Sociedade

Hora de dar a
volta por cima

DANIEL LIMA - 05/08/2000

Como retirar o Fórum da Cidadania da obscuridade estratégica, do descarrilamento operacional e do contínuo rebaixamento de prestígio? Como salvar uma instituição que viveu período de glória durante os dois primeiros anos, nos mandatos do executivo privado Wilson Ambrósio da Silva e do empresário e médico Fausto Cestari? Como evitar que tenha paradeiro a derrocada iniciada com o crescimento autofágico do quadro associado, consolidada com o esvaziamento compulsivo e sacramentada com a descentralização a todo custo das plenárias, que marcaram respectivamente os comandos de Marcos Gonçalves, Silvio Pina e Carlos Augusto César Cafú?


 


Tudo indica que o Fórum da Cidadania, agora sob o comando do ambientalista Fábio Vital, não terá trajetória diferente de seus antecessores imediatos porque basicamente insiste em tentar acertar o elefante da falta de qualidade de vida e do esvaziamento econômico do Grande ABC com o estilete da dispersão e do culto da teoria em detrimento da prática.


 


Incapaz de se dar conta de que está a dar voltas em círculos, o Fórum da Cidadania nem de longe lembra o entusiasmo das duas primeiras gestões. É verdade que os tempos são outros. Com Wilson Ambrósio e Fausto Cestari o embalo da novidade institucional e o vácuo da administração pública eram extremamente convidativos à ocupação de espaços. Foi o que aconteceu. A situação mudou com os novos prefeitos, que tomaram posse em janeiro de 1996.  O Consórcio de Prefeitos e a Câmara Regional ocuparam o teatro de operações. O Fórum perdeu o rumo. Meteu-se nos mais diferentes temários basicamente para manter a visibilidade. Vários de seus integrantes foram cooptados pelo Poder Público, revelaram ambições político-partidárias que fragmentaram uma inédita conversão de contrários ou simplesmente desapareceram das plenárias e dos grupos de trabalho porque se cansaram da escassez de objetividade.


 


Exemplo americano


 


Como sair da enrascada? Talvez um farol seja o resultado de 14 anos de ação coletiva que a cidade norte-americana de Jacksonvile está vivenciando e que é relatada num artigo recentemente publicado pelo jornal Valor por Luiz Carlos Merege, professor titular e doutor pela Maxwell Scholl of Citizenship and Public Affairs da Universidade de Syracuse, e Coordenador do curso de Administração para Organizações do Terceiro Setor e do Centro de Estudos do Terceiro Setor da FGV (Fundação Getúlio Vargas).


 


Segundo relata o professor, a população de Jacksonville criou uma organização não lucrativa, não partidária e não discriminatória que implementou projeto para monitorar e melhorar a qualidade de vida local. O modelo de qualidade de vida adotado é composto por indicadores das seguintes áreas: a) economia, b) educação, c) segurança pública, d) saúde, e) ambiente natural, f) governo local, g) recreação e cultura, h) transporte público, i) ambiente social.


 


Os indicadores serviram para conscientizar a população sobre as condições da qualidade de vida local, mostrando onde estavam boas e onde não estavam. Os indicadores foram utilizados para, através de processo de escolha consensual, definir prioridades em termos de uma ação coletiva para sua melhoria. Nesse processo, educação foi considerada a área prioritária seguida por melhoria da segurança, no ambiente natural, na saúde, no ambiente social e na economia.


 


Luiz Carlos Merege explica: "Muito embora houvesse sido detectada necessidade de geração em média de sete mil novos empregos por ano, as variáveis sociais foram consideradas as que mereciam maior atenção, uma vez que a qualidade de vida foi definida como sentimento que a população deveria ter com relação ao bem-estar geral e a satisfação trazida pelas boas condições no ambiente geral da vida comunitária".


 


Social energiza econômico


 


Ainda segundo relato do professor da FGV, os 14 anos de ação coletiva em Jacksonville pela melhoria dos indicadores sociais resultou em significativa mudança na qualidade de vida, tendo como consequência a melhoria no desempenho econômico. “A melhoria da qualidade de vida acabou atraindo capital para ser investido no Município, e desta forma criar empregos para os habitantes". 


 


O professor da FGV alinha-se ao pensamento de Amartya Sen, indiano que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1998 pela teoria de que o desenvolvimento econômico não pode ser observado de forma isolada, mas sim deve contemplar variáveis  sociais, ecológicas e de vida comunitária. "O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) construído a partir da concepção de Sen, considera, além da renda per capita, os indicadores de educação (alfabetização e taxa de matrícula), e os de saúde (esperança de vida). Graças a essa mudança qualitativa de conceito é que pudemos verificar que o Brasil, embora esteja entre as 10 maiores economias do mundo, fica entre os países de médio desenvolvimento humano" -- afirma o dirigente.


 


Merege não se fixa apenas na cidade norte-americana para consolidar a proposta de que qualidade de vida e desenvolvimento econômico são indissociáveis. Ele afirma que está avaliando os resultados de 19 anos de atuação de uma associação comunitária em uma favela. "O foco de atuação também foi a área social. As ações para a melhoria nas áreas de educação, saúde, cultura, recreação, ambiente de vida dos habitantes".


 


Merege afirma que os índices de violência estão entre os mais baixos da Capital e a renda per capita na favela, comparada com a renda per capita do bairro onde está inserida, é maior. "O resultado econômico encontra uma explicação no suporte social que a associação oferece aos chefes de família que habitam a favela. Com todas as crianças nas creches e nos programas de reforço escolar, e com os adolescentes ocupados com atividades educativas profissionalizantes, os pais, e todos em idade de trabalhar, podem exercer uma atividade remunerada, aumentando a renda familiar" --explica o professor. 


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