Economia

Metamorfose econômica (1)

DANIEL LIMA - 25/02/2009

É muito provável que ao ganharem forma oficial os números de 2008 vão apresentar uma novidade nada satisfatória para quem ainda acredita que esse conglomerado de mais de 2,5 milhões de habitantes é um inabalável endereço de desenvolvimento econômico e social. Sim, é importante esse anteparo conceitual porque não faltam na praça, desde muito tempo, transgressores que, por ignorância ou, muito pior, por interesses nem sempre confessos, propagam fanfarronices de que seguimos como fortaleza invejável.

Sabe o que vai acontecer neste ano ou no máximo no ano que vem, como prova irrefutável da fragilidade econômica regional, uma fragilidade que não dá vazão às demandas nem mesmo durante os cinco anos ininterruptos de crescimento do mercado automotivo, corpo, alma e coração do sistema produtivo do Grande ABC?

A resposta é simples e direta: pela primeira vez na história, desde que o Grande ABC se conhece como pólo industrial, sobremodo automotivo, os números apontarão que o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) dos sete municípios será inferior ao conjunto de Receitas Tributárias Próprias, que é a soma dos valores obtidos com o ISS (Imposto Sobre Serviços), IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e outras porções arrecadadas diretamente pelas prefeituras.

A degringolada industrial do Grande ABC a partir dos anos 1990, sobretudo com a guerra fiscal, a abertura indiscriminada dos portos e os níveis de saturação da infra-estrutura físical e social da Região Metropolitana de São Paulo, deixou um rastro de perdas e danos. A relativa estabilização da moeda proporcionada pelo Plano Real permite o controle de gigantesco painel de indicadores econômicos que ajustam as peças analíticas de modo que não se frustre a expectativa de interpretações.

Perdendo para a média

A distância de produção e acumulação de riqueza entre o Grande ABC e a média brasileira já foi muito maior. Pior que isso só o complemento da informação: essa diferença estreita-se ano a ano cada vez mais. Isso é uma péssima notícia. Estamos numa disputa em que o outro lado, sempre pela média, não é lá essas coisas. O PIB (Produto Interno Bruto) nacional é uma calamidade quando se focalizam pelo menos dois pontos: a média de crescimento nas três últimas décadas de várias nações asiáticas e do Leste Europeu, e, principalmente, quando se divide os números pela população. O rendimento per capita brasileiro é vexatório.

Perder o jogo do repasse do ICMS para tributos próprios de baixo valor agregado é prova dolorida de que o desenvolvimento econômico do Grande ABC está à deriva. O que talvez nos mantenham equidistantes da gravidade do problema é que, felizmente, a embarcação não naufraga de vez. O Grande ABC vive há década e meia em processo de lenta depressão, se é possível qualificar assim essa enfermidade que rouba a produção de riqueza e fere a qualidade de vida.

Exatamente por conta disso, de que se trata de um time que perde seguidamente por resultados apertados e não de goleada, uma sonora goleada que levaria à demissão de toda a comissão técnica, à saudável reação dos torcedores, o Grande ABC insiste em negar a si próprio. Quando se lê Grande ABC, o melhor que se tem a fazer é entender que é uma denominação sem parentesco com a realidade. Pelo menos com a realidade crua que exige muito mais que fingimentos de integração regional. Os esforços isolados em sentido contrário confirmam a regra de desinteresse coletivo.

O problema de perdas discretas que não sensibilizam mentes despreparadas para vôos mais prolongados é que evoca em sentido reverso alguns adágios destilados com o propósito motivacional: se devagar se vai ao longe, se uma maratona se começa com um passo, se de grão em grão a galinha enche o papo, também a derrocada se dá em pequenos e discretos tropeços. E é assim que o Grande ABC tem-se comportado. É verdade que, nos últimos anos, recuperando aqui e ali alguns indicadores, mas nada substancialmente sustentável porque segue o comodismo de colocar praticamente todos os ovos no cesto de segurança econômica do setor automotivo, o mais competitivo e, por isso mesmo, o mais reformista do mundo.

Bem diferente, portanto, do território regional, de baixa competitividade e extremamente conservador.



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