Economia

Mitos e fatos da
“desindustrialização”

*JOÃO BATISTA PAMPLONA - 19/06/2001

Nos últimos 10 anos o setor industrial brasileiro sofreu profundas mudanças. Essas mudanças atingiram em cheio o Grande ABC, região eminentemente industrial e núcleo da industrialização brasileira. Os efeitos dessas transformações no mercado de trabalho regional foram dramáticos. Estimativas por nós realizadas com base na PED (Seade/Dieese) revelaram que ao longo dos anos 90 a indústria do Grande ABC eliminou cerca de 120 mil postos de trabalho. Isto fez com que a participação do setor industrial no total da ocupação da região caísse de aproximadamente 45% (no biênio 1988-1989) para algo em torno de 26% (em 1999). Essa redução brutal da ocupação industrial na região produziu aumento do desemprego e queda da qualidade do emprego.


 


Em agosto de 1999, o desemprego no ABC atingiu o aflitivo nível de 23,1%. As ocupações geradas na década estavam essencialmente no setor de serviços, inclusive serviços domésticos, e eram de autônomos ou trabalhadores sem carteira assinada. Houve, assim, aumento da informalidade no mercado de trabalho. Em pesquisa divulgada recentemente pela Agência de Desenvolvimento do Grande ABC, estimou-se que as ocupações informais tenham crescido de 23% (início da década de 90) para algo como 32% do total das ocupações (no final da década).


 


Essa profunda crise no emprego industrial é responsável em grande parte por uma série de diagnósticos apressados que passaram a caracterizar o Grande ABC como uma região economicamente decadente, em vias de se desindustrializar e com perda contínua de importância econômica no cenário nacional. O ex-ministro Roberto Campos, ao longo dos anos 90, vaticinava a desindustrialização do Grande ABC, de onde as indústrias estariam emigrando em busca de climas mais market friendly, livres da agressividade sindical.


 


Esses diagnósticos produziram o mito — aceito por quase todos, inclusive na própria região — do declínio industrial, da desindustrialização do Grande ABC. O equívoco desses diagnósticos está em tomar a profunda crise no mercado de trabalho como um sinal de desarticulação definitiva da base econômica. Também enganam-se ao tomar problemas econômicos nacionais (a exemplo dos de natureza macroeconômica) como problemas econômicos regionais. As previsões sobre o Grande ABC confundem transformação do tecido industrial com esvaziamento do tecido industrial.


 


Análises estruturais da economia da região feitas na Agência de Desenvolvimento Econômico, com base na reveladora e abrangente Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (Paep) da Fundação Seade, demonstraram um quadro completamente diferente para a indústria regional. Quando comparada com a indústria de outras regiões do Estado de São Paulo, a indústria do Grande ABC apresentou de forma geral um desempenho inovador superior, revelando alto dinamismo. O indicador de inovação em produto e/ou processo no Grande ABC foi superior à média do Estado (em 20%).


 


Nossas análises também mostraram que índices de transferência de estabelecimentos industriais dentro do Estado de São Paulo (inclusive Grande ABC) foram bastante baixos nos anos 90. O que houve intensamente foi um deslocamento de fases do processo produtivo e/ou de linhas de produtos. Dessa forma, as pessoas estavam muito preocupadas com o fechamento de plantas industriais, mas o que tinha de fato grande relevância eram as mudanças que estavam ocorrendo dentro das plantas industriais em funcionamento. Isto foi especialmente válido para o Grande ABC, onde os índices de deslocamento de fases do processo produtivo e/ou de linhas de produtos foram expressivamente superiores aos de outras regiões de São Paulo. No entanto, a região apresentou não só movimentos maiores de transferência (saída) como também de recepção (entrada). Muitos analistas não perceberam que quando as transferências são altas, mas as recepções também são, não há perda líquida de atividade industrial.


 


Essa manutenção de atividade industrial (medida pela riqueza gerada e não pelo emprego) está claramente evidenciada nos dados de Valor Adicionado (VA) fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, que revelam que ao longo dos anos 90 a indústria do Grande ABC manteve sua participação (cerca de 15%) no total do VA industrial paulista.


 


A essa dinâmica estrutural da indústria no Grande ABC somam-se agora os ventos favoráveis da conjuntura macroeconômica brasileira. Superado o entrave cambial e iniciada uma relevante redução na taxa de juros, a atividade industrial regional dá importantes sinais de recuperação e está aquecendo o restante da economia do Grande ABC. No ano 2000, a indústria do Grande ABC não diminuiu sua participação relativa na ocupação regional. Houve até um pequeno aumento. Isto indica que a indústria da região reduziu, mas não perdeu sua capacidade de gerar postos de trabalho em conjunturas favoráveis.


 


O desempenho favorável da indústria produziu expressiva melhora no mercado de trabalho da região em 2000 e em 2001. A taxa de desemprego média anual, que era de 21,4% em 1999, caiu para 18,7% em 2000 (redução de 12,6%). A qualidade das ocupações geradas também está melhorando. Entre fevereiro de 2000 e fevereiro de 2001 foram criados no Grande ABC cerca de 50 mil novos postos de trabalho com carteira assinada.


 


O Grande ABC continua mantendo sua polaridade industrial. As mudanças dos anos 90 geraram de fato profunda reestruturação. Sua base industrial se transformou, mas continua preservada em sua capacidade de gerar riqueza. A atividade industrial no ABC é maior do que a do Estado do Paraná e é equivalente à do Rio Grande do Sul. Um setor industrial desta dimensão, que é diversificado, que é integrado e que se modernizou nos seus principais subsetores, guarda certamente um potencial nada desprezível. Os fatos evidenciam que a economia do Grande ABC — e em especial o seu tecido industrial — passou por extraordinárias transformações que, longe de esvaziá-la, a reestruturaram e a revigoraram, não obstante os custos sociais. 


 


* João Batista Pamplona é coordenador técnico de Pesquisas na Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC e professor doutor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.


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