Sociedade

Chegou a hora de
acertar as contas

DANIEL LIMA - 05/11/1999

O Bug do Fórum da Cidadania vem aí. A expressão é do próprio comandante dessa que é a maior grife comunitária do Grande ABC. O sindicalista Carlos Augusto César Cafu, coordenador-geral da organização criada há cinco anos e meio para estimular entre outras iniciativas um mínimo de sentido regional ao Grande ABC, quebra o protocolo de formalidades e diplomacia sem perder a elegância: entre dezembro próximo e março do ano que vem, etapa final de seu mandato iniciado em abril último, o Fórum da Cidadania vai ter de encarar a verdade que antecessores fizeram de tudo para dissimular. A hora da verdade do Fórum chegou e temas como a retirada do armário de pretensões políticas de muitos de seus representantes, o enxugamento da estrutura operacional voluntária pouco produtiva e até mesmo a reavaliação dos objetivos gerais da organização vão ter de ser encarados de frente.


 


A postura de Carlos Cafu é uma terapia de choque num organismo que se acostumou a adiar decisões internas. Mas Cafu tem cacife para isso. Afinal, conseguiu salvar o Fórum da Cidadania do esboroamento a que foi submetido durante a gestão do arquiteto Sílvio Pina. Não fosse a eleição de Cafu, executivo pago pelo sindicalismo (é membro da diretoria do Sindicato dos Químicos) para cuidar da entidade, os escombros deixados pelo antecessor provavelmente se transformariam em massa falida.


 


Cafu não é afeito a encenações e nem se relaciona com afetado esnobismo. Sua franqueza é contagiante. Tanto que, sem rodeios, fala dos problemas do Fórum como se fosse não o condutor da organização, mas implacável crítico. Não esconde crises nem problemas. Mais que isso: ressalta-os, sabendo que ele próprio faz parte do processo de acertos e erros. Um abismo em relação a seu antecessor, que se nutria da vaidade de intocável que imaginava ser, cercado de alguns caciques da instituição, como se isso lhe desse aval de competência e o salvasse de restrições.


 


Pode parecer suicídio político-sindical Carlos Cafu escancarar a caixa de problemas do Fórum da Cidadania. Ele não nega que vai se enveredar pela atividade político-partidária num horizonte não muito distante. Afinal, não foi exatamente por isso  -- impedir que respingos de críticos afetassem sua pretensa carreira política -- que Sílvio Pina tanto esbravejou contra a revelação de mazelas do Fórum da Cidadania, no início deste ano? A diferença é que Cafu faz. Ele retirou o Fórum da Cidadania de um gueto de poucas entidades e o lançou no seio da comunidade, principalmente de representações mais populares. As plenárias do Fórum dos últimos meses de Sílvio Pina não passavam de um encontro formal de poucos interessados, sempre na sede central de Santo André. Geralmente numa das salas de reuniões do Sesi.


 


Com Cafu é diferente. As assembléias são itinerantes. Até a longínqua Rio Grande da Serra sediou um desses encontros, contando com a presença de 29 representantes de associações filiadas. Sem citar São Caetano, endereço que seus antecessores diziam estar reservado apenas ao suposto império do prefeito Luiz Tortorello, mas para onde Cafu levou inédita plenária com 48 entidades. Para se ter idéia da diferença de comando, as últimas assembléias de seu antecessor, previamente marcadas para tratar de mudanças decisivas no roteiro do Fórum, não contaram com uma dezena e meia das então 110 representações.


 


Massificação. É isso que Cafu conseguiu imprimir ao Fórum. Houve assembléia em Santo André com 62 filiados. O sindicalista conseguiu feito inédito no Fórum da Cidadania, já que em nenhum instante de sua trajetória a entidade teve densidade tão popular. Quando lançado, o Fórum da Cidadania mobilizou dezenas de entidades, desfraldando a Campanha Vote no Grande ABC. Foi uma fase de euforia, de encantamento. Mas os representantes de organizações comunitárias eram minoria. As assembléias contavam com entidades de maior visibilidade. Depois da fase de deslumbramento o Fórum perdeu o empuxo. Entrou em declínio, chegou à massificação artificial de filiações em bola de neve, mas de plenárias medianas. Aí o ciclo se completou com a decadência comandada por Sílvio Pina. Até que Cafu chegou.


