Sociedade

Como Paulinho Serra vai recuar nas
ações discriminatórias no trânsito?

DANIEL LIMA - 27/02/2014

Ora, simplesmente não vai recuar porque a leitura particular de quem recua é a mesma leitura coletiva de quem está pronto para apedrejar quem recuou: o fracasso estaria consumado. Poucos admitem fracassar em ações públicas, de alta visibilidade, como é o caso da implementação de faixas exclusivas de ônibus em Santo André. Só se admitem recuos em casos em que o custo-benefício de quem recuou é muito inferior ao custo-benefício de não recuar. Não parece ser o caso do trânsito em Santo André, recheadíssimo de interesses que confluem em favor dos mais poderosos.  


 


O secretário de Mobilidade Urbana Paulinho Serra caiu numa armadilha, num enrosco, e vai ter de tirar leite de pedra para não sair no prejuízo. A notícia de que a faixa exclusiva na Rua Carijó, na periferia de Santo André, está por um fio, porque comerciantes e usuários de veículos de passeio não estão nada satisfeitos, é refutada pelo ex-tucano, recém-convertido ao petismo. O noticiário não é unanimidade na mídia regional. Há quem feche os olhos aos problemas que brotam, quando não os glorificam.  


 



Há série de inconformidades técnicas não só na Rua Carijó e com as quais Paulinho Serra está convivendo a tentando amenizar. Não é fácil contemplar gregos populares usuários de transporte coletivo e troianos de classe média usuários de veículos próprios na ocupação de espaço viário solidamente inelástico e que, matemática à disposição, determina que os vencedores a bordo dos benefícios do uso de ônibus com maior fluidez no trânsito têm o contraponto de perdedores que se utilizam de veículos particulares. 


 



Drible impossível 


 



Talvez as ambições pessoais, normais nos gestores públicos, tenham enfiado goela abaixo do bom senso de Paulinho Serra a lorota de que seria possível dar um drible na essência física de que o mesmo espaço disponível no passado permaneceria no presente. Paulinho Serra não seria ingênuo a ponto de acreditar que se alguém está ganhando ao contar com mais velocidade de transporte para chegar em casa e no trabalho, ninguém está perdendo. Qualquer pesquisa em busca de uma resposta não passará de redundância. Exceto se resolverem estrangular a verdade.  


 



E quem está perdendo – e Paulinho Serra já se deu conta disso mas sabe que recuar seria possivelmente pior que manter – é o contribuinte de classe média. Paulinho Serra entrou na onda paulistana do prefeito Fernando Haddad como rescaldo das manifestações de junho do ano passado e que determinaram imediata revisão da política de faixas e corredores de ônibus, antecipando uma cronologia de implementação para sufocar a onda de descontentamento com o transporte público.  


 



Fernando Haddad desencantou de vez a classe média paulistana, mais encalacrada ainda no sistema viário tomado preferencialmente pelos ônibus. Mas do ponto de vista eleitoral – e esta é a essência dos gestores públicos sempre de olhos nas próximas eleições – o tiro foi certeiro: o PT fortaleceu ainda mais os laços com as camadas populares sempre mais sacrificadas, para compensar a perda quase que definitiva do eleitorado de classe média e mais escolarizado.  


 



O dilema de Paulinho Serra é que seu eleitorado é densamente motorizado, tem algum poder formador de opinião e não está gostando nada nada do que tem se lhe apresentado nas ruas centrais e entorno dos endereços onde se aplicaram as medidas que privilegiam o transporte coletivo. Essa discriminação em mobilidade urbana é latente, embora ganhe adjetivações politicamente corretas, principalmente de marqueteiros.  


 



Medidas compulsórias? 


 



Não falta quem afirme que Paulinho Serra foi forçado a tomar as medidas anunciadas como de digitais próprias porque a Administração Carlos Grana assim o quis, para engrossar o caldo popular de Fernando Haddad. Essa premissa, se verdadeira, coloca o ex-vereador de Santo André em roubada ainda maior, porque não teria autonomia para mudanças que poderiam afrouxar os níveis de críticas dos motoristas que se utilizam de veículos próprios para translado de casa ao trabalho.  


 



Também há de se considerar que introduzir nas ruas e avenidas paulistanas, mesmo que apressadamente, dezenas de faixas e corredores exclusivos de ônibus é uma coisa, e simplesmente preparar uma cópia ordinária em Santo André, é outra. Afinal, na Capital, resultado de políticas de planejamento que remetem ao início do século passado, com alguns administradores que se tornaram símbolos de arejamento viário como Faria Lima, corredores e faixas são uma coisa. Já em Santo André e em qualquer endereço regional de uma Província incapaz de planejar o básico, quanto mais o nuclear em forma de uso e ocupação do solo, é bem diferente.  


 



Recentes declarações do secretário Paulinho Serra remetem ganho de tempo dos usuários de veículos que alcançariam 15% do despendido anteriormente, quando inexistiam faixas. Não há informações sobre as perdas adicionais de tempo dos motoristas de veículos de passeio, ainda outro dia colocados no mesmo prato de uma balança de perdas e ganhos que, segundo Paulinho Serra, determinaria a continuidade do projeto ou a introdução de mudanças. 


 



Anedota do estreitamento 


 



Se as medidas do secretário de mobilidade urbana configuram política pública que, bem ou mal, está aí e sob esse aspecto, de política pública, deve ser analisada, a sugestão do vereador Ailton Lima para a confusão estabelecida na Rua Carijó é digna de anedotário: ele propôs, segundo consta de matéria assinada por Camila Feltrin, do jornal Diário Regional, que se reduza em 80 centímetros a largura de cada um dos lados da calçada.  


 



Os três quilômetros de extensão da Rua Carijós seriam alargados em prejuízo dos pedestres, porque, somados os dois lados, teríamos mais de um metro e meio de estreitamento. Como bem lembrou a repórter, a Associação Brasileira de Normas Técnicas estabelece largura mínima de 1,2 metro às calçadas. Completaria ao dizer que a tendência nos grandes municípios é outra, de alargamento das calçadas, em favor de pedestres e da vizinhança econômica já irritadíssima com restrições e desobediências ao estacionamento de veículos determinado pela Secretaria na tentativa de aliviar a emperrada fluidez de trânsito dos veículos particulares. 



 


Paulinho Serra se meteu numa encrenca dos diabos, o prefeito Carlos Grana está adorando porque só lhe sobram os bônus da operação, já que os ônus são do seu secretário de classe média, e, enquanto isso, os donos das empresas de ônibus riem à toa porque gastam menos combustíveis e reduzem custos de desgaste físico dos coletivos que percorrem as mesmas distâncias em bem menos tempo. 



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