Sociedade

Ministério Público investiga pelo
menos dois casos imobiliários

DANIEL LIMA - 17/10/2013

O Ministério Público investiga pelo menos dois casos de irregularidades no mercado imobiliário de Santo André. Há inquietação sobretudo de empreendedores que estão erguendo um abusivo conjunto de torres residenciais ao lado do Shopping ABC, área na qual funcionou a Casa Publicadora Brasileira e onde uma nascente de água seria suficiente para entornar o caldo de legalidade. A outra dor de cabeça empresarial está localizada no Shopping Atrium, da Brookfield, numa das áreas reservadas no final do século passado à frustrante Cidade Pirelli que jamais saiu do papel. Ali, contrapartidas previstas nos termos de aprovação do empreendimento podem ser esticadas a um futuro imprevidente e provocaria transtornos imediatos no sistema viário.


 


A situação do empreendimento residencial ao lado do Shopping ABC é mais complexa e com uma carga de incorreções muito mais pesada. Em agosto do ano passado escrevi nesta revista digital que o advogado Calixto Antônio Junior, denunciante da Máfia do Semasa, declarou que o empresário Milton Bigucci era um dos beneficiários de irregularidades na aprovação daquele empreendimento. Calixto foi taxativo: afirmou que, como em várias dezenas de outras licenças concedidas pelo Semasa durante a Administração Aidan Ravin, prevaleceram abusos no uso e ocupação do solo. Contrapartidas escusas configurariam propinas. O Royale Nobre Residence, como foi batizado o empreendimento, reúne oito torres de apartamentos cujo valor unitário ultrapassa a R$ 1,2 milhão. É uma montanha de cimento destinado à classe média sem anteparos no entorno já complicadíssimo da mobilidade urbana.


 


Sabe-se que as investigações prosseguem. Sabe-se também que há um feixe de malabarismos sem respaldo legal.  O Estatuto da Cidade, que exige contrapartidas em investimentos imobiliários que impactam a mobilidade urbana, foi simplesmente escanteado. Mais que isso: novas informações confirmam que ali estão se erguendo torres em número muito maior do que seria permitido e teria sido aprovado. O processo teria sido adulterado para favorecer os empreendedores.


 


Lamenta-se apenas que os promotores públicos não deem visibilidade às etapas de investigação já consumadas e às penalidades que já teriam sido acordadas extrajudicialmente. Na medida em que se potencializa a industrialização de versões não só quanto aos delitos cometidos, mas também sobre medidas punitivas impostas, especulações e fantasias poderão se juntar num mesmo pacote de modo a favorecer os infratores.


 


Certo mesmo é que não há como duvidar das denúncias de Calixto Antônio Júnior. Ele participou intestinamente por um determinado período de tudo que ocorreu de lambança e promiscuidade nos interiores da Administração Aidan Ravin, tendo o Semasa como máquina propulsora de corrupção porque a autarquia municipal é quem aprova ou não os lançamentos imobiliários. Qualquer leigo sabe que tanto no empreendimento imobiliário residencial em questão como mais adiante, no extremo da Avenida Pereira Barreto, agora em São Bernardo, ao lado do Shopping Metrópole, no amplo terreno antes ocupado pela Tecelagem Tognato, prevaleceram relações mais que deformadas entre agentes públicos e agentes privados.


 


Primeiro, o caos


 


Já a situação dos investimentos da Brookfield na Vila Homero Thon, em parte das áreas reservadas inicialmente ao projeto Cidade Pirelli, é menos grave. O problema é que a Brookfield quer consumar contrapartidas de investimentos viários após completar o cronograma de obras, que envolvem além do Shopping Atrium, torres de escritórios e residências. Assim estariam definidos os termos assinados durante a gestão de Aidan Ravin.


 


Há reação de integrantes da gestão Carlos Grana. Os efeitos deletérios no sistema viário já por demais contraprodutivos nas imediações do Shopping Atrium chegarão automaticamente com a inauguração do centro de compras, no final deste mês. O cronograma dos demais investimentos da Brookfield pode ser esticado a ponto de tornar um inferno a vida de quem fizer aquele o caminho da roça de casa para o trabalho. Como está se tornando cada vez pior o caminho da roça de quem trafega pela Avenida Pereira Barreto tendo o Shopping Metrópole e o encalhado Domus, megalançamento imobiliário que tomou o lugar da Tecelagem Tognato, como trajeto obrigatório.


 


Ainda não há informação segura de que o Ministério Público de Santo André estaria seguindo a recomendação do denunciante Calixto Antônio Júnior e definido uma lista de prioridades investigatórias que leve em conta os maiores empreendimentos imobiliários lançados em Santo André nos últimos anos, os quais, segundo o denunciante, estão coalhados de abusos. Tampouco em outros municípios da região saltam indícios de que a sugestão de Calixto Antônio Júnior venha a ser adaptada. Os novos administradores municipais que tomaram posse em janeiro último não colocam a mão na cumbuca do mercado imobiliário porque historicamente é um dos setores que mais financiam as campanhas eleitorais. A Administração Carlos Grana, em Santo André, nomeou um empresário do setor, Paulo Piagentini, para comandar a Secretaria de Desenvolvimento Urbano.


 


Gargalos impunes


 


A matriz de safadezas de mercadores imobiliários não é monopólio territorial e administrativo de Santo André. Trata-se de comportamento negocial quase tão velho de guerra quanto a mais antiga das profissões – com a diferença de que esta, a mais antiga das profissões, de alguma forma contribui para reduzir o estresse, entre outras terapêuticas, enquanto aquele, o mercado imobiliário à margem da legislação, tumultua a vida dos cidadãos cada vez mais encaixotados nas maluquices dos gargalos do trânsito.


 


Fossem os administradores públicos municipais da região comprometidos para valer com a qualidade de vida no âmago da mobilidade urbana, o Clube dos Prefeitos instalaria os debates sobre a reestruturação do sistema viário em paralelo com as atividades do mercado imobiliário. Mas esse é um guizo que nenhum prefeito da região ao longo da história – e tudo indica que a virgindade será preservada – ousou colocar no pescoço da moralidade pública. Aos abusos cometidos por mercadores imobiliários que se locupletam de áreas urbanas os prefeitos respondem com choradeiras de carência de recursos orçamentários para investimentos em obras como corredores de transporte público, além de alargamento de ruas e construção de viadutos. Sem contar que lamentam o excesso de veículos nas ruas.


 


O que se pergunta, por exemplo, é como impedir que o entorno do Shopping ABC já complicadíssimo se transforme em caos absoluto quando da liberação ocupacional do empreendimento imobiliário sob investigação do Ministério Público. Como será possível, mesmo com o chamado TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) minimizar os estragos decorrentes da inobservância de regras básicas de ocupação do espaço urbano, entregue à sanha de maus empresários que encontram as portas da corrupção de agentes públicos sempre abertas?


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