes. O magistrado foi à Coréia do Sul para, oficialmente, proferir palestra com a finalidade de preservar valores éticos e morais. “Rediscutindo a Família” foi o tema aos coreanos, numa agenda da Convenção Mundial para Pastores e Líderes.
Dois anos antes, o juiz foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz por ter tido a sensibilidade de realizar uma inspeção antes de dar parecer sobre a situação de 502 famílias pobres residentes numa área de manancial do Jardim Skaff, em São Bernardo. A iniciativa partiu da Central de Atendimento aos Moradores e Mutuários do Estado de São Paulo, em reconhecimento à atuação do juiz que suspendeu o processo de reintegração de posse dos moradores daquele núcleo. Achei um certo exagero tanto a indicação quanto a divulgação.
Sei lá o que se passa na cabeça desse juiz nestes momentos em que virou a Geni do Judiciário do Grande ABC e também da sociedade mais esclarecida. Ele já deve ter percebido o quanto aqueles que o reverenciaram e que pretendiam ou já usufruíam de seu prestígio o ignoram nestes dias, senão o abominam.
Conhecer o outro lado da alma humana, essa muito mais marcante, é uma experiência que não pode ser esquecida, até porque as cicatrizes permanecem.
Os jornais cumpriram rigorosamente as normas da boa informação. Todos deram a notícia do afastamento do juiz com certa discrição. Mesmo o Diário do Grande ABC, de quem o então titular da 7ª Vara Civil de São Bernardo era muito próximo, pelo menos próximo de alguns altos coturnos, não economizou informações básicas.
Diria mais: o jornal tem-se dedicado a dar desdobramentos que outras publicações locais ignoram. Será que o juiz em questão já não era tão próximo da Rua Catequese? Sim, a desconfiança é válida porque Sérgio De Nadai, Milton Bigucci, Valter Moura e alguns outros, objetos de escorregões diferentes dos que supostamente envolvem o juiz, são generosamente protegidos pelo jornal.
Talvez o grande erro do juiz sob suspeita é que tenha se excedido na exposição pública. Talvez tenha se deixado levar pela vaidade.
Até assessoria de imprensa não oficial ele mantinha para ser destaque. Não chego ao ponto de afirmar que era um incorrigível arroz de festa. Aliás, posso até dizer. Só não posso afirmar que essa vertente seja depreciativa no sentido de fortalecer suposta ação delituosa, porque temos uma turma de pretensas celebridades locais que não abre mão de flashes mas nem por isso pode estar sob suspeita. São apenas vazios de cabeça e desalmados.
Se não saio a público para baixar o porrete no juiz é porque não sou leviano nem tenho vocação a urubu.
Também não lhe concedo a solidariedade e o apoio que prestei a Sérgio Gomes da Silva, o bode expiatório do caso Celso Daniel. Tudo porque simplesmente contava com informações que me possibilitaram oposição sem risco algum à conclusão do Ministério Público.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!