Sociedade

Caiu do andaime quem acreditou que
Secovi seria diferente do que temos

DANIEL LIMA - 07/02/2014

As maiores bobagens de minha carreira sempre se deram e ainda podem ser dar quando entrego a rapadura do ceticismo e flerto com as flores da confiança. Invariavelmente caio do cavalo da credibilidade que os leitores mais agudos fazem questão de cobrar. Em setembro de 2012 saudei o novo presidente do Secovi (Sindicato da Habitação de São Paulo), Claudio Bernardi, ao ler atentamente um documento que explicitava o plano de gestão daquela instituição. Acreditei sinceramente que estávamos diante de uma nova liderança empresarial. Fui generoso com Claudio Bernardes. Reproduzi o texto nesta revista digital, entremeando-o com breves comentários.


 


Dezesseis meses depois, Claudio Bernardes reeleito e escândalos imobiliários pipocando a todo instante, sobretudo em São Paulo, o maior mercado do País e um dos mais ricos do mundo, uma releitura daquele material me choca. Claudio Bernardes certamente não tem os mesmos enroscos corporativos de Milton Bigucci, presidente de espécie de ramificação do Secovi na região, o Clube dos Construtores e Incorporadores (a tal Acigabc, Associação dos Construtores, Incorporadores e outros mais), mas é irmão siamês em carga de decepção. Não há como afirmar algo diferente. Os pressupostos lançados naquele documento não passam de um cordão de fantasias. O setor imobiliário é ingovernável sob qualquer espécie, entre outros motivos porque a maioria dos empresários é voraz, o setor público um freguês de caderneta em falcatruas recíprocas, a Imprensa se sujeita a pressões de toda ordem porque perde a cada dia as principais fontes de receitas e a sociedade é absolutamente omissa.


 


Mais uma vez chego à conclusão que se já tomo todas as cautelas possíveis para não cair no conto do vigário de vendedores de ilusão em forma de pragmatismo de responsabilidade social, inclusive com a criação do Observatório de Promessas e Lorotas, a lição deixada pelo Secovi precisa ser metabolizada. Tivesse desconfiado mais e compreendido que Milton Bigucci à frente do inútil Clube dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC só poderia mesmo ser filho dileto de uma entidade cuja cultura interna e externa é extremamente corporativista, não teria construído uma frase sequer de enaltecimento mesmo que sóbrio do documento assinado por Claudio Bernardes.


 


Pode até ser que Claudio Bernardes tenha assumido o Secovi movido pela sede de transformações radicais. Nem se pode afirmar que desconhecia o que encontraria porque o documento indica com riqueza de detalhes o emaranhado ético e administrativo que o aguardava. O problema é que o cemitério está cheio de boas intenções. Claudio Bernardes e a diretoria que representa o Sindicato da Habitação de São Paulo não domaram a fera das transgressões que saltaram da gaiola das loucas dos escaninhos da Prefeitura de São Paulo.


 


O fato é que, ante tantas revelações e ao confrontar essa realidade de escândalos com a passividade do Secovi, qualquer tentativa de tornar a instituição integrante de medidas saneadoras no mercado imobiliário da Capital, cujos efeitos se expandiram ao território nacional, terá o mesmo sentido de atear gasolina em palheiro dominado por chamas.


 


Há muito o tripé Estado-Sociedade-Mercado está totalmente desequilibrado neste País, nas mais diferentes atividades econômicas e sociais. O conluio entre Estado e Mercado se manifesta tão escancaradamente nocivo à Sociedade que não resta outra saída senão acreditar em milagre que as manifestações de junho do ano passado sugeriam desabrochar. Vive-se no País (e o Secovi é prova acabada dessa constatação) um eterno jogo de encenações para ludibriar a plateia. O documento do Secovi, que expomos na sequência, agora com observações atualizadas e necessariamente rígidas, quando não céticas, entra em minha coleção de ingenuidade. Preciso, definitivamente, aprender a ser mau, muito mau, porque reconheçamos, eles, os outros, são absolutamente implacáveis na ânsia de nos fazerem de trouxas.


