Devagar com andor do crescimento econômico porque o santo é global
DANIEL LIMA - 11/07/2011
Leitor meticuloso e voraz dos principais veículos de Imprensa do País (Valor Econômico, Folha de S. Paulo, Estadão, Carta Capital e Veja), entre outras publicações, não resisto nesta segunda-feira. Pela primeira vez em muito tempo observei que há convergência nos últimos dias em relação à situação econômica do Brasil quando confrontada com o quadro internacional. Pode ter sido apenas coincidência ou a situação está mesmo se desarrumando?
Está se desarrumando, responderia.
Vamos esquecer a manifestação da semana passada dos metalúrgicos do Grande ABC e paulistas na Via Anchieta contra a invasão de produtos importados que cada vez mais comprometem a produção e o emprego verde-amarelos. Nos instalemos num plano geograficamente mais amplo. Vamos então a algumas das notícias e avaliações.
No Caderno “Aliás” de ontem do Estadão, Eduardo Porter, membro do comitê editorial do New York Times, diz exatamente o seguinte num dos trechos da entrevista:
Ao contrário do que dizem certos economistas, o mercado não sabe tudo. Pode haver um fracasso na avaliação dos preços. Essa distorção pode nos levar, como pessoas ou como sociedade, a tomar decisões destrutivas. Foi o que aconteceu nessa última recessão econômica, provocada pela bolha imobiliária. Acredito que o que esteja acontecendo no setor imobiliário em cidades brasileiras seja uma bolha, e isso é um fenômeno comum em economias emergentes. É um dinheiro especulativo. Os preços vão sendo distorcidos quando entra uma quantidade estapafúrdia de dinheiro num país. No caso da disparada dos preços de imóveis, grande quantidade de recursos e da poupança se deslocam para o setor, ocorre um desvio de força de trabalho. É um sobreinvestimento e, quando os preços passam a cair, começa a pressão recessiva. Nós vimos isso na bolha da Ásia nos anos 90, na bolha da internet no ano 2000 e, num nível gigantesco, no crash de 2008.
Agora leiam alguns trechos do texto de Teresa Ter-Minassian no Valor Econômico do final de semana. Teresa Ter-Minassian foi diretora do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional e comandou as negociações da instituição com o Brasil no fim dos anos 90:
É essencial evitar o superaquecimento da economia: o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) real anual superou os 10% em 2010 graças à política monetária e fiscal expansionista e a termos favoráveis no comércio exterior. É preciso assegurar que a demanda doméstica se desacelere a um ritmo mais sustentável para moderar a pressão de alta nos preços, que ameaça a credibilidade da estrutura de política monetária de metas inflacionárias. (…) Da mesma forma o Brasil precisa esfriar seu mercado de trabalho, também superaquecido, e estancar a deterioração da balança externa (que saiu de um pequeno superávit para um déficit de mais de 2% do PIB nos últimos três anos, apesar da grande melhora nos termos comerciais). (…) O Brasil atualmente se beneficia de um cenário externo favorável, forte credibilidade internacional e prosperidade sem precedentes em segmentos cada vez maiores da população. Mas essa janela de oportunidade não pode ser desperdiçada, se o Brasil quiser consolidar e desenvolver ainda mais seus atuais êxitos.
Seguem agora alguns trechos da microentrevista de Carlos Lessa à revista CartaCapital. Carlos Lessa foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social):
O Brasil está numa situação delicada, porque não tem um projeto nacional, adota a ideia de produto (PIB) potencial em seu modelo de combate à inflação. Pensa sempre na âncora cambial para segurar a inflação, por isso empurra os juros para cima, sacrifica a capacidade pública de investir e endivida as famílias. Uma posição absolutamente perigosa. Agora, trechos do artigo “A indústria perde competitividade”, assinada pelo jornalista Sergio Lamucci, do Valor Econômico, edição do final de semana:
A dificuldade de competir fica evidente quando se nota que, em maio, a produção da indústria de transformação se encontrava praticamente no mesmo nível de setembro de 2008, apesar de o consumo ter crescido com força no período — as importações atenderam boa parte dessa demanda. As exportações de manufaturas também vão mal. Entre 2005 e 2010, o volume das vendas desses produtos encolheu 15,8%, segundo a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). (…) Calculado com base numa cesta de 13 moedas, ponderadas pelo peso no comércio exterior do país, o índice da taxa de câmbio efetiva real da Funcex mostra que a moeda (nacional) está no nível mais valorizado desde o começo da série, em 1985.
