O amadurecimento das relações interpessoais e interprofissionais no Grande ABC se deve em larga escala ao Fórum da Cidadania, criado em 1994. Principalmente nos primeiros tempos de Fórum da Cidadania, os dois primeiros anos, quando o personalismo, o dirigismo, o politiquismo e outros ismos ainda não vicejavam, a aproximação entre capital e trabalho, entre conservadores e revolucionários, foi extraordinário divisor de águas numa região até então fracionada entre o belicismo sindical e a arrogância empresarial.
O golpe de mestre da consensualidade inicial do Fórum da Cidadania foi o amálgama que aproximou os contrários, subverteu a lógica do distanciamento entre os diferentes e amenizou as idiossincrasias cultivadas ao longo de décadas. Muito do que o Partido dos Trabalhadores e seus representantes sindicais são hoje, mais moderados, mais participativos, mais entendedores do quadro, se deve não só às reuniões do Fórum da Cidadania mas, principalmente, às repercussões externas daquelas aulas de democracia dos primeiros tempos. Quebrou-se o gelo do distanciamento e os efeitos se multiplicaram.
Não tivesse perdido o bonde da história que se lhe apresentou de portas escancaradas e entendesse que o consenso produtivo era circunstancial -- e, portanto, precisaria ser monitorado criticamente para que não se caísse na malemolência ineficiente --, o Fórum da Cidadania não teria sucumbido tão rapidamente. É verdade que não seria apenas a dinamitação da deificação do consenso que levaria o Fórum da Cidadania a ultrapassar a corrida de obstáculos em que se transformou sua jornada. Mas que ajudaria um bocado, disso não se deve ter dúvida.
Uma verdade providencial
O resgate dessa verdade histórica jamais negada por este jornalista, e, mais que isso, enfatizada em vários pronunciamentos durante assembléias do Fórum da Cidadania, é providencial nestes momentos pré-eleitorais. O apoio ao PT do Grande ABC que Lula da Silva rebocaria conceitualmente para administrar o Brasil não é, portanto, nenhuma decisão que mereça o título de insensatez do ano. Pelo contrário: com as reservas que introduzi na configuração desse perfil petista regional, entre as quais traços de autoritarismo tradicionais nos usos e abusos da pátria amada, qualquer ação que vise a desqualificar Lula da Silva e José Genoíno não passa de desespero de causa.
Fosse o Fórum da Cidadania organismo vivo e tivesse independência para manifestar-se nestes momentos agudíssimos do processo eleitoral, o mínimo que suas supostas lideranças deveriam fazer seria enaltecer a democracia instalada no organismo desde os primeiros passos da campanha Vote no Grande ABC, embrião da instituição, reservando pois o espaço ocupado pela esquerda sindical aliada do PT.
É certo que os hipócritas de ocasião, aqueles que dizem formalmente que suas entidades não podem assumir apoio a quem quer que seja o candidato mas que vivem de fazer firulas nos bastidores, cabalando votos, condenarão quem os contrarie. Exatamente porque existe essa manta de dissimulação nas entidades de classe é preciso que sobrevivam opiniões e posturas que, fundamentadas em dados, não deixem de se expressar sobre qualquer que seja o temário. Principalmente a disputa presidencial.
Papel importante
Não tivesse se desmilinguido, o Fórum da Cidadania desempenharia papel importante nestes dias que faltam para os eleitores se dirigirem mais uma vez às urnas eletrônicas. Tivesse então a coragem cívica de analisar o quadro socioeconômico da região sem qualquer tipo de maniqueísmo, sua mensagem, mesmo que não explicitamente nominativa encontraria em Lula da Silva desaguadouro de votos pelo simples fato de ser o candidato das oposições no segundo turno.
E não seria favor algum porque o Fórum da Cidadania simplesmente refletiria o quadro de descaminhos que o Grande ABC vive desde a chegada dos anos 90 como também prestaria tributo a uma esquerda cada vez mais centro-esquerda porque descobriu aqui e acolá que o Brasil é um paciente cuja terapêutica não resiste a manobras radicais à direita ou à esquerda. Uma dicotomia que o Fórum da Cidadania de tantos erros, de tantos desacertos, de tantas vaidades, de tantos egocentrismos, de tantas manipulações, mais do que qualquer outra entidade regional à direita e à esquerda, soube metabolizar.
Sinto saudade do Fórum da Cidadania dos bons tempos, dos tempos em que era uma escola de democracia, de tolerância, de paciência. Um Fórum da Cidadania cujas lideranças não tiveram competência para explorá-lo em toda a sua potencialidade porque foram vítimas de deslumbramento precoce e de oportunismos político-partidários, além de uma ponte para emprego valorizado no setor público.
De tudo isso sobrou, felizmente, uma direita e uma centro-direita menos preconceituosas e uma centro-esquerda e uma esquerda mais tolerantes. Um padrão de comedimento que, em eventual vitória de Lula da Silva precisará ser aplicado por grande parte da sociedade brasileira, ainda presa ao viés de que a esquerda é impiedosamente sinistra e a direita incorrigivelmente individualista.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!