 


Documento do Secovi:


 


 É premissa do setor imobiliário defender legitimamente a implantação e o aperfeiçoamento de instrumentos urbanísticos que garantam adequado aproveitamento de áreas, de forma a acomodar dignamente a demanda por moradias, escritórios, shopping centers, loteamentos residenciais ou industriais; enfim, todos os gêneros imobiliários que assegurem o desenvolvimento econômico e social de uma cidade. À luz desses objetivos, o Secovi se posiciona:


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 O enunciado conceitual do Secovi no documento que encheu os otimistas inveterados ou os otimistas circunstanciais de confiança não é obra de amadores porque toca em pontos profundamente relevantes à transformação da Capital em ambiente humanizado após décadas e décadas de abusos do próprio setor que se apresentava como salvador da pátria.


 


Documento do Secovi:


 


 O setor precisa contar com planejamento urbano que permita adequar, ajustar e projetar o futuro da cidade em bases consistentes, com objetividade e previsibilidade; com participação permanente da comunidade e metas de médio e longo prazos. Não é mais admissível mudar tudo a cada novo prefeito.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Nada do que efetivamente foi transmitido pelo Secovi saiu da retórica Os escândalos se acumulam e não há nada que indique que as forças de pressão do mercado imobiliário não tenham sequestrado supostos sonhos de liberdade e moralidade da entidade.


 


Documento do Secovi:


 


 É imprescindível operar com legislações lúcidas e claras, que não abram espaço para dupla interpretação. O setor quer regras consistentes, que não sejam questionadas a qualquer momento por questão de opinião. O setor não mais pode conviver com insegurança jurídica. O ônus não é só do mercado. É da sociedade. Insegurança jurídica é um preço que as cidades não podem continuar pagando. Não nos opomos à eventual rigidez das normas, mas somos contrários à obscuridade e à discricionariedade na aplicação das mesmas.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Quem sabe o primeiro passo nesse sentido, mesmo que tardio, seja a eliminação da roubalheira dos cofres públicos na forma do instrumento chamado outorga onerosa que, como mostramos em matéria específica, é a maneira mais fácil e irresponsável de produzir fortunas de mercadores imobiliários.  


 


Documento do Secovi:


 


 O setor quer agilidade e transparência absoluta no processo de aprovações de empreendimentos, com a informatização integral dos processos, incluindo-se o Habite-se eletrônico. Não aceita ser refém de quem cria dificuldades para vender facilidades. Não pactua com a corrupção decorrente dessa prática abominável.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Talvez a melhor maneira de provar que o setor não produz apenas fumaça pró-moralidade e pró-etica é colocar, de imediato, na marca do pênalti, todas as empresas relacionadas pelo Ministério Público como fraudadores dos cofres públicos nos escândalos do ISS e do IPTU. Não se trataria de pré-julgamento, apesar de todas as provas e testemunhos que asseguram o uso e o abuso de fraudes intermediadas por servidores públicos. O silêncio do Secovi em torno desses acontecimentos só é menos constrangedor que o descaso em tomar atitudes corretivas em sintonia com o discurso de setembro de 2012.  


 


Documento do Secovi:


 


 O setor imobiliário pede, em âmbito municipal, a criação de balcão único de aprovações, nos moldes do Graprohab estadual, que centralize e agilize os processos com a presença de todas as instâncias. Ainda, pleiteia a presença do Ministério Público para opinar na origem, e não após o empreendimento estar em construção ou concluído, de forma a evitar prejuízos econômicos e sociais incomensuráveis. Burocracia é o cerne do custo Brasil.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Tanto tempo se passou e o Secovi jamais se mostrou decidido a partir para a prática de uma proposta que procura concentrar as queixas e os desvios na burocracia pública quando a realidade é mais abrangente. Ou seja: há inúmeros representantes do setor imobiliário que se locupletam das possibilidades sempre factíveis de avançar sobre as fragilidades da gestão pública, incrementando os rombos.  


