Sociedade

Como enganar o distinto público
com embromações informativas

DANIEL LIMA - 24/01/2014

Duas notícias que ocuparam a mídia regional ontem, quinta-feira, convergem para um mesmo destino de obliquosidades. Cenaristas de plantão confirmam algo que é muito mais que uma tendência, é uma dura realidade: a região tornou-se insuperável na arte de vender ilusões. 


 


A Província do Grande ABC, outrora equivocadamente chamada de berço democrático de um País encarcerado pelo Regime Militar, cala-se medonhamente. Assiste a tudo sem reagir. Por isso a venda de bugigangas sem qualquer influência na geração de riqueza é tratada como a quintessência de uma regionalidade há muito em frangalhos.


 


Não me refiro ao anúncio de que Fernando Henrique Cardoso é convidado do Diário do Grande ABC para discorrer sobre desenvolvimento econômico e social regional, justamente ele que, médico do Plano Real, tornou-se monstro do esvaziamento da Província durante os oito anos de governo. Deste assunto tratei ontem.


 


As questões são outras: a troca de comando da Fundação do ABC, um reduto político-partidário que não resistiria a uma blitz do Ministério Público ou de qualquer instituição corretiva dos rumos do dinheiro público, como o Observatório Social do Brasil, e a possibilidade de a cúpula da Toyota instalar-se na fábrica de componentes em São Bernardo, anunciada pelo presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Rafael Marques.


 


O noticiário sobre a Fundação do ABC é o culto à farsa e ao diversionismo. O Diário do Grande ABC de ontem publicou que o novo presidente, Marco Antônio Santos Silva, indicado por São Caetano e substituto do inútil apaniguado do PT de São Bernardo, Maurício Xangola Mindrisz, pretende despolitizar aquela casa de tolerância à ética e à moralidade. Pura bobagem, propaganda enganosa. A Fuabc é um reduto multipartidário antiguíssimo.


 


Regionalidade especial


 


Quem acompanhou a posse do dirigente ontem à noite não passou em grande escala de gente que sabe como funciona a engrenagem corporativa da Fuabc. Ali se desenvolve o mais perfeito exemplo de regionalidade que deu certo. Aliás, a única regionalidade que deu certo na Província do Grande ABC. Tudo porque dinheiro irregular corre solto nas entranhas de uma operacionalidade técnica e administrativa que associa interesses de todas as siglas partidárias que dominam os executivos da região.


 


Despolitizar a Fundação do ABC equivale a engarrafar águas fétidas da Represa Billings e negociá-las em butiques como legítima safra de vinho português.


 


Custa crer que o Diário do Grande ABC se dedique a uma manchete daquelas. Pior que isso é desfraldar a retirada do politiquismo das veias diretivas e operacionais da Fundação do ABC e não apontar nada, absolutamente nada, que justificasse a medida. Muito pelo contrário. A essência da Fuabc é a convergência de interesses partidários, independentemente das rusgas em outras esferas municipais e regionais. A Fuabc é a zona franca de todas as administrações municipais da região. Maurício Xangola Mindrisz, o apaniguado de Luís Marinho, foi apenas mais ostensivo e menos hábil que antecessores. Nada mais. Até porque mais seria surrealismo.


 


Manchete que se reveste de palavra-de-ordem é uma modalidade jornalística derivada do sindicalismo mais baderneiro que já se instalou no País. Trata-se, em essência, da convicção de que basta um ajuntamento de palavras, a constituição de uma frase, e tudo estará resolvido. A Fundação do ABC, sabe bem a direção do Diário do Grande ABC, é um atentado à democracia da informação e à transparência no manuseio do dinheiro público. O uso do orçamento de R$ 1,5 bilhão é obscuro, mas o labirinto que percorre cada tostão é propriedade informativa de um grupinho escolhido a dedo e mantido a mordomias.


 


Não haveria mal algum, em princípio, na politização da instituição. De uma forma ou de outra a política partidária está em tudo. Qualquer instância multilateral é uma espécie de medição de forças políticas e ideológicas.


 


O escândalo a envolver a Fundação do ABC é outro, de outra tonalidade, de outra profundidade: figuras caricatas como Maurício Xangola Mindrisz, agora vice-presidente mas presidente de fato porque conta com o pistão do mandachuva Luiz Marinho, deitam e rolam como instrumentos dóceis à organicidade de desvios que qualquer auditoria financeira mais ou menos competente detectaria. O dinheiro fácil repassado pelo SUS é o dinheiro que lava a alma dos aproveitadores.


 


PIB subestimado


 


Já quanto ao anúncio do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Rafael Marques, nada a estranhar e tudo a justificar. A Província do Grande ABC sofre duramente os efeitos de concorrência cada vez mais doída no setor automotivo. Os investimentos das novas e das veteranas montadoras insistem em ignorar nossa região. Construímos histórico de conquistas trabalhistas a reboque de rabos de arraia e rasteiras. Não tivemos ao longo dos anos 1980, principalmente, discernimento para abrir as comportas com alguma civilidade. Jogamos fora o bebê juntamente com a água do banho. Perdemos capacidade concorrencial não só por conta dos manuais mais objetivos de especialistas em competitividade. O ambiente beligerante entre capital e trabalho excedeu os limites do razoável. O baixar do tom subsequente e, principalmente, durante o período de vacas magras de Fernando Henrique Cardoso, não amenizou os danos colaterais.


 


Não custa martelar que o Museu do Trabalho e do Trabalhador, em construção em São Bernardo por decisão do prefeito Luiz Marinho, é um chega pra lá nos empreendedores. O petista esquece que sem capital não há trabalho. Mais que uma obra física de autoendeusamento dos metalúrgicos, principalmente ao mais importante deles, Lula da Silva, constrói-se um monumento de discriminação ao capital. Que espera uma administração municipal como resposta dos investidores?


 


A possível vinda da cúpula da Toyota a São Bernardo, onde restam apenas componentes como produtos a abastecer as fábricas da companhia no País, não alterará praticamente nada o jogo que mais interessa à sociedade: a geração de riqueza de uma região que na temporada passada viu mais uma vez o PIB embicar resultados e que, mesmo após o desembarque do PT em Brasília, promovendo cavalo de pau nos resultados da era Fernando Henrique Cardoso, está distante de ameaçar outras geografias mais dinâmicas, mais estruturadas e aparentemente menos dominadas por sanguessugas.


 


A Fundação do ABC monoliticamente protegida da sociedade e que, por isso mesmo, se reveste de enorme caixa-preta, e a perda consistente de participação relativa e absoluta da Província do Grande ABC no setor automotivo, são manipuladas nos noticiários. A premissa de dialogar com a sociedade que ainda não se recompôs e dificilmente se recomporá das dores da sucessão de infortúnios que a abateram em três décadas está fora do léxico de relacionamento dos poderosos de plantão. Depois de dois períodos destrutivos ao longo de 30 anos, ou seja, dos entreveros entre capital e trabalho seguidos das intervenções seletivas e destruidoras do governo Fernando Henrique Cardoso, vivemos já uma década e tanto de prostração social. Fonte inesgotável para os vendedores de ilusão.


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