Em que estatística o leitor acredita mais?
Opção Um -- Dados oficiais da Eletropaulo Bandeirantes registram que o Grande ABC contava com 6.482 indústrias em 1988, contra 6,3 mil em dezembro de 1998; ou seja 182 unidades menos e queda de 3% em uma década.
Opção Dois -- O Imes (Instituto Municipal de Ensino Superior) de São Caetano, por intermédio do professor Antonio Joaquim Andrietta, anunciou com base em dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho, que o Grande ABC de 1988 contava com 3.974 indústrias, contra 4.768 registradas em 1997; isto é, crescimento de 20% ou 794 unidades a mais no período.
Metodologias à parte, tanto uma quanto outra pesquisa têm o significado restrito de observar o ambiente de um dormitório pelo buraco da fechadura. A discrepância entre os números da Eletropaulo Bandeirantes e do trabalho do Imes só não foi revelada aos jornais que divulgaram os estudos de Antonio Joaquim Andrietta. Preferiu-se ficar apenas com a informação da Rais sobre crescimento da base industrial da região, embora os dados da concessionária de energia sejam mencionados nos estudos do pesquisador encaminhados a esta revista.
À parte o aspecto tópico dos números divulgados pelo Imes, já que escamoteia dados amplamente divulgados por LivreMercado ao longo dos anos -- casos da queda de consumo de energia elétrica industrial, da arrecadação de ICMS, da participação no PIB estadual e nacional, entre outras variáveis --, o fato é que mesmo que fosse considerada indiscutível a estatística baseada na Rais, não haveria motivo para clima de festa na divulgação do suposto acréscimo do universo industrial da região. Além disso, entretanto, o problema todo é que o trabalho é vulnerável.
A explicação vem de uma fonte do Ministério do Trabalho -- os números da Rais, base da pesquisa do Imes, estão em descompasso com a realidade prática, já que não têm a agilidade necessária de atualização de informações. Resumindo: parcela de empresas que constam da Rais como estando em atividade e com determinado número de trabalhadores já desapareceu de fato. Por isso, explica-se a diferença a maior em relação à Eletropaulo Bandeirantes, que identifica muito mais rapidamente as indústrias que submergiram, por meio da inadimplência nas contas de luz.
O trabalho de Joaquim Andrietta, mesmo com base em dados defasados da Rais, evidencia o sufoco das perdas do Grande ABC porque, no período no qual amplifica equivocadamente o número de empresas do setor produtivo, foram destruídos 125 mil empregos, ou seja, uma queda de 36,4%. Esmiuçando ainda mais a questão: para cada 100 empregos industriais formais existentes no Grande ABC em 1988, sobraram apenas 63,6 em 1998.
Tangencial
As entrevistas do professor do Imes e consultor desta revista no Prêmio Desempenho abordaram de forma tangencial o suposto avanço numérico de unidades industriais e a perda de postos de trabalho. À Gazeta Mercantil e ao Diário do Grande ABC, Andrietta aborda apenas levemente o aspecto nuclear da questão: a terceirização.
Como se sabe, desde que o Brasil deixou de ser autarquia econômica, a partir de 1990, e entrou no jogo da globalização, a reestruturação industrial transformou-se no abracadabra entre o sucesso e o fracasso empresarial. No período, acentuou-se o processo que se iniciara no final dos anos 80 -- a evasão industrial rumo a regiões incentivadoras da guerra fiscal -- combinado com reduções drásticas de trabalhadores, por força de novas formas de gestão e de incorporação de tecnologias adequadas para o jogo da competição internacional.
Muitos dos mais de 125 mil trabalhadores formais que perderam o emprego montaram pequenos negócios que passaram a atender antigos patrões. A isso se dá o nome de terceirização. Outros engrossaram a lista de empreendedores de subsistência que descobriram ou supuseram que tenham descoberto nichos de mercado. Foi uma avalanche. Por isso, mesmo com a ressalva de que os estudos do Imes não têm o aval da Eletropaulo Bandeirantes, unidades industriais numericamente maiores em relação há 10 anos não são notícia que possa ser comemorada. Pelo contrário: como se sabe, a terceirização em muitos casos foi feita para rebaixar custos, precarizar rendimentos, resistir ao furacão da globalização.
O próprio estudo de Joaquim Andrietta entregue a LivreMercado denuncia o processo de miniaturização produtiva industrial da região. "Enquanto os estabelecimentos de zero a nove empregados aumentaram 64% na região, os de 500 ou mais se reduziram em 31%. Mais empresas, mas menores: de 30,5 empregados por estabelecimento em 1988, a relação cai para 17,3 em 1997. E isso se deu em todos os setores de atividades" -- afirma o professor.
Perdas demais
A atividade econômica no Grande ABC vem contabilizando perdas demais para eventualmente ser interpretada pelo buraco da fechadura de informações seletivas e superadas. Só em energia elétrica industrial a região contabiliza 9% de redução, numa comparação ponta a ponta entre o que se consumia em 1990 e o que se consumiu em 1998. Isso quer dizer que o Grande ABC do ano passado perdeu o equivalente a um parque produtivo inteirinho de São Caetano (com General Motors e tudo) e dois parques produtivos de Ribeirão Pires (que soma 350 empresas) por conta da evasão.
