Os mercadores imobiliários e também os empreendedores sérios do setor imobiliário observam com máxima atenção o traçado do anunciado monotrilho que o governo do Estado promete para a Província do Grande ABC. Acreditam que podem tirar o pé do lodo nestes tempos de bolhas mais que explícitas (leram por acaso ou por necessidade a edição desta quinzena de Exame?) explorando o suposto filé que cortará a geografia de Santo André, São Bernardo e São Caetano. Aliás, insistem em chamar de metrô o trambolho visual e urbanístico do monotrilho. Tudo em nome da rentabilidade dos negócios num regime de capitalismo contaminado demais pelo intervencionismo dissimulado do Estado em forma de corrupção.
Seria o monotrilho da Província do Grande ABC tudo isso que lobistas e mercadores imobiliários, principalmente, começam a divulgar num processo de convencimento, para não dizer de entorpecimento?
Como cantei a bola mais que certeira de que o trecho sul do Rodoanel, que tangencia a Província, não seria a Brastemp tão decantada pelos ufanistas de plantão (vejamos os números do crescimento raquítico da Província mesmo durante o período de ouro da indústria automotiva e comparem com o que se deu na Grande Osasco) tenho sérias preocupações de que o resultado com o monotrilho será igualmente pífio.
Mais que isso: a debilidade da economia da região, profundamente dependente de um setor globalizadamente ultracompetitivo como é o automotivo, deverá causar efeito assemelhado ao que se deu com a chegada do Rodoanel: perdemos e continuamos a perder empresas e agora vamos perder mão de obra para a Capital muito mais atrativa e rica. Se hoje cerca de 20% dos trabalhadores da região deslocam-se diariamente à Capital, tendo como alternativas trens superlotados, transporte público deficiente e o transporte individual cansativo, imagine quando o monotrilho chegar?
Lobistas atacam
Sei que sei porque sou relativamente bem informado que o lobby por mudanças no uso e ocupação do solo no entorno do traçado do monotrilho na Província apertará o cerco nos gestores públicos. Apertar o certo é força de expressão. Se há algo que a maioria dos políticos que ocupam cargos de poder adora é uma novidade como essa, de uma obra supostamente de grandes efeitos sociais, aparecer no radar de análises e mudanças legais.
As campanhas eleitorais estão aí e ninguém é de ferro: é preciso lubrificar a máquina que enriquece quem está supostamente a serviço da democracia.
Tenho sérias dúvidas sobre o cumprimento da cronologia de implantação do monotrilho na Província, mas que um dia vamos ter algo que vendem como metrô porque sempre há trouxas para acreditar que metrô e monotrilho são a mesma coisa, disso não tenho dúvida. Estamos atrasadíssimos em relação à pífia infraestrutura de transporte público da Capital tão próxima, cuja rede de metrô de verdade é acanhadíssima entre outros motivos porque gestores públicos ao longo de décadas desprezaram completamente as vicissitudes da massa de trabalhadores. Preferiram sempre e sempre dar o caminho das pedras a preços sempre bem regulados aos mercadores imobiliários que infestaram os principais centros viários, tornando-os insustentáveis em logística.
Aliás, sobre logística e mercado imobiliário, o Plano Diretor da Capital, em fase de debates, é um poço de contraditórios. A opção pelo incentivo à construção de torres residenciais e comerciais nos principais corredores viários provoca discussões acaloradas.
Pretende-se aprovar o que se chama de adensamento urbano, algo que num passado recente os aproveitadores imobiliários sem alma chamavam de verticalização. Como perceberam, esses predadores, que verticalização é tratamento de choque na verbalização de intenções nem sempre nobres, agora optaram pelo politicamente correto “adensamento”. Entretanto, o conceito de adensamento dos especialistas em urbanismo está a mil léguas do entendimento dos açodados mercadores imobiliários, porque privilegia a qualidade de vida em detrimento da engorda da lucratividade exacerbada.
Investida regional
Pretende-se agora reformular a legislação de uso e ocupação do solo em vários municípios da região, justamente para acelerar o ritmo de especulação imobiliária no entorno do monotrilho. A sedução dos legisladores é compulsória. Os Executivos são extremamente generosos a contrapartidas.
O pulo do gato da malandragem institucionalizada à flexibilização do potencial construtivo além do que já se pretende implantar acima do padrão atual é a outorga onerosa, que repassa merreca aos cofres públicos, alimenta a corrupção nos escaninhos dos poderes públicos e eleva à enésima potência a rentabilidade dos investidores. Só em São Paulo, em 10 anos, as prevaricações a bordo de outorgas onerosas chegaram estimativamente ao valor bruto de R$ 42 bilhões, tendo como contrapartida aos cofres públicos apenas R$ 1,7 bilhão.
Pretendo nesta semana curta, ou o mais tardar na semana que vem, escrever sobre a reportagem de capa da revista Exame, que trata da bolha imobiliária. Aliás, pretendia escrever sobre o assunto nesta quinta-feira, mas novas investidas dos mercadores imobiliários para vender ilusões sobre os poderes miraculosos do monotrilho me levaram a restabelecer prioridade.
A insistência com que leio nos jornais da região a marota substituição identificatória de monotrilho por metrô, porque é tão claro quanto o sol da manhã que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, alimenta a desconfiança de que está em operação manifesta tentativa de ludibriar o distinto público com a industrialização de produtos imobiliários muito aquém das demandas da região.
Vende-se na terra de gatas borralheiras um conceito furado e suspeitíssimo de melhoria da qualidade de vida por conta de um sistema de transporte coletivo aquém do propagado, quando se sabe que mesmo o metrô da Capital, metrô de verdade, é uma andorinha que não faz verão, porque, se fizesse, não teríamos o caos estabelecido, consumado e sacramentado.
O buraco logístico da metrópole paulistana vai muito além do sistema de transporte, incapaz de enfrentar os abusos imobiliários no uso e ocupação do solo. Centralizar a ocupação de torres residenciais em áreas de intenso fluxo de veículos individuais e coletivos como solução aos problemas logísticos é uma falácia. A ganância da verticalização disfarçada de adensamento é muito maior que a capacidade de investimentos em transporte público das administrações locais.
Total de 1097 matérias | Página 1
21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!