Pautado pelo misto de deputado estadual e agente publicitário Orlando Morando, o Diário do Grande ABC de hoje presta um serviço seletivo à sociedade. Fosse um veículo sem amarras, poderia ampliar a ação em direção às demais administrações públicas da região, deixando portanto o nicho exclusivo de Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo, autoridade com a qual mantém longa e controversa trajetória de tapas e beijos.
Ao vasculhar a cronologia de algumas obras anunciadas pelo prefeito petista, sempre com a assessoria de Orlando Morando, o Diário do Grande ABC escancara uma das múltiplas faces de ineficiência do setor público: os prazos de entregas são sistematicamente descumpridos. Sem contar que em muitos casos geram recursos financeiros adicionais previamente entabulados e acobertados pela legislação.
A oportuna reportagem virou manchetíssima de primeira página do Diário do Grande ABC e ocupou uma página inteira do Caderno SeteCidades. Está na reportagem que o Diário do Grande ABC fez o que todos os veículos de comunicação deveriam tornar constante: foi a campo para verificar o andamento das obras anunciadas. Abstraindo-se o direcionamento da matéria, que saiu das algibeiras de volúpia eleitoral de Orlando Morando, o homem do dinheiro de propaganda do governo do Estado na mídia da região, o trabalho jornalístico é relevante. E só prova que Luiz Marinho não difere da fauna pública em geral, que trata com absoluto desdém os contribuintes e as comunidades suposta ou potencialmente beneficiados por obras e serviços públicos.
Fez o Diário do Grande ABC no varejismo de obras públicas, com a pontualidade que lhe convém, o que CapitalSocial realiza de forma completa, intensa e em forma de atacado, ou seja, o Observatório de Promessas e Lorotas. Aliás, sobre isso, nenhum jornalista de veículo de comunicação da região poderá alegar que a pauta está enfraquecida. O apanhado do Observatório de Promessas e Lorotas é por si só uma gigantesca agenda de comprometimento com o leitorado.
Tanto o Diário do Grande ABC com a sazonalidade e o exclusivismo da reportagem de hoje quanto CapitalSocial com o senso crítico do Observatório deveriam ser apenas complementos de uma ação coordenada pela própria sociedade civil, essa abstração que vez ou outra alguém tem a cara de pau de avocar em referência a alguma iniciativa ocasional -- como ainda recentemente se viu sobre o projeto da Ficha Limpa em Santo André.
Olho vivo nas licitações
Uma pena que o jornalismo fique isolado em medidas que, longe de profiláticas, pautam-se pela necessidade de estabelecer um mínimo de responsabilidade social aos agentes públicos. O acompanhamento do prazo de execução de obras públicas é apenas o ponto extremo de uma jornada que deveria começar com a publicação dos editais de licitação. É justamente essa a etapa mais melindrosa, quando não pecaminosa, da maioria das intervenções públicas.
Grande parte das maracutaias com dinheiro público está acondicionada nas caixas pretas das licitações, especialidade para poucos e que reúnem elevadíssimo grau de malandragem. Campanhas eleitorais e enriquecimentos ilícitos de políticos e empresários não são consequências de atividades que se rivalizam com os padrões adotados por bandidos comuns, embora também o modelo convencional não possa ser descartado. São uma obra de arte de picaretagem que geralmente têm como nascedouro as licitações de obras e de prestação de serviços, quando não as terceirizações. Tudo passa pelas licitações. Sonho com o dia em que uma sociedade organizada para valer vai infernizar a vida dos malandros juramentados que fazem gato e sapato nas licitações públicas, esse invariavelmente jogo de cartas marcadas.
Botar o bloco da reportagem nas ruas para ver até que ponto uma gestão pública subestima os prazos estabelecidos à conclusão, expostos nas próprias placas das obras, possivelmente seria uma atividade desnecessária se nas etapas anteriores, a partir de licitações, houvesse volumes de informações, debates e intervenções de representantes sociais longe do alcance dos manipuladores públicos.
O próprio deputado estadual Orlando Morando, personagem obrigatório dos jornais da região porque os contempla com dinheiro de estatais do governo do Estado, jamais teria a vida boa que ostenta se a sociedade organizada existisse de fato. As intervenções no traçado sul do Rodoanel, obra na qual mergulhou até as profundezas da marquetologia eleitoral e de outras esferas nada nobres, teriam sido objeto de questionamentos que poderiam até chegar à cobrança de uma lista completa, com período antecedente à definição do traçado, dos proprietários das áreas desapropriadas bem como os valores das desapropriações em confronto com a realidade do mercado imobiliário.
Inventário completo
Já imaginaram que situação provavelmente embaraçosa envolveria o deputado e possivelmente outros agentes econômicos e políticos da região caso se fizesse um inventário detalhado dos proprietários daquelas áreas tendo algo como cinco anos de anterioridade às primeiras intervenções? Por quanto se multiplicaram os ganhos imobiliários?
Não é necessário recorrer ao passado recente para oferecer um novo exemplo de obscuridade: as obras prometidas para a Chácara Baronesa, também sob o controle marquetológico de Orlando Morando, são um prato cheio a especulações sobre interesses outros que levaram à aprovação de recursos financeiros do governo estadual. A licitação do empreendimento é colocada em dúvida.
O Diário do Grande ABC quebrou a rotina de informações sobre propostas de investimentos ao divulgar outro dia que o governo do Estado economizou recursos reservados à Chácara Baronesa, identificando inclusive a empresa ganhadora da licitação. Tudo isso é muito pouco. Para que não ficasse pedra sobre pedra de desconfiança, as informações poderiam ser mais detalhadas. Orlando Morando tem obrigação de dar à Chácara Baronesa, batizada exageradamente por ele de Parque do Ibirapuera da região, completo detalhamento licitatório.
A reportagem de hoje do Diário do Grande ABC sobre a lentidão de cágado de algumas das obras da Administração Luiz Marinho é uma exceção do jornalismo regional entre outros motivos porque não existe sociedade organizada na Província do Grande ABC. Fosse diferente, este texto seria completamente desnecessário. A automaticidade mobilizatória dos contribuintes inibiria eventuais ou mais que prováveis deslizes a partir das licitações.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!