Há quem, na desesperada tentativa de encontrar justificativa onde a realidade dos fatos é inquestionável, veja na redução do consumo de energia industrial do Grande ABC, que também atingiu toda a Região Metropolitana de São Paulo, consequência do processo de modernização fabril que embute metodologias que racionalizam o uso do insumo. Essa é uma realidade sem dimensões expressivas e, mesmo que fosse substancial, perderia qualquer aparato lógico porque o parque industrial do Interior do Estado, construído mais recentemente e sob a ótica de maximizar os benefícios de engenharia de consumo de energia elétrica, registra crescimento praticamente em todas as regiões.
Se energia elétrica não basta para colocar os números quantitativos de empresas industriais registradas pela Rais em permanente suspeição como elemento de análise estrutural, que tal o comportamento do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)? Esse imposto é espécie de PIB (Produto Interno Bruto), já que é fortemente influenciado pela atividade industrial. Para ser mais preciso, 69% dos cálculos ponderáveis para a definição da redistribuição do ICMS aos municípios paulistas estão relacionados ao Valor Adicionado que, simplificadamente, é a diferença entre a nafta que sai de uma Petroquímica União e o granulado de plástico que deixa a linha de produção de uma OPP Polietilenos para se transformar em pára-choque, lanterna, buzina e outros acessórios de veículos, entre os vários setores em que a matéria-prima vira produto acabado.
ICMS cai 45%
Reconhecendo-se, pois, que o ICMS é forte indicador da atividade industrial de um Município, de uma região ou de um Estado, o que contra-argumentar então sobre dados da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo que registram queda de 45% no bolo do Grande ABC, numa comparação ponta a ponta entre 1980 e 1998? Santo André é o Município da região mais atingido no período, mas se o mesmo estudo relativo ao ICMS recuar no tempo e chegar a 1976, a hecatombe será ainda maior: o Município perdeu dois terços de participação relativa. Em 1976 Santo André arrecadava com o ICMS, em valores atualizados, R$ 270 milhões, contra R$ 90 milhões previstos para este ano.
No setor terciário, que envolve comércio e serviços, os dados da Eletropaulo Bandeirantes e do Imes também são diferentes, mas não contraditórios. Enquanto a Eletropaulo Bandeirantes registrava 62,6 mil estabelecimentos em 1998, contra 41.099 em 1988, um avanço de 52%, o Imes anuncia 23.263 estabelecimentos no ano passado, contra 14.259 em 1988. Um avanço de 51%. A diferença quantitativa se dá por conta da informalidade: não é possível empreender sem energia elétrica, mas é cada vez mais forte a subsistência no comércio e nos serviços por meio da fuga dos rigores da formalização e dos impostos.
Pelos dados do Imes/Rais, o Grande ABC contava com 231.741 empregos formais no setor terciário em 1998, contra 185.622 em 1988. Um resultado esperado pela gradual alteração do mix econômico da região, perturbadoramente constatado nos indicadores de repasse de tributos e de consumo de energia elétrica industrial. A indústria, segundo os dados do Imes/Rais, perdeu participação relativa na região de forma aguda no número de empregos formais, já que respondia por 61% em 1988 e despencou para 45,1% 10 anos depois.
O crescimento relativo do comércio foi discreto, passando de 10,6% para 13,4%. Já o setor de serviços saltou de 22,1% para 34,2%. Tanto o comércio quanto os serviços, todos sabem, pagam salários bastante inferiores aos da indústria e não oferecem os mesmos benefícios em forma de alimentação, transporte, saúde e educação, funções que um Estado insolvente não consegue atender, apesar de penalizar a produção e a população com supercarga tributária que chega a 32% do PIB, recorde mundial de desperdício.
Pensar no futuro
A precarização do trabalho, fenômeno mundial, é uma bomba que sacode particularmente o Grande ABC em maiores proporções porque se dá sobre contingente de PEA (População Economicamente Ativa) egressa em grande escala do setor industrial tradicionalmente capaz de garantir mobilidade social. Por isso, a simplificação de que a região alcançou saldo positivo superior a 700 indústrias caracteriza-se como mais uma tentativa de desqualificar o indesqualificável -- evasão industrial não é algo que se caracteriza exclusivamente pela quantidade de unidades sediadas numa determinada cidade ou região, mas um conjunto de dados socioeconômicos.
No caso específico do Grande ABC, quando parecia superada essa questão, depois desta revista ser pioneira no levantamento de informações e na constatação de perdas, qualquer tentativa mesmo que involuntária de dourar a pílula significa marcha à ré nas evoluções para chegar ao que realmente interessa -- o que precisamos fazer para recolocar o Grande ABC na trilha do desenvolvimento econômico sustentável. É hora, pois, de deixar de maquiar o passado de perdas evidentes e tratar do futuro.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?