Sociedade

FHC pregou no deserto ou vamos
dar uma grande guinada regional?

DANIEL LIMA - 17/02/2014

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pregou no deserto da Província do Grande ABC no início da tarde de hoje em conferência realizada em Santo André transmitida pela versão televisiva-digital do Diário do Grande ABC. Seria bom se os ensinamentos macroeconômicos do ex-presidente da República ressoassem na região que comeu o pão que o diabo amassou com a rebeldia sindical dos anos 1980 e a abertura econômica desalmada dos anos 1990, mas o bom senso recomenda que não se criem expectativas.


 


Primeiro porque o público diminuto tinha baixa representatividade empresarial. Segundo porque a pregação por uma região dinâmica que invista em tecnologia como condição essencial de planejamento é um dos substratos de uma revolução econômica que está longe da pauta dominada pelo oportunismo político, pela luta partidária fratricida, pela inação social e pelo sanguessuguismo corporativista.


 


De qualquer forma, mesmo com atraso de 70 minutos, e depois de 50 minutos de exposição complementada por questionamentos suáveis de alguns dos convidados, o encontro com Fernando Henrique Cardoso quebrou a rotina de uma região que a cada temporada mais se mediocriza no Complexo de Gata Borralheira.


 


Fernando Henrique Cardoso só surpreendeu quem não se preparou para a evidente lógica de que não discorreria especificamente sobre a economia da Província do Grande ABC porque pouco sabe sobre a massa de informações e de fatos que regem a vida regional. Tanto que confessou publicamente que procurou se orientar sobre a participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) de São Bernardo. Alguém lhe informou que atinge a 49%. FHC respondeu que imaginava menos. E estava certo. A indústria de transformação de São Bernardo representa 36% do PIB. Já foi muito mais de 50% nos bons tempos de industrialização fértil, mas vem caindo gradualmente. Nada mais natural também, porque a tendência nas regiões metropolitanas é de emagrecimento da participação relativa e absoluta do setor industrial.


 


Perdas não-compensadas


 


O problema de São Bernardo e da Província como um todo é que as perdas industriais não são compensadas por investimentos de valor agregado em comércio e de serviços. Daí os estragos ao longo dos últimos 35 anos. Principalmente durante o esquentamento dos tamborins do sindicalismo que fez emergir Lula da Silva e dos oito anos de FHC na presidência, quando a Província perdeu um terço do PIB industrial, São Bernardo à frente. Antes dele, Fernando Collor de Mello, a quem FHC fez algumas menções como símbolo de desindustrialização, participou do banquete de esfacelamento do setor produtivo.


 


Para quem acompanha principalmente os artigos que assina nas edições de domingo do Estadão e em outros veículos de comunicação, nada que FHC tenha dito ontem em Santo André soou como novidade, mas é sempre bom ter o ex-presidente numa tribuna. Ele fala com elegância, fluência, discernimento e normalmente, como ontem, com diplomacia. Inteligente, tentou salvar o tema do encontro, mal-ajambrado numa contraproducente temática regional para atrair público. Mas ficou evidenciado que FHC construiu apenas alguns puxadinhos temáticos para tentar salvar a pele do trapalhão.


 


Nos quebra-galhos que Fernando Henrique Cardoso preparou de improviso para não frustrar a temática regional, ficou claro que a receita do bolo da recuperação da Província é semelhante a que sugere ao governo federal: criatividade na busca de investimentos que gerem riqueza e muita atenção no que se precisa obter como respostas aos problemas, observando o futuro com mais prioridade. Fernando Henrique Cardoso fez pregação de estrategista inquieto com um Brasil essencialmente tático, ou seja, com o amanhã preparado com ciência e competência em vez do imediatismo do hoje.


 


Aplausos após reflexão


 


Mas não foi a temática econômica que retirou a plateia do mutismo admirador do talento intelectual do ex-presidente da República. Num único momento durante todo o evento o público reagiu calorosamente com aplausos, saindo do estado de reflexão à aprovação explícita e indignada: foi quando o conferencista condenou o excesso de partidos e ministérios: “30 partidos e 39 ministérios são um absurdo porque são blocos de interesses para tomar o Estado brasileiro”. Quem assistiu à palestra na versão online do Diário do Grande ABC não conseguiu acompanhar a reação do único prefeito petista na plateia, Carlos Grana, que conta com 24 secretarias municipais a lhe dar sustentação política. O outro prefeito presente foi Gabriel Maranhão, de Rio Grande da Serra.


 


O ex-presidente também não mergulhou em políticas específicas às regiões metropolitanas porque tanto ele quanto Lula da Silva e Dilma Rousseff pouco realizaram para dar nova configuração prática aos maiores conglomerados urbanos do País. FHC preferiu mencionar os males da urbanização acelerada pela qual passou o Brasil em três décadas, mas não mencionou uma única ação objetiva para conter a degradação.  Nada surpreendente. A esfera metropolitana é espécie de órfão da institucionalidade nacional.


 


A pregação no deserto de Fernando Henrique Cardoso ao sugerir que se olhe com mais carinho pela indústria regional e sobretudo à agenda de modernização tecnológica com novas matrizes produtivas, principalmente em atividades nobres, foi ouvida por pouca gente relacionada à economia. Nenhum secretário de desenvolvimento econômico da região participou do encontro. Nada que surpreenda. Todos os atuais prefeitos, como a maioria dos anteriores, estão pouco se lixando para o planejamento econômico. Eles preferem fazer política partidária com medidas que os fortaleçam nas instâncias de poder. A ordem é cooptar os oposicionistas e isolar os rebeldes. Nada diferente do panorama político em geral.


 


Fernando Henrique Cardoso disse que já passou da hora de acabar com esse Fla-Flu que nada contribui para a retomada econômica de que o Brasil precisa para encarar os tempos bravios que estão chegando. Mas quem disse que a classe política tem visão de futuro, que os empresários têm coragem de reagir ao controle exagerado do Estado e que a sociedade conta com representações que favoreçam mudanças? 


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