 


Profissionalizar


 


A massificação de fato do Fórum da Cidadania é obra que deve ser creditada à liderança de Carlos Cafu. Ele vive intensamente a entidade cada minuto do dia. Depois dele, a não ser que outro executivo diretamente pago pelo sindicalismo ou por outra organização disponha de tempo e disposição, o Fórum não terá saída senão profissionalizar-se pelo menos em condição de custear salário ao coordenador-geral. Cafu faz de duas a três palestras por semana sobre a entidade. Vai a faculdades, universidades, escolas de Ensino Fundamental e de Ensino Médio. Vai a favelas e a sociedades amigos de Bairros. Haja buraco para Cafu se enfiar com seu jeito simples, as calças caindo pela barriga saliente, a barba sempre por fazer.


 


Com todo esse recente histórico de empenho para mostrar, Cafu poderia ser arrogante. Pelo contrário. Abre o jogo sobre o Fórum da Cidadania sem temor de ser mal-interpretado. Diz que é legítimo que representantes de várias entidades que participam do Fórum queiram candidatar-se nas próximas eleições. Mas que têm até dezembro próximo para sair do armário político. Isto é: que assumam de vez a candidatura e repassem representação formal nas plenárias a outro companheiro de entidade. "O Fórum é uma entidade essencialmente política, mas tem de se manter apartidário"  -- resume Cafu, sem subterfúgio, o que seus antecessores sempre evitaram definir publicamente. "O Fórum está cheio de políticos, de ex-políticos, de possíveis políticos. Por isso chegou a hora da verdade de cada um. Não podemos deixar que os políticos do lado de fora tenham razão de nos criticar"  -- arremata.


 


Querem mais sobre o que pensa Cafu? Os debates políticos, que o Fórum da Cidadania sempre promove, precisam de densidade popular e não de claques dos candidatos. Tradução: Cafu se encheu de ver, nas últimas eleições, apenas correligionários dos candidatos nos eventos previamente agendados. "É melhor nem fazer os debates se a população não participar"  -- afirma. Ele sabe que a tapeação dos encontros para claques afeta a credibilidade popular do Fórum da Cidadania, em vez de fortalecê-la.


 


Outra estocada de Cafu no Fórum da Cidadania de que tanto veste a camisa: os grupos de trabalho, em muitos casos, não funcionam. São estatutariamente 11, mas o coordenador-geral garante que não mais que três justificam de fato constar do organograma. "Fizeram tantos grupos para acomodar pessoas" -- desabafa. Mais? Anotem outra avaliação do coordenador-geral: "São grupos de fachada nos quais faltam inclusive muitos coordenadores". É uma antiga deficiência do Fórum da Cidadania que nenhum coordenador-geral teve a sinceridade de expor com tanta clareza e independência.


 


Carlos Cafu não só fala como repete. Sonha com o enxugamento da máquina temática do Fórum da Cidadania bem como com a constituição de um núcleo forte, o Grupo de Gestão Pública, que abarcaria temário que envolvesse desenvolvimento econômico e emprego, segurança, planejamento urbano e inclusão social. Destes, apenas o Grupo de Segurança do atual organograma é mencionado por Cafu como bastante produtivo.


 


Reeleição?


 


É possível que Carlos Cafu não esgote o mandato em abril como determina o estatuto do Fórum da Cidadania. Somente a partir do próximo coordenador-geral será permitida a reeleição. Mas Cafu ganha prestígio. É possível que seja mantido no cargo entre outras razões porque o perfil de executivo não exatamente voluntário é o único que cabe no figurino operacional de uma entidade que se tornou, apesar de todas as deficiências infra-estruturais, referência das transformações institucionais do Grande ABC.


 


Cafu sonha com um Fórum da Cidadania reformulado até março. Capaz inclusive de reunir recursos financeiros para contratar um executivo que o substitua com suficiente disponibilidade de tempo e comprometimento. Espera que a Carta da Cidadania do Grande ABC passe por renovação constante, porque a cada ano novas nuances superam antigas.


 


Particularmente no ano que vem, diante dos inevitáveis entrechoques que a política partidária provocará com as eleições municipais, Cafu considera decisivo o fortalecimento estrutural do Fórum da Cidadania para enfrentar a tempestade que se avizinha. Câmara Regional e Consórcio Intermunicipal de Prefeitos, que devem a própria atividade ao surgimento do Fórum, serão afetados pelas eleições, diagnostica Cafu.


 


O coordenador-geral também torce para o Fórum ganhar maior força ao ocupar meios eletrônicos de comunicação. Caso de TV a cabo, um paliativo para uma região sem TV aberta. Rádios formais e piratas também são instrumentos de comunicação do coordenador-geral do Fórum da Cidadania. Tudo que significa comunicação merece sua atenção. "O Fórum da Cidadania precisa se comunicar constantemente. Não pode ser uma espécie de governo paralelo, que já foi e ainda tem poucos grupos efetivamente trabalhando. Precisamos de todos" -- afirma. 


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