Do Valor Econômico de hoje:
De janeiro a maio, o fluxo de investimento estrangeiro direto na indústria encolheu 17% em relação ao mesmo período de 2010, atingindo US$ 7,146 bilhões nas operações de participação no capital. Foi o único segmento em que houve queda do fluxo nos cinco primeiros meses do ano – a agropecuária, na atividade extrativa mineral e nos serviços, as inversões aumentaram muito, fazendo o total investido nesse tipo de operação aumentar 70% no acumulado de 2011. (…) O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luiz Afonso Lima, vê o movimento (de desindustrialização) com preocupação. Para ele, o menor apetite dos investidores estrangeiros pelo setor é um mau sinal, porque o Brasil ainda precisaria de uma indústria forte, dado o atual estágio de desenvolvimento. Em 2004, a indústria de transformação respondeu por 19,2% do valor adicionado, percentual que caiu para 15,8% em 2009 e 2010, segundo números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda no Valor Econômico de hoje:
Nos primeiros seis meses deste ano, a indústria de transformação acumulou um déficit de US$ 21,5 bilhões com o exterior. A diferença entre as importações e as exportações revela uma escalada — ou um declínio, melhor dizendo — absolutamente impressionante. Há apenas três anos, no primeiro semestre de 2008, o saldo negativo foi de US$ 1 bilhão, enquanto em 2007 ele ainda foi positivo, em US$ 11,5 bilhões. (…) Em automóveis, a importação não é mais feita apenas pelas importadoras instaladas no país em sua triangulação com a Argentina e outros fornecedores onde estão empresas-irmãs daquelas que estão instaladas no país. É crescente a participação das empresas coreanas e, mais recentemente, das chinesas.
Da Folha de S. Paulo de hoje:
O possível superaquecimento da economia brasileira e a suposta bolha de crédito no país tomaram conta do noticiário internacional e já inquietam investidores estrangeiros. O sentimento em relação ao país está mudando, avaliam analistas. “A lua de mel dos investidores com o governo Dilma acabou” — diz Paulo Vieira da Cunha, economista e sócio da Tandem Global Partners e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central. (…) O jornal britânico “Financial Times” publicou pelo menos 12 reportagens, textos em blog e artigos sobre o perigo da “bolha de crédito” nos últimos 10 dias. Um artigo chegava a falar em “crise de subprime” no Brasil. Na sexta-feira, o jornal dizia que a economia brasileira “é como bicicleta: funciona enquanto continuar andando”. “Mas agora (a bicicleta) está bamba”, advertia.
Tudo isso posto, e muito mais poderia ter sido posto porque abundam notícias com o mesmo viés de preocupação e advertência, o que tem o Grande ABC a ver com isso, este que é um espaço de regionalidade? Simples, muito simples: vivemos num mundo plano, onde os vasos comunicantes servem tanto para o bem como para o mal. E o Grande ABC é um território completamente despreparado para qualquer tipo de ação que fuja da bitola de interesses particulares. Vamos pagar o pato mais que outros territórios. Como foram os anos 90 do glorioso Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente que alguns pretendem canonizar em vida por conta do Plano Real, de digitais do governo Itamar Franco.
Os metalúrgicos não foram à Anchieta de graça. Eles sentem o faro dos estragos. Principalmente depois de aprenderem as lições dos anos 90, quando deixaram FHC deitar e rolar no território regional, estiolado com a perda de um terço da produção industrial.