Sociedade

Peritos devassam condomínio
de luxo em terreno contaminado

DANIEL LIMA - 14/11/2013

O Residencial Ventura, condomínio de luxo de 320 apartamentos construído no Bairro Jardim, um dos pontos nobres da geografia de Santo André, está sendo analisado detidamente por uma empresa de consultoria em engenharia. Construído em terreno que durante 70 anos sediou uma fábrica de produtos químicos, a Atlântis, e denunciado insistentemente por esta revista digital por conta de contaminação do solo, o Residencial Ventura está colocando seus moradores em risco. Haverá desmentidos, tentativas de desclassificação das informações, mas a realidade é grave. Nada surpreendente, exceto o fato de as consequências da ocupação irregular daquele terreno de 14 mil metros quadrados se manifestarem em tão pouco tempo. O que indica, segundo especialistas, a gravidade degenerativa do solo. 


 


Cercado de todo o mistério e com critérios de segurança interna que fazem inveja a endereços diplomáticos, o Residencial Ventura vive momentos de tensão. Há um esforço generalizado dos administradores do espaço e dos empreendedores responsáveis pela obra em parecerem naturais as movimentações internas. Entretanto, peritos especializados em obras que recomendam cuidados extremos pelo nível de deterioração de estruturas físicas, estão há mais de 30 dias infiltrados nas quatro torres, principalmente na torre mais próxima da Travessa Santo Amaro e da Travessa São João, nos fundos do empreendimento localizado na Rua Padre Anchieta. Ali, onde fissuras e desníveis nada discretos já foram detectados, estaria o ponto mais problemático. Nada que surpreenda.


 


Durante muitos anos a Atlântis utilizou aquela área como depósito de lixo industrial altamente tóxico. Como se já não fosse suficiente a industrialização de uma linha de produtos que exigiam cuidados especiais de manipulação, casos de soda cáustica, solventes, tintas, entre outros, num longo período em que sustentabilidade ambiental não integrava o dicionário dos empreendedores em geral, sobretudo em sensíveis atividades químicas.


 


O Residencial Ventura é um caso típico de prevalecimento de interesses econômicos poderosos sobre qualquer atenção com o meio ambiente. O empresário Sérgio De Nadai comandou as negociações em nome da família para associar-se no empreendimento à Cyrela, uma portentosa incorporadora imobiliária do País. A parte do latifúndio da família De Nadai ao final das negociações foi traduzida em um enorme naco de apartamentos, compatível com o valor do terreno. Os De Nadai teriam sido compensados com cerca de 30 unidades residenciais.


 


Até então muito influente no governo tucano de Geraldo Alckmin, do qual se distanciou nos últimos tempos depois de colhido em delito na Máfia da Merenda Escolar, Sérgio De Nadai desafiou determinação da direção do Semasa no final de 2006 e lançou o empreendimento juntamente com a Cyrela. Deu de ombros à advertência de que havia registros de contaminação do solo e que o lançamento comercial seria uma precipitação porque atropelaria os trâmites legais.


 


CapitalSocial detalhou em inúmeras matérias o histórico de abusos que culminou na construção do empreendimento. O Ministério Público de Santo André foi acionado, mas as respostas e as conclusões demoraram demais por conta de uma estrutura limitada em profissionais e em infraestrutura, em choque com a alta demanda da sociedade.


 


Minimizando o problema


 


Não faltam esforços para o enquadramento de novas informações no histórico da denúncia de CapitalSocial, mas há um forte esquema de dissimulação sobre a gravidade das estruturas físicas do Residencial Ventura. A empresa de peritagem contratada para produzir um inventário das irregularidades que brotam naquelas torres residenciais não tem relação alguma com os condôminos e tampouco com instâncias públicas, seja a Prefeitura de Santo André, seja o Ministério Público. O que se pretende é tornar as investigações mais próximas possíveis de um segredo de Estado. A ordem é não despertar curiosidades.


 


Foi sob o governo de João Avamileno, do PT, que se deu a aprovação do empreendimento, mesmo com as ressalvas do Semasa, autarquia chamada a intervir ante o quadro histórico de fragilidade ambiental daquela área. Uma crise político-administrativa na gestão Avamileno, por conta do candidato que representaria o PT nas eleições municipais de 2008, provocou afastamento coletivo de praticamente todo o secretariado. Inclusive do então titular do Semasa, engenheiro Ney Vaz, que conduziu com mãos de ferro e dentro dos limites legais da autarquia o processo de averiguação do solo da antiga fábrica de produtos químicos. Com a saída de Ney Vaz, o ritmo de aprovação do empreendimento foi extraordinariamente rápido e abusivo, ante o passivo ambiental detectado nas primeiras investigações do solo. Sucessor de João Avamileno, Aidan Ravin foi advertido sobre a gravidade da situação, mas não se opôs à concessão de habite-se, instrumento legal que autoriza a ocupação do espaço. Carlos Grana assumiu em janeiro, conhece o histórico do empreendimento mas não tomou medida alguma para aferir com segurança o grau de risco a que estariam expostos os condôminos.