 


Documento do Secovi:


 


 O setor pede segurança ao funcionário público que cumpre rigorosamente as normas no desempenho de suas funções. Pede, ainda, que haja maior número de funcionários qualificados, em volume condizente com a demanda. Talvez seja aconselhável a criação de um seguro para fortalecer a atividade do funcionário de boa-fé.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Também essa proposta não ultrapassou o terreno sempre fértil do proselitismo moralista. A vulnerabilidade do funcionalismo público está diretamente relacionada aos excessos do setor privado.  


 


Documento do Secovi:


 


 O setor deseja fazer valer princípios do Estatuto da Cidade, como o IPTU progressivo para terrenos e imóveis desocupados ou subutilizados.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Não se registrou qualquer estudo aprofundado do Secovi sobre a política de readequação dos valores do IPTU anunciada pelo prefeito Fernando Haddad e que despertou a ira dos ricos e também da Fiesp, cujo presidente é candidato ao governo do Estado. O Secovi não fez qualquer ação prática em paralelo ou autônomo à gestão petista para posicionar-se sobre a tentativa de tornar o imposto menos desigual na maior cidade do País. Haddad acabou isolado pelas fortes pressões e sofreu derrota contundente na Justiça.


 


Documento do Secovi:


 


 Defende, ainda, a criação de políticas concretas de estímulo à sustentabilidade, como o IPTU verde, e outras formas de incentivos fiscais para a implementação de calçadas permeáveis, uso de energias alternativas e medidas semelhantes. Que empreendimentos projetados dessa forma possam obter vantagens concretas em relação aos demais, até mesmo com adicional de potencial construtivo, uma proposta a ser debatida com a sociedade.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 O adicional de potencial construtivo parece ser o pó de pirlimpimpim a estimular eventuais mobilizações do Secovi, mas também nesse caso não houve registros na mídia e tampouco nas relações internas do Secovi para incrementar a proposta sugerida pela presidência em setembro de 2012.


 


Documento do Secovi:


 


 O mercado imobiliário quer incentivo ao retrofit, o que impõe a revisão do Código de Obras, criando-se mecanismos e regras diferenciadas para ocupação e readequações destas edificações.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Mais uma proposta do Secovi supostamente reformista de Claudio Bernardes que não saiu do papel, ou foi pessimamente ignorada por agentes de divulgação da entidade. Talvez a explicação para o mais que certo esquecimento é que as outorgas onerosas que de fato são outorgas vantajosas são muito mais competitivas como motivação a investimentos do que uma modalidade que, salvo equívoco, não mereceu atenção da gestão pública em forma de benefícios fiscais.  


 


Documento do Secovi:


 


 Deseja maior transparência nas discussões dos órgãos responsáveis por tombamentos. Que sejam abertas à sociedade, que merece conhecer os critérios. Imóveis devem ser definidos a priori e delimitada a discricionariedade. E mais: se a comunidade impede o uso, é obrigatório que a sociedade venha a ressarcir o proprietário por suas perdas.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Também não se tem noticia de qualquer iniciativa prática que  signifique mudança da gestão pública.  


 


Documento do Secovi:


 


 O setor propugna por transparência no que diz respeito às contrapartidas que oferece ao Poder Público. A sociedade merece saber como, quando e onde esses recursos são aplicados, haja vista que tais contrapartidas têm por fundamento benfeitorias para a cidade. Nos últimos anos, o setor entregou aos cofres públicos municipais mais de R$ 8 bilhões em contrapartidas.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Também esse discurso caiu no esquecimento. Como, igualmente, a reciprocidade de a legislação que premia a construção civil, como no caso das outorgas onerosas, terem acompanhamento constante e transparente. É impossível levar a sério a proposta moralizadora do Secovi sem lembrar o contrassenso de que se mantêm igualmente distante da claridade de informações nas contrapartidas distribuídas pelo Poder Público.  


