Mergulhar no passado de propostas para dinamizar a Província do Grande ABC é um convite a frustrações. Exatamente 10 anos depois (edição da revista LivreMercado de dezembro de 2003) de produzir um texto-desafio sob o título “Uma agenda para iluminar a região” (integralmente reproduzido no link abaixo) eis que me encontro prostrado. É impressionante, por mais que nos preparemos emocionalmente para encarar a realidade de uma região desfigurada em cidadania, como somos capazes de nos superar em incompetências e em mesmices.
A agenda que elaborei há exatamente uma década é um atestado de óbito da regionalidade da Província. Entenda-se por regionalidade os cromossomos que nos permitiriam dar um salto em direção ao futuro.
Por mais que tente ser otimista, não dou outra nota senão zero a cada um dos 30 enunciados que preparei há 10 anos. Zero mesmo, porque observados atentamente sob rigores de intensidade e profundidade às ações propostas, não há como se deixar ludibriar por um eventual otimismo de caráter duvidoso: somos uma região completamente à deriva, com o agravante de que tudo isso se deu durante o governo petista que, em princípio e pela proximidade de agentes locais da cúpula petista, poderia ensejar grandes transformações. Os petistas mais experientes trataram de cuidar das próprias carreiras fora do território regional; outros emergiram aqui como peças de reposição de um jogo de xadrez mais que manjado. Do outro lado da mesa política, os oposicionistas cuidaram da própria sobrevivência, quando não se juntaram aos mandachuvas da hora.
Reproduzo neste artigo os 30 enunciados que preparei há 10 anos. Dispenso considerações individuais, de voos rasantes. Prefiro um voo panorâmico e breve para chegar à conclusão que, acreditem os céticos, torçam o nariz os idiotas, chorem em solidariedade os mais próximos, não nos desvencilhamos de uma enfermidade comprovada: somos coletivamente uma lamentável sociedade suburbana, individualista, permissiva e descolada de qualquer iniciativa restauradora.
“Uma agenda para iluminar a região” se comprovou, 10 anos depois, uma coleção de expectativas neutralizadas principalmente pelos tomadores de decisões nas esferas política e econômica.
O vale-tudo instalado na Província do Grande ABC, onde todos os quase todos se dirigem docilmente às mecas dos Paços Municipais, num processo autofágico de representatividade institucional, pessoal e jurídica, conta com a garantia de que muito improvavelmente os rigores da lei atingirão os malfeitores, entre outros motivos porque há uma tolerância descomunal da mídia e de instituições variadas às falcatruas, além de um Ministério Público fragilizado em recursos humanos e materiais para contrapor-se ao comodismo mais que suspeito de outras instâncias legais.
A reprodução dos enunciados de 10 anos atrás que se segue dispensa, como já disse, maiores considerações. Basta ler o texto original e confrontá-lo com estes dias para se chegar à mesma conclusão deste jornalista. Minha saída às frustrações envolve um coquetel terapêutico que encontra nas corridas diárias (na bicicleta ergométrica ou em campo aberto) uma das melhores alternativas. Os leitores que comungam com as expectativas de uma região madura e reformista que escolham o melhor antídoto ao vazio na alma que certamente se seguirá à constatação de que não exageramos um tiquinho sequer ao atribuir zero a cada um dos 30 quesitos elaborados com muita fé e esperança.
Evitar tratamento festivo a eventos e propostas que não ultrapassam o terreno de conjecturas.
Exigir a disseminação de conceitos e práticas de empreendedorismo entre os estabelecimentos de ensino público e privado para possibilitar salto em direção à solidez dos negócios, principalmente de pequeno porte.
Incentivar mecanismos de preparação e de proteção aos empreendedores de pequeno porte dos setores comercial e de serviços para o enfrentamento dos grandes conglomerados nacionais e internacionais.
Estimular ações que coloquem academia, governos municipais e sociedade num mesmo e amplo compartimento de amarração dos dispositivos de regionalidade.
