Sociedade

Quem acredita em código de
conduta do setor imobiliário?

DANIEL LIMA - 02/12/2013

Eu não acredito, não acredito e não acredito, mas a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria de Construção), entidade que tem um político como presidente, pelo menos está alardeando algo que tanto o Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, dirigido pelo empresário Milton Bigucci, quanto o Secovi, o Sindicato da Habitação, jamais se meteram a prometer, quanto mais a executar, ou seja, um código de conduta para inibir a avacalhação da atividade.


 


A prostituição no mercado imobiliário descambou a tal ponto – e o escândalo na Capital é emblemático – que reações de supostas lideranças do setor seriam inevitáveis. Resta saber como será o dia seguinte. Se bobearem, a situação será ainda pior porque nada mais engenhoso que, sob as vestes do reformismo, prevaleça uma engenharia dissimulatória.


 


Deu na Folha de S. Paulo de ontem que o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, que envolve o mercado imobiliário, pretende criar um código de conduta para as empresas. O presidente Paulo Safady Simão, provavelmente predestinado à piada pronta da coluna do homônimo José Simão, quer reverter o desgaste de imagem sofrido com o envolvimento do setor em sucessivas denúncias de corrupção.


 


Se alguém já leu algo assemelhado em se tratando do inútil Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC ou do poderoso Secovi, que me comuniquem. Meus arquivos estão recheadíssimos de reportagens sobre a construção civil em seus vários segmentos e nada, nadinha de nada de ação anticorrupção foi deflagrada para valer. Seria demais esperar outra reação.


 


Milton Bigucci é membro do Conselho Consultivo do Secovi, está envolvidíssimo em irregularidades como campeão de abusos contra a clientela, o presidente da entidade paulistana conhece profundamente o assunto e jamais moveu uma palha para encaminhar solução que tivesse alguma relação com profilaxia institucional. Convém lembrar que o Secovi durante muito tempo – e há informações que não se alterou fundamente a situação – financia a operação do Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC, porque a entidade regional é tão frágil mas tão frágil que não se sustenta pelas próprias pernas financeiras.


 


Cinco pontos contestados


 


Voltando ao código de conduta, o presidente da Câmara Brasileira de Construção lista cinco quesitos que seriam imediatamente atacados. Vale a pena repassá-los conforme o breve texto da Folha de S. Paulo e, em seguida, construir alguns comentários.


 


1. Refere-se à participação em licitações públicas. Descontos oferecidos para vencer a disputa e que posteriormente são compensados com suplementações seriam proibidos. “Não pode dar desconto para ganhar uma licitação e depois tentar compensar com outras coisas”, disse o presidente da CBIC. Ele sugere que as empresas sejam obrigadas a oferecer desconto em relação ao preço fixado pelo setor público e apresentarem um seguro-garantia no valor equivalente. “Se der algum problema e não for possível cumprir o contrato, aciona-se o seguro” – afirma. A solução parece simplória demais, porque não atinge o âmago da questão, que é a corrupção.  O preço fixado pelo setor público pode incorporar gordura suficiente para ter o seguro-garantia como adicional de receita. Ou seja: o desconto supostamente dado pelo poder público não passaria de manobra financeira para dar roupagem de seriedade a algo cuja essência seria ainda mais vantajoso aos empresários.


 


2. Regras claras que determinem a participação do setor como financiador nos pleitos eleitorais. “Já estávamos precisando disso. Temos um código de ética que nunca funcionou. Com as manifestações de rua recentes, todas essas prisões (dos políticos), isso se torna mais urgente a cada mês” – disse o dirigente da entidade. Também, ante o histórico estrutural que envolve instâncias públicas e a indústria da construção, a medida sugerida pelo presidente da CBIC em nada afetará o quadro de corrupção. O financiamento eleitoral detectado pelas instâncias legais é apenas uma parcela ínfima do dinheiro que corre solto nos escaninhos eleitorais.


 


3 e 4. Precarização do trabalho e destruição da natureza. “Precisamos definir comportamentos padrões. Não sei como. A ideia é discutir” – disse o dirigente. Basta fazer parcerias com entidades sérias ligadas à qualidade de vida.


 


5. Marca de especulador imobiliário atribuída às empresas. “Precisamos explicar melhor como funciona. Terreno é a nossa matéria-prima. Quem coloca o preço é o dono do terreno. Não são as empresas de construção” – disse o presidente da CBIC. A julgar exclusivamente por esse conceito, o dirigente requer desconfiança. Dizer que quem forma o preço é o dono do terreno é ignorar completamente o marketing avassalador do setor de construção civil, que tem a maioria dos veículos de comunicação como correia de transmissão de um jogo pesado que transforma o preço da terra em bem valiosíssimo como ferramenta especulativa. Os índices de valorização de imóveis, por exemplo, são uma grande anedota que se repete a cada dia para valorizar o estoque dos grandes players do mercado. Os preços publicados em jornais e nos meios digitais são inflados e não correspondem aos preços efetivamente contratados. Mas a distância entre o pedido e o consumado não existe oficialmente nas estatísticas. Não há especulação imobiliária sem agentes especuladores, sempre e sempre os mercadores do setor.


 


Mudanças sob pressão


 


Duvido que alguma instância da indústria da construção se meta numa seara de moralidade nas relações com a sociedade e os poderes públicos por livre e espontânea vontade. Somente à base de pressão, de muita pressão, de instâncias inquietas com os rumos principalmente das metrópoles, entregues à sanha de destruidores da qualidade de vida, será possível acreditar em novos tempos. Enquanto se construírem impunemente monstrengos urbanísticos como o que vejo do alto do prédio em que se situa meu escritório, olhos postos em direção ao Paço de São Bernardo, cujo entorno é uma sucessão de torres comerciais e residenciais, sem espaço e fôlego para a luz do sol, enquanto se permitirem tamanhas barbaridades, todo o resto não passará de resto. 


 


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