Sociedade

Máfias estão roubando o futuro
de nossa sociedade desorganizada

DANIEL LIMA - 11/02/2014

Tenho calafrios de indignação e de revolta quando ouço alguém supostamente informado dizer que existe sociedade organizada na Província do Grande ABC. A expressão ganha conotação de dolo quando dita por quem supostamente tem mais que informações e sabe o que de fato ocorre nesta Província. Se no passado sociedade organizada, ao referir-se à região, já era precipitação, embora houvesse encaminhamentos que pudessem dar alguma sustentação, desde muito não passa de muleta discursiva dos triunfalistas que simplificam nossos problemas e entendem que tudo se resolverá num passe de mágica de obediência cega a cartilhas comportamentais fora de moda.


 


Fosse a Província do Grande ABC minimamente estruturada como amálgama de relacionamentos pessoais, profissionais e institucionais que ultrapassassem os limites da formalidade, não seríamos o que somos, ou seja, o palco de controle de máfias temáticas que deitam e rolam.


 


Máfias integradas por agentes econômicos espertalhões, instituições que se fazem de importantes mas pouco contribuíram ou contribuem a mudanças, porque estão aí dirigidas por arrivistas, e pobres e podres poderes públicos em conluios a assassinar qualquer resquício de ética – eis um retrato sumário de nossa realidade.


 


Chegamos a tal ponto de degeneração no sentido de organicidade voltada a corrigir as deficiências e os desmandos dos sequestradores do futuro que não consigo enxergar um horizonte minimamente otimista. Nossas entidades de classe, sejam quais forem as classes, vivem à deriva porque estão isoladas e amedrontadas. Os tentáculos econômicos dos agentes empresariais ou supostamente empresariais que sequestraram as administrações públicas são portentosíssimos. Não faltam eventuais rebeldes que, à primeira pressão, esmorecem, quando não se entregam às vantagens dos vadios de plantão. A máxima de que é melhor estar com os vencedores, sejam quais forem os vencedores, é o dogma dos pragmáticos.


 


Plataforma sabotada


 


A arma dos malandros da praça é destilar otimismo porque assim transmitem a sensação de que há mudanças no ambiente regional. Reconhecer essa tipologia da procrastinação, do entreguismo, do comodismo e do individualismo é muito simples: eles vendem um cenário futurístico de transformações, embora sabotem a plataforma de embarque aos mecanismos que poderiam gerar nova realidade.


 


Não me faltam leitores, muitos dos quais num passado não muito recente bravos integrantes da lista de formadores de opinião da região, que se sentem totalmente desidratados como cidadãos. Eles entregaram os pontos depois de tanto insistirem em mudar o curso das águas turvas. Uma grande maioria já jogou a toalha porque chegou à constatação de que o custo-benefício é estrondosamente negativo. Em vez de assistirem ao desabrochar de uma Província do Grande ABC exultante em regionalismo após o advento do Fórum da Cidadania em meados da última década do século passado, adveio a prostração dos reformistas associada ao emergir ou à consolidação dos deletérios.


 


Pobres herdeiros


 


A Província do Grande ABC não é uma terra que se recomende a herdeiros familiares porque aqui viceja e ganha às alturas em frondosas ramificações um conjunto de valores típicos de máfias sicilianas. Meritocracia é artigo de luxo. O compadrio espalhou-se de tal forma e com tanta intensidade que escasseia esperança de reconhecimentos técnico e intelectual àqueles que ousam tentar furar o cerco. O futuro dos filhos diretos ou indiretos desta Província é tão inóspito quanto uma pequena área de campo de várzea à sobrevivência do gramado.


 


Os estragos provocados pelo controle da máquina pública por forças paralelas que agem no entorno dos paços municipais talvez só encontrem paralelismo na insegurança empresarial e nos danos à comunidade. Os investimentos fogem da Província do Grande ABC em ritmo ainda preocupante, mas há os incautos a tratar como regra a exceção exclusivamente classista do anúncio de uma fábrica de aeropeças em São Bernardo. Ou que caem no canto da sereia da atratividade econômica do monotrilho, que se anuncia com a marca mais robusta e tecnicamente mais sofisticada de metrô para enganar os crédulos. Mal sabem ou fingem não saber, os vadios de plantão, que nos têm sobrado apenas quinquilharias econômicas, a fortalecer nosso Complexo de Gata Borralheira.


 


Descrever a Província do Grande ABC nestas páginas é uma espécie de diário cujo conteúdo poderá se aferido, digerido, ruminado e dissecado no futuro, como muito do que se descreveu no passado está disponível à análise neste presente. Não creio na possibilidade de a Província do Grande ABC, mais apodrecida que a média deste País de sem-vergonhices, reerguer-se em condições de normalidade. Somente os alquimistas desfilam lantejoulas de felicidade, equivocadamente crentes de que assim garantirão algumas migalhas ou, quem sabe, um novo naco de vantagens.


 


Bater na tecla da falência institucional da Província do Grande ABC não é desvario de suposto anarquista ou algo assemelhado. O passado é referencial e o futuro provavelmente o algoz. Uma sociedade moldada por corporativismos múltiplos, de chão e de gabinetes de fábricas, de clubes de serviços e de sociedades de bairros, de ricos e pobres, jamais entenderia as virtudes que a expressão “sociedade organizada” poderia despertar.


 


Jamais fomos uma sociedade organizada, embora alguns espasmos tenham sido vividos, principalmente durante os primeiros tempos de Fórum da Cidadania. Hoje, mais que em qualquer tempo, somos mesmos uma sociedade à deriva, controlada, subjugada e amedrontada silentemente, quando não abusivamente com ares de festança, pelas máfias econômicas e políticas que nos roubam o futuro. 


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