 


Documento do Secovi:


 


 O setor defende a adoção de modelos de ocupação que permitam níveis elevados de qualidade e de sustentabilidade. Para tanto, e na linha do relatório da ONU-Habitat, que sejam fortalecidos mecanismos que permitam orientar o mercado imobiliário, potencializá-lo e, sobretudo, aproveitar as mais-valias urbanas para reinvestir no desenvolvimento de novas infraestruturas. Ainda, promover uma política territorial e um planejamento que melhorem os atuais padrões de crescimento urbano, evitando uma expansão dispersa da cidade. Uma política que propicie o adensamento, com melhor utilização do espaço, impedindo que se agrave a fragmentação física e social.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 A grande maioria dos empreendedores imobiliários confunde adensamento urbano com verticalização insana. O Plano Diretor de São Paulo, em fase de debates, está nessa encruzilhada. A pressão imobiliária é forte para dar um caráter eufemístico à verticalização. Há supostos especialistas que defendem mais e mais metros quadrados de construção nos corredores viários mais concorridos, desde que atendidos pelo transporte público de massa. O argumento é maliciosamente disseminador da ideia de que haveria reocupação residencial e comercial ao longo desses corredores, reduzindo portanto a distância entre casa e trabalho. A prática tem provado que não é bem assim, sobretudo porque grande parcela dos trabalhadores não conta com recursos financeiros para adquirir moradias especulativamente a preços proibitivos.


 


Documento do Secovi:


 


 É imprescindível que o planejamento da cidade esteja em profunda sintonia com os sistemas de transporte de massa, e que isto seja uma prioridade da cidade.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 O enunciado do Secovi é perfeito, mas sofre de um mal genético próprio do capitalismo sem alma que marca a tradição de investimentos do setor imobiliário na metrópole ensandecida: a verticalização é uma espécie de cláusula pétrea do Secovi porque eleva literalmente às alturas os ganhos de rentabilidade. Principalmente quando se tem as facilidades de contrapartidas de outorgas generosas.  


 


Documento do Secovi:


 


 O mercado imobiliário defende a criação de uma espécie de “Conselho da Cidade” permanente, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil organizada, para discutir a cidade, seus rumos, seu futuro. O Conselho seria responsável por discutir a “visão” esperada para a cidade e seu posicionamento para as próximas décadas. Cada novo candidato a prefeito exporia suas propostas a este Conselho para uma “visão prévia”. Se fossem contrárias à visão estratégica da comunidade, o Conselho deixaria isto bem claro para que os cidadãos soubessem. O Conselho seria uma espécie de guardião dos rumos da cidade para o futuro. O “processo de planejamento” controlado permanentemente pela sociedade é, sem sombra de dúvida, mais importantes que um mero “plano”.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 Nada foi efetivamente levado adiante. Muitos dos associados do Secovi preferiram mesmo ações individualistas em conluio com servidores corruptos da máquina pública.  


 


Documento do Secovi:


 


 O setor imobiliário, enfim, clama por condições que lhe garantam simplesmente a oportunidade de trabalhar. Muitos dependem disso: as pessoas, as cidades, as próximas gerações. O setor imobiliário é comum a todos na promoção do bem comum.


 


Comentário de CapitalSocial:


 


 O Secovi perdeu uma grande oportunidade que se lhe apresentou para traçar divisória de moralidade entre os escândalos na Prefeitura de São Paulo e os pressupostos que defendeu naquela manifestação de posse do então novo presidente da entidade ao silenciar-se vergonhosamente ante as manchetes de jornais e TV. O documento assinado em setembro de 2012 pela direção do Secovi não tem valor algum na prática, porque se perdeu em meio ao turbilhão de irregularidades. O mínimo que se poderia esperar diante daquele quadro seria um posicionamento voltado à sociedade, além portanto dos associados da entidade. Como não fez nem uma coisa nem outra, o Secovi assinou  um atestado de insensibilidade, que lhe retira legitimidade a produzir eventual nova carta de compromissos, porque a iniciativa ingressaria no terreno do cinismo social.


 


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