Exigir representantes do mercado e da comunidade como agentes de decisão nas instâncias públicas de cunho municipal e regional.
Defender a ocupação dos mananciais por meio de combinação de desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental.
Exigir das entidades empresariais ações que ultrapassem interesses exclusivamente corporativos, principalmente no sentido de dar maior competitividade à região.
Exigir das entidades sindicais reflexão permanente sobre as repercussões sociais de reivindicações e conquistas trabalhistas.
Exigir mecanismos institucionais para retirar a economia do Grande ABC da dependência estrutural dos setores automotivo e petroquímico.
Exigir de entidades sociais mobilizações além dos interesses corporativos de seus associados.
Estimular permanentemente a integração regional nos aspectos econômico, social, cultural e político por meio de várias instâncias de representações.
Desqualificar políticas públicas voltadas à disseminação de medidas microeconômicas que comprometam o todo regional
Incentivar a utilização de recursos provenientes de impostos, taxas e contribuições municipais para o aparelhamento técnico-operacional da economia regional.
Estabelecer referências de efetividade e produtividade regionais aos deputados estaduais e federais eleitos predominantemente ou significativamente com votos no Grande ABC.
Incentivar medidas restritivas de gastos com o funcionalismo público com base em dados disponíveis em instituições independentes de avaliação dos custos do poder público.
Exigir dos agentes públicos, privados e sociais permanente pressão por medidas preventivas de profundo alcance para desestimular a transformação do Grande ABC em endereço preferencial da incidência criminal.
Cobrar das autoridades públicas diagnóstico e ações para combater as carências de infraestrutura material que atravancam o desenvolvimento econômico regional.
Exigir das autoridades públicas a qualificação de estudos técnicos para dar sustentação às necessidades da infraestrutura social.
Combater informações de agentes públicos, sociais e empresariais que, à falta de compromisso com a regionalidade, optarem pelo espetaculoso sem fundamentação.
Exigir transparência de dados orçamentários das instituições públicas, inclusive com transposição das informações para o campo virtual, na rede mundial de computadores.
Cobrar dos estabelecimentos de ensino mantidos com recursos públicos maior empenho e comprometimento com questões municipais e regionais.
Incentivar a inserção de instituições assistenciais entre as preocupações de responsabilidade social de organizações privadas, públicas e não-governamentais.
Exigir dos governos estadual e federal participação permanente de interlocutores oficiais.
Defender a constituição de um fundo de recursos financeiros oriundos de orçamentos municipais ou de doação de empresas privadas para a contratação de especialistas que atuariam no assessoramento das instituições de cunho regional e dos parlamentares conceituados como representantes do Grande ABC.
Exigir das instituições regionais calendário permanente de intercâmbio com organizações internacionais vocacionadas ao temário metropolitano.
Considerar como membros das bancadas de deputados do Grande ABC na Assembleia Legislativa e em Brasília todos os eleitos domiciliados na região, bem como tantos quantos tenham alcançado número de sufrágios decisivos a se instalarem acima da linha de corte.
Cobrar das autoridades públicas, das entidades de classe empresarial e dos agentes comunitários empenho e determinação que torne mais factível e suportável o financiamento de pequenas e médias empresas.
Defesa de um fundo metropolitano da Grande São Paulo para aplicação em políticas públicas direcionadas à competitividade econômica e social da região metropolitana.
Formação de um grupo multidisciplinar de profissionais reconhecidamente especialistas em Grande ABC para atuar informalmente como assessores de programas voltados à valorização da imagem institucional da região.
Engrossar, com mobilizações permanentes, a corrente de apoio aos representantes municipais e regionais de atividades esportivas e culturais com maior potencial de divulgação doméstica, estadual e nacional, quando não internacional.
Leiam o texto de 10 anos atrás:
Uma agenda para iluminar a região
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!