Leio no Diário do Grande ABC de hoje um anúncio fúnebre que comunica a morte de Cláudio Rubens Pereira. Foi embora nosso Oskar Schindler das pequenas indústrias. O Oskar Schindler original foi um empresário alemão que salvou a vida de mais de mil judeus durante o Holocausto ao empregá-los em sua fábrica. Steven Spielberg o tornou conhecido mundialmente com uma obra-prima do cinema, ganhador de sete Oscars e considerado o oitavo maior filme americano de todos os tempos. Cláudio Rubens Pereira salvou não se sabe quantas pequenas empresas industriais durante o período inflacionário mais destrutivo da história do País. E também ante um sindicalismo que confundia empresas de tamanhos diversos, colocando-as no mesmo empacotamento de reivindicações e exageros.
Por ser Província do Grande ABC não se esperava outra coisa senão o silêncio quando não o desconhecimento total da história de Cláudio Rubens Pereira. Avesso a badalações, isolado nos últimos anos, o ex-fundador e presidente da Anapemei (Associação das Pequenas e Médias Empresas Industriais) era um homem de fina inteligência, preparadíssimo para interpretar tanto a micro como a macroeconomia.
Claro nas ideias e nos ideais, Claudio Rubens Pereira fugia completamente do modelo vigente de dirigentes empresariais deste País e desta Província. Chegava a ser antipático porque não tinha vocação à frase feita de diplomata que diz uma coisa e pensa outra. Nosso Oscar Schindler era um bravo guerrilheiro do conhecimento anteposto à ignorância programada, quando não ideológica.
Numa região onde o capital é pouco valorizado, quando não vilipendiado por oportunistas e bandidos de plantão, o trabalho faz mesmo mais ídolos ou falsos ídolos. Cláudio Rubens era um exemplo de dedicação a uma causa nobre – estabelecer um equilíbrio improvável entre pequenos empresários industriais, sindicatos de trabalhadores raivosos e multinacionais do setor automotivo, principalmente. Só poderia dar com os burros nágua ante empreitada tão desigual.
Exército de Brancaleone
A Anapemei funcionava nos fundos do casarão de Cláudio Rubens, no Bairro Campestre, em Santo André. Era ali, nuns tempos em que Internet era ficção e aparelhos de fax raros, que Cláudio Rubens dedicava-se a prestar consultoria a empresários do setor, a grande maioria formada por familiares. Boletins informativos impressos e enviados a até 400 associados, no auge da Anapemei, traçavam os rumos estratégicos daquele Exército de Brancaleone que Cláudio Rubens coordenava com empenho. Era preciso chamá-lo insistentemente para o almoço, para o jantar.
Não se tem ideia de quantas pequenas empresas Claudio Rubens conseguiu retirar da cova rasa do empreendedorismo teimoso e improvável numa região em que as montadoras são incensadas e os metalúrgicos glorificados. Na última vez que conversei com Cláudio Rubens, e isso faz muito tempo, ele me disse que não restava praticamente mais nenhuma das últimas 150 empresas associadas à Anapemei. Desapareceram do mapa principalmente em forma de falências, concordadas ou foram asfixiadas até que viraram apêndice de multinacionais estrangeiras. Quem chegou a esse ponto, de despertar o interesse de estrangeiros, ganhara na loteria. O enredo à maioria foi cruel.
Deveria ter insistido nos últimos anos em falar um pouco mais com Claudio Rubens, mesmo que ele se mostrasse arredio, como alguns amigos sugeriam. Sei lá o que se passou com Cláudio Rubens depois que viu de perto o desaparecimento e a transferência das pequenas empresas industriais principalmente de Santo André, base sobre a qual trabalhou mais intensamente. Só sei que a história que construiu mereceria muito mais que um anúncio fúnebre.
Conexões interrompidas
Nada mais simbólico do estágio em que a sociedade regional se encontra ao perder conexões informativas que enriquecem o futuro. A ruptura entre o passado e o presente secciona a cultura de tal maneira que os bons exemplos são enterrados juntamente com seus executores. O que resta é contemplar gente desqualificada a constar diariamente das manchetes. A mediocridade no sentido pejorativo do termo domina a cena.
Isso tudo me faz pensar que, além do Complexo de Gata Borralheira, a Província do Grande ABC também é vitima da Síndrome do Apagão Intelectual, que dá vez, voz e espaço a protagonistas que no passado não passariam de borra-botas.
Aprendi muito no jornalismo com as lições econômicas de Claudio Rubens Pereira. Meus primeiros contatos com aquele homem que adorava passear de Jeep antigo e que torcia pelo São Paulo sem a empáfia de tantos outros tricolinos foram travados quando era editor de Economia do Diário do Grande ABC, início dos anos 1980. Criei a revista LivreMercado levado por um comentário de Cláudio Rubens, de incentivo ao empreendedorismo. É verdade que não via outra perspectiva profissional na região, então dominada pelo Diário do Grande ABC, veículo ao qual me dedicara durante 15 anos e no qual ocupara todos os postos de redação possível.
Como trabalhar em São Paulo sempre foi uma ideia que retirava da cabeça porque não suportava o trânsito pesado já naquele tempo, restou-se a alternativa de um chute lotérico, após passagem de alguns anos pela sucursal do Estadão na região. LivreMercado surgiu com cromossomos voltados às pequenas empresas que Cláudio Rubens Pereira orientava na Anepemei com textos objetivos em boletins reservados que procuravam, no fundo, esticar o máximo possível o desenlace de obituários inapeláveis pela barbeiragem do governo federal, pela omissão do governo estadual, pelo comodismo das administrações municipais e pelo radicalismo sindical.
O silêncio da mídia regional em torno da morte de Cláudio Rubens Pereira é o silêncio dos desafortunados informativos, de desmemoriados compulsórios. Quando um jornal como Diário do Grande ABC tem mais profissionais para produzir as baboseiras de sempre de colunismo social e de uma revista de amenidades e relega o setor econômico a alguns gatos pingados sem intimidade regional, o que se poderá esperar de reconhecimento, mesmo que póstumo e mesmo que inglório, a quem tanto se dedicou a tornar a vida melhor?
Nos links abaixo, duas matérias envolvendo Cláudio Rubens Pereira. A primeira, uma reportagem para o Estadão, nos idos de 1987; a segunda, o texto que ele preparou para primeira versão de Nosso Século XXI, obra lançada em dezembro de 2001, organizada por este jornalista em conjunto com a também jornalista Malu Marcoccia. Um lançamento editorial histórico, que reuniu duas mil pessoas no Clube Atlético Aramaçan. Hoje, se reúnem muito menos pessoas geralmente para eventos sem alma. E, excepcionalmente, como os anunciados três mil convidados à festa de aniversário do político Luiz Fernando Teixeira, a eventos mais que suspeitos.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!