O prefeito Luiz Marinho, também prefeito dos prefeitos da Província do Grande ABC como presidente do Clube dos Prefeitos, deveria há muito tempo ter arregaçado as mangas para liderar um movimento de conversão mesmo que parcial da Universidade Federal do Grande ABC (UFABC) à especialidade que ele, então sindicalista, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, reivindicou em entrevista à revista LivreMercado.
O Luiz Marinho sindicalista e o Luiz Marinho gestor público da Capital Econômica da região não podem estar descomprometidos entre si e tampouco com uma população de quase três milhões de habitantes. Recorrer ao passado para cobrar intervenções no presente não é hostilidade de CapitalSocial. Trata-se apenas de lembrança que possivelmente o próprio Luiz Marinho não retenha na memória, mas que, resgatada, pode, quem sabe, embalar o futuro tão aguardado e sempre adiado.
Fosse a Universidade Federal do Grande ABC diferente da concepção com que os pouco versados em regionalidade a moldaram, a Província do Grande ABC teria muito a comemorar como ferramenta desenvolvimentista. Como foi forjada a preparar cérebros para o mundo, conceito que sempre mereceu restrições deste jornalista e de especialistas em desenvolvimento econômico, o que se verifica desde que se instalou há sete anos é que interfere quase nada no destino regional. O que é um péssimo negócio. A rubrica de custos da UFABC está na conta política da região em Brasília. São dispêndios pouco transparentes, mas estariam por volta de R$ 300 milhões por temporada. Se a universidade está com os olhos pregados no mundo, a repartição de custos não deveria ser integralmente levada ao balanço regional.
O que disse Marinho?
Mas, afinal, o que disse Luiz Marinho sindicalista que o Luiz Marinho prefeito dos prefeitos poderia cobrar das autoridades políticas tão próximas dele, já que tanto estão em Brasília como influentes forças junto ao governo petista, como em São Bernardo, no caso o ex-presidente da República?
À pergunta da jornalista Lara Fidelis, que produziu uma entrevista histórica conjunta envolvendo Luiz Marinho e Lula da Silva naquela edição de abril de 1998 da revista LivreMercado, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos foi enfático ao associar investimentos em tecnologia, que rebaixam número de empregados, e a necessidade de criar novas vagas de trabalho. Leiam o que Luiz Marinho respondeu:
Há necessidade de formar um centro tecnológico, uma universidade onde se aprende tecnologia. É uma necessidade para a região ter condições competitivas. Inclusive para gerar negócios e empregos. Isso pode ser compatibilizado. O desenvolvimento econômico do País tem de estar preocupado com o problema do emprego. O governo não pode falar que isso é problema do mercado, que a modernização gera desemprego e que não pode fazer nada. O Estado tem obrigação real nesse negócio. Se quisermos gerar empregos, precisamos de algumas decisões políticas. Decisão política de mexer na economia, de distribuir renda para elevar o poder aquisitivo de outras regiões – declarou Luiz Marinho.
Repararam os leitores que, embora a questão tecnológica não fosse o núcleo daquela dupla entrevista, cujo conteúdo integral está disponível nesta revista digital, o que se depreende da resposta de Luiz Marinho é quase um clamor em defesa de uma instituição de ensino que voltasse os olhos, o coração e a alma para a economia regional? Nada mais lúcido por sinal. Entretanto, passados 15 anos desde aquela entrevista, nove dos quais após a instalação da UFABC e outros cinco dos quais desde que virou prefeito de São Bernardo, a Universidade Federal do Grande ABC continua leve e solta com currículo e metodologia de ensino distantes, surda e muda às demandas da região. Teria Luiz Marinho esquecido aquelas palavras à repórter Lara Fidelis? Se for o caso, estão aí as frases pronunciadas, entre tantas outras.
Cidadela inexpugnável
Duvido, entretanto, que haja mudança mesmo que leve na Universidade Federal do Grande ABC, esse corpo estranho na geoeconomia regional, embora não faltem embromadores de sempre a tentar vender regionalidade que não existe. A combinação de fábrica de cérebros para o mundo deliciar-se com a capacidade cognitiva e intelectual dos universitários brasileiros e uma imensa incubadora de talentos para gerar força motriz de recuperação e diversificação da economia da Província do Grande ABC não seria nada insensata, embora defenda mesmo há trilhões de anos uma universidade com cara própria, que seja o retrato do que somos e do que precisamos ser no futuro.
Foram tantas as matérias que publicamos antes, durante e após a chegada da UFABC que, provavelmente, os insumos permitiriam editar um livro com a cronologia dos fatos. Tanto que quem estudar a implantação da instituição na região terá de levar em conta, para ser fiel às realidades que a cercaram, tudo que produzimos nas páginas de LivreMercado e de CapitalSocial. Há 88 matérias em nosso arquivo digital sobre a instituição, a maioria das quais como protagonista da pauta.
A propósito de vertente internacional da UFABC, da qual seus representantes tanto se orgulham a ponto de esquecerem que a própria denominação da escola exige entranhamento regional, o ABCD Maior publica em sua versão digital o seguinte título: “Estudo a UFABC sobre déficit de atenção ganha prêmio internacional”. Agora, os primeiros trechos da reportagem:
Um trabalho desenvolvido pelo mestrado em Engenharia da Informação da UFABC (Universidade Federal do ABC) foi premiado no final de junho pelo evento internacional de Neurociência Firs World Congresso n Brain, Behavior and Emotions. A dissertação de autoria do aluno Anderson dos Santos Siqueira conta com a supervisão do professor do curso de Neurociência João Sato e se debruça na possibilidade de facilitar a detecção do TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) na ressonância magnética.
Sem me meter em juízo de valor da premiação, porque esse não é o caso, juro por todos os juros que preferiria a seguinte manchete: “UFABC prova que Grande ABC não é Província com trabalho inédito sobre pequenas empresas industriais”. E ficaria muito feliz com uma reportagem mais ou menos nestes termos:
A UFABC acaba de realizar um estudo inédito sobre as pequenas e médias indústrias da Província do Grande ABC e chegou à conclusão que a região deve mesmo ser chamada de Grande ABC. Afinal, o trabalho acadêmico foi fundo numa pesquisa que abre todas as portas e janelas para investimentos produtivos que aumentem o número de trabalhadores, já que coloca à disposição de investidores enormes possibilidades de sucesso empresarial. Com o suporte das Secretarias de Desenvolvimento Econômica da região, do Clube dos Prefeitos e de uma sociedade comprometida com o futuro, todos unidos em torno de um mesmo objetivo, ou seja, recuperar a economia doméstico, os pesquisadores agora se vestem de consultores em busca de recursos estaduais e federais para facilitar a vida dos empreendedores já instalados e também para atender à demanda dos esperados novos interessados em implantar negócios na região.
Só acredita que a notícia em questão colide frontalmente com a realidade quem tem absoluto conhecimento de que a realidade está mesmo para estudos acadêmicos descolados de nossas demandas. Por isso o prefeito dos prefeitos Luiz Marinho teria muito a contribuir se não fosse pouco interessado no futuro da Província. Talvez a memória de sindicalista o socorra e o faça mudar de atitude.
Algumas sugestões de textos:
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!