 


Embora haja conjunção de interessados em manter o Residencial Ventura longe de uma interpretação mais compatível com a realidade estrutural das obras, é muito pouco provável estender durante muito tempo a agressão ocupacional do espaço. Há mesmo entre aqueles que confirmam a deterioração física do condomínio de luxo uma preocupação em retirar as sombras de dificuldades insuperáveis de remediação das áreas mais vulneráveis à ação dos efeitos da contaminação. Não falta, entretanto, quem assegure possível tendência de medidas radicais para evitar estragos maiores. Medidas radicais convergiriam à demolição de pelo menos uma torre residencial. A medida seria tão impactante que atingiria o conjunto residencial como um todo.


 


Alternativas a seguir


 


Há duas alternativas não excludentes que poderiam dar uma guinada moralizadora no caso. A primeira seria o destacamento emergencial de representantes do Ministério Público para a tomada de medidas que contemplariam a contratação de uma instituição acima de qualquer suspeita para produzir laudos técnicos que aferissem o estágio de sustentação física do empreendimento. A segunda seria uma reação enérgica da Prefeitura de Santo André no mesmo sentido de investigar as entranhas daquelas torres residenciais.


 


Certo mesmo é que o tempo é inimigo da acomodação. Quanto mais se transfere para o futuro a iniciativa de identificar os buracos negros do Residencial Ventura, mais se elevam as possibilidades de tormentosas consequências. A inevitabilidade de correlacionar o Residencial Ventura ao Condomínio Barão de Mauá vista no passado como um exagero, ganhou conotação mais apropriada para qualificar o ponto de deterioração em que se encontraria pelo menos uma torre residencial. O Condomínio Barão de Mauá já completou uma década de desastre ambiental sem que os responsáveis pela construção de centenas de apartamentos tenham sido penalizados pelo Judiciário.


 


Acredita-se que algo semelhante envolvendo o Residencial Ventura teria desfecho diferente, porque é endereço de classe média influente nas instâncias de poder, enquanto o Barão de Mauá tem perfil bastante popular. Paradoxalmente, é justamente o fato de contar com moradores de maior nível socioeconômico que estaria impedindo ou esticando o cronograma de iniciativas para por fim ao risco de integrar aquele condomínio. Empurrar com a barriga uma situação sobre a qual o tempo inexorável e as condições do terreno agem em sentido contrário se converteria em tiro no próprio pé.


 


CapitalSocial decidiu mais uma vez nadar contra a corrente de acomodação que mantém o Residencial Ventura à margem do noticiário da mídia regional. A imperiosidade do fato jornalístico se sobrepõe a um suposto entendimento de que a divulgação dessas informações seria um ato prejudicial principalmente aos adquirentes dos imóveis, porque eles perderiam com a quebra dos valores atuais de mercado, em torno de R$ 1 milhão por unidade. CapitalSocial compreenderá a critica dos amantes do mutismo e da censura caso se comprove na prática que qualquer vida humana vale menos que aquele empreendimento imobiliário.


 


Falta cidadania


 


Fosse a Província do Grande ABC alguma coisa que convergisse para a expressão de cidadania, o Residencial Ventura jamais teria saltado rumo ao céu porque o que se passou ao longo de décadas sob o terreno foi um processo de aniquilamento constante. É impossível que algo que tenha rabo de porco, focinho de porco, orelha de porco e cheiro de porco não seja porco, também não sendo feijoada.


 


CapitalSocial revelou durante muito tempo tudo sobre o empreendimento da Cyrela e do Grupo De Nadai, sempre baseada em provas documentais e testemunhais. As irregularidades foram sequenciais, mas não impediriam que se lançasse, se vendesse e se ocupasse o empreendimento. A perspectiva otimista de que seriam necessários pelo menos 10 anos para que aparecessem os primeiros sinais de complicações se converteu em fracasso avaliativo. O Residencial Ventura reaparece nos radares como excelente oportunidade à demonstração de responsabilidade social de instituições que se autoproclamam zelosas com a sociedade. Apresenta-se uma segunda e imperdível segunda oportunidade.


 


Provavelmente já passou da hora de eventuais lideranças do condomínio plantado no Centro Novo de Santo André deixarem de lado o instinto de preservação do patrimônio adquirido. Estaria na hora de saírem a campo, como os jovens e adultos saíram às ruas em junho, para tomar medidas que confirmarão o estágio de debilidades físicas do empreendimento. A formação desse eventual grupo de inconformados é uma tarefa que demanda desconfiança total às versões dos representantes dos empreendedores, inclusive funcionários da administradora do condomínio. Todos parecem extremamente bem preparados para exibir naturalidade à peritagem de especialistas cada vez mais preocupados com o que se defrontam no sobe e desce das escadas das quatro torres e, principalmente, nas áreas de estacionamento abaixo do solo. 


 


Na sequência, em forma de links, coloca-se à disposição dos leitores uma série de matérias que resgatam o histórico do Residencial Ventura sob a ótica desta revista digital. Tudo publicado a partir de 19 de maio de 2010.  


 


Leiam também: 


 


Residencial Ventura: preparem-se para uma bomba mais que esperada


 


Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (1ª parte)


 


Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (2ª parte)


 


Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (3ª parte)


 


Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (4ª parte)


 


Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (5ª parte)


 


Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (6ª parte)


 


Eu não tenho coragem de morar no Residencial Ventura (7ª parte)


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