Sociedade

Que mudanças o monotrilho vai
provocar na mobilidade regional?

DANIEL LIMA - 06/11/2013

É desafiadora, porque instigante mas incompleta, a reportagem da edição impressa e também da edição digital do jornal Repórter Diário do final de semana. Vejam o título: “Impacto econômico do metrô é desconhecido”. Uma excelente pauta que, salvo erro, nenhum jornal, mesmo os jornalões, ousou produzir. No caso regional, então, nem de longe. A matéria foi preparada a propósito da chegada do monotrilho, que equivocadamente é chamado de metrô.


 


Faz muita diferença uma coisa da outra. Metrô dá status à mobilidade urbana. Monotrilho carrega um certo ranço de preconceito. Metrô fica invariavelmente sob a superfície da terra; monotrilho salta lá no alto, com aquela estrutura de concreto armado a manchar o horizonte e a atormentar a vizinhança – mesmo com toda a tecnologia que torna o ronco dos motores discreto.


 


O Repórter Repórter Diário ouviu gente do ramo de mobilidade urbana e de mercado imobiliário. A soma de declarações não multiplica respostas. Apenas, como bem definiu no titulo da reportagem, estimula projeções. Vou expor as informações contidas na reportagem e em seguida pretendo fazer algumas especulações sobre o assunto.


 


Quem perde horas e horas no trânsito metropolitano precisa se preocupar mais com essa temática. As ruas de junho deixaram bem claro que as metrópoles brasileiras que não se preocuparem com o direito de ir e vir com maior velocidade estarão na linha de tiro de novos transtornos.  


 


Luiz Guilherme de Castro, professor de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, disse que a experiência do metrô na Capital leva à conclusão de que as obras são feitas sem que o Poder Público tenha o devido controle sobre as operações urbanas. Acredito que por “operações urbanas” o especialista quis dizer algo como estrutura do sistema viário. Ou remeteria diretamente à expressão-chave de contrapartidas pelo aumento dos índices de ocupação do espaço físico disponível?  


 


Jeroen Klink, especialista em Arquitetura e Urbanismo e mestre em Economia Internacional e Financeira, corroborou com o enunciado de que é difícil estimar a dinâmica imobiliária a partir da implantação do monotrilho na região. “É papel do Poder Público ter plano diretor que regule o que hoje é crescimento desenfreado. Seria necessário ter articulação entre os municípios, além de mapear quais os impactos econômicos do metrô no ABC” – afirmou o  professor.


 


Já Milton Bigucci, presidente do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, foi direto e reto: aposta na atividade intensa do mercado imobiliário, com destaque não só para as construtoras que estão de olho nas localidades que serão abrangidas pelo monotrilho, mas para os proprietários de residências. “Por enquanto, ninguém busca a imobiliária observando a proximidade do imóvel com o metrô no ABC, porque ainda está cedo. Mas é possível apontar que haverá um bom ganho para a população que já está alojado nos bairros por onde passará a linha”—afirmou.


 


Bigucci, segundo a reportagem, citou a região de Itaquera que, além de uma estação da linha vermelha do metrô, conta com um segundo atrativo, um estádio de futebol: “Quem comprou um apartamento de 40 metros quadrados gastou cerca de R$ 140 mil. Hoje não venderá o imóvel por menos de R$ 250 mil. Ou seja, precisamos acabar com essa ideia de que só os empresários ganham”, afirmou.


 


Periferização indomável


 


O traçado do monotrilho na Província do Grande ABC, da chamada linha-18 Bronze, vai provocar sim um rearranjo espacial no mercado imobiliário e também no sistema viário. Os corredores sobre os quais se estenderá aquela massa vão concentrar muitos investimentos imobiliários. A dificuldade será associar o potencial de construção e o potencial de consumo. A periferização da sociedade regional, que também é metropolitana, não é obra do acaso.


 


As terras menos especulativas estão cada vez mais situadas longe da efervescência econômica. O trânsito não é um inferno por acaso. Monotrilhos reduzem o tempo médio de deslocamentos para massas hoje maltratadas. Resta saber quanto desses usuários conseguirão transferir moradia às proximidades das estações de acesso. E quanto dos empreendimentos de comércio e de serviços também se oferecerão ao público.


 


A falta de planejamento do Poder Público e a sedução do mercado imobiliário convergem para uma rota de conflito que atinge diretamente o interesse de melhor qualidade de vida dos usuários de transporte público. A elevação do preço do metro quadrado dos imóveis nos últimos anos aumentou ainda mais o apartheid social, que destina às classes mais populares os cafundós de moradias. A Zona Leste e a Zona Sul da Capital, que fazem fronteiras com a Província do Grande ABC, não estão aí porque há algum apontamento na Bíblia Sagrada que oferece o céu como prêmio de consolo aos moradores, embora não se possa duvidar disso. O inferno é o trânsito deles de cada dia.


 


O professor Jeroen Klink acertou na veia quando se referiu à responsabilidade do Poder Público gerar Plano Diretor para regular o que educadamente chama de crescimento desenfreado. Possivelmente sem pretender acertar quem acertou, mas acertando, Klink mandou um recado contundente ao presidente do Clube dos Prefeitos, Luiz Marinho, e aos demais chefes de Executivos da região. Aquela instituição não realizou até agora nada que possa ser entendido, considerado, avaliado, analisado e garantido como planejamento espacial de cunho regional para absorver os impactos positivos e negativos que a chegada anunciada do monotrilho representará, bem como as conexões com os inúmeros corredores de ônibus prometidos com dinheiro municipais e federais.


 


Por fim, o empresário Milton Bigucci jogou limpo e sem sofismas: o mercado imobiliário vai sim ganhar com a chegada desse ramal de transporte popular e também ganharão os proprietários de imóveis. Só faltou ao também dirigente do Clube dos Construtores e Incorporadores abordar um ponto visceral na questão: os imóveis mais próximos da serpentina do monotrilho serão desvalorizados monetariamente por conta da cultura de que esse tipo de transporte lembra um minhocão mais estreito e mais cumprido, além de barulhento e sobretudo agressivo à plástica urbana. Já para os negócios, contar com o monotrilho como parceiro de paisagem tem alguma vantagem em certas situações, embora em outras não necessariamente.


 


Ganhos eleitorais


 


Faltou dizer na reportagem do Repórter Diário -- e quase ia me esquecendo de dizer aqui -- que o monotrilho previsto para a Província do Grande ABC deverá aumentar o cacife eleitoral do governo do Estado. Entretanto, como os agentes políticos locais não vão faltar à pescaria, os méritos serão divididos em partes que só pesquisas eleitorais poderão determinar. Provavelmente com vantagem para o governo estadual.


 


Já os administradores municipais corrigiriam a divisão desvantajosa do bolo com corredores de ônibus, como os anunciados por Luiz Marinho e agora também por Carlos Grana. Aí as digitais lhes serão inegavelmente favoráveis, como o são para o prefeito paulistano, Fernando Haddad, que, como se observa, safou-se muito bem da pressão popular de junho.


 


Quem se deu mal foi a classe média-média, a quem, com a recarga do IPTU, vai pagar o pato do transporte público repleto de isenções aos usuários e de repasses aos cofres públicos a empresas concessionárias que jamais perdem ou empatam. O dicionário que seus representantes organizaram só identifica assemelhados a “ganhar, ganhar e ganhar”.


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