Sociedade

Demorou, mas finalmente caiu a
máscara dos golpistas imobiliários

DANIEL LIMA - 12/03/2014

Até a revista Exame reconhece, envelopa e carimba em matéria de capa que o mercado imobiliário está em crise. A diferença entre o que a Exame publicou agora e o que estamos escrevendo há muito tempo é que também o segmento de apartamentos sofre um bocado com a baixa demanda. A revista da Editora Abril preferiu concentrar baterias no mercado de salas comerciais, de shopping centers e de galpões industriais. Se seus repórteres fizessem uma visita à Província do Grande ABC constatariam o que meus olhos asseguram faz tempo, muito tempo: há micos espalhados por todos os cantos, embora os golpistas imobiliários de plantão sigam a vender mentiras baseadas em estatísticas furadas, manipuladas descaradamente.


 


Não exagero ao dizer que há golpistas no mercado imobiliário. Afinal, quem brinca com a saúde financeira da população numa atividade tão crucial ao equilíbrio social, como é o caso da habitação, não merece outra identificação. É preciso deixar o convencionalismo léxico que alguns juízes interpretam de forma equivocada como abuso do direito de livre expressão e atacar o mal pela raiz. Chocar os leitores com determinados verbetes e expressões é uma forma de protesto e de indignação.


 


Nada absolutamente contra ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro no regime capitalista é uma coisa, aliás, uma coisa essencial ao dinamismo da própria sociedade, mas gargantear inverdades, invenções, especulações, é crime.


 


Houvesse um código de ética no mercado imobiliário como o da classe médica, provavelmente o governador do Estado teria de mandar construir mais presídios. Não faltam falastrões imobiliários que enojam os próprios empreendedores sérios da atividade.


 


A Reportagem de Capa da revista Exame chegou tarde mas não tardiamente. E deveria ter incorporado o mergulho na demanda por apartamentos, que é profundo, em dezenas de endereços nacionais, inclusive na Capital do Estado, preservada pela publicação.


 


Economia em baixa


 


Há um descompasso irrebatível entre oferta e demanda. Nem o arrefecimento dos últimos tempos na entrega de imóveis impede que um vácuo se instale. Na Província, essa dicotomia vem de longe, de muito longe. Sem contar os empreendimentos já suspensos e outros que estão em ritmo de cágado, milhares de apartamentos esperam por compradores que não aparecem porque, diferentemente da sede imobiliária, a riqueza produzida neste País, e particularmente nesta região, está muito aquém da disparada de ofertas.


 


O Domo, no entorno do Paço Municipal de São Bernardo, recheadíssimo de apartamentos e de salas comerciais que não encontram compradores, simboliza o desvario de empreendedores que desconhecem a economia da região. Gente que veio para cá imaginando tratar-se do Eldorado do passado, dos tempos em que o PIB bombava. Acreditaram numa classe média alta e mesmo numa classe média-média cada vez menos expressivas em relação ao conjunto da sociedade.



Quem se der ao trabalho de vasculhar o acervo desta revista digital encontrará dezenas de matérias alertando sobre o desastre que só agora a bíblia do capitalismo verde e amarelo, a revista Exame, decidiu expor. Já é um passo em direção a algo mais nobre. Por mais que os interesses comerciais das publicações sejam importantes, jamais poderiam sobrepor-se à realidade.


 


No caso de shopping centers, verifiquem os leitores o quanto escrevemos sobre pelo menos dois dos estabelecimentos que aqui ancoraram recentemente, o Atrium e o Golden. A Imprensa local os tratou com o entusiasmo de torcidas organizadas. Fomos pessoalmente aos locais para verificar o quanto se propagou de bobagens em forma de informação. Os índices de ocupação são pífios. Alucinantemente pífios.


 


Nichos e micos


 


Talvez o texto mais elucidativo que publiquei nesta revista digital sobre o mercado imobiliário da região tenha tido como título verbetes que definem bem o quadro ao longo dos tempos. Reunimos nichos e micos imobiliários, mais os segundos do que os primeiros. Prefiro-os à bolha imobiliária. Entendo que “bolha imobiliária” possibilita subjetividades interpretativas que subvertem determinadas situações consolidadas mas não necessariamente contempladas pela expressão.


 


Quero dizer que “bolha imobiliária” é algo assemelhado em potencial de debates e contraditórios diversionistas a “desindustrialização”. Há sempre à disposição dos usurpadores dos fatos uma massa de conceitos fraudulentos a cercar o touro da objetividade elucidativa. Avocam-se referenciais, no caso de bolha imobiliária, que nem sempre podem extrapolar o território nacional, principalmente quanto à grossura do calibre de comprometimento de renda da população e também da espessura da lâmina dos empréstimos em relação ao PIB. Ou seja: há especificidades locais que configuram, em casos como os que se observam na Província do Grande ABC, um quase descalabro entre oferta em excesso e demanda em escassez. Quando se atribui a isso a expressão bolha imobiliária, os guerrilheiros de sofismas entram em campo carregados de conceitos macroeconômicos internacionais dissociados de nossa realidade.


 


Particularmente para este jornalista, a Reportagem de Capa da Exame, embora incompleta ou imprecisa no diagnóstico sobre o mercado imobiliário no setor de apartamentos, é uma recompensa, um diploma de seriedade, à industrialização de textos gerados por pesquisas de campo e teóricas sobre o desequilíbrio de investimentos na Província do Grande ABC.


 


E não pensem os leitores que os danos estão concentrados nos empreendimentos de maior vulto. Também pequenos empreendedores do setor imobiliário, muitos dos quais marinheiros de primeira viagem embalados pela corrida ao pote de ouro, sofreram os efeitos colaterais e estão encalacrados com as sobras de sobrados e apartamentos populares, sem taxa de condomínio.


 


Golpistas replicantes


 


Os golpistas de plantão (e a cada dia aparecem mais, basta lhes darem espaços na mídia porque eles se multiplicam como os micos imobiliários) estão sempre a postos para vender ilusões entre outras razões porque falta a tão importante setor, além das garras afiadas de legislação de responsabilidade social na divulgação de informações, uma entidade de classe que, sem abandonar os princípios do capitalismo, entenda que a sociedade merece respeito e que contratos de aquisição de habitação comprometem o orçamento familiar por várias gerações.


 


Sonho com o dia em que o Ministério Público será dotado de especialistas em mercado imobiliário para, entre outras funções, agir preventivamente para impedir o descarado jogo de especulação incentivado pela mídia, em detrimento do bolso dos contribuintes. Brincar com a ignorância e com os anseios de pessoas que lutam a vida inteira para economizar recursos em busca do sonho do imóvel próprio deveria ser catalogado como crime de lesa-cidadania.


 


Limites éticos e morais para o enquadramento de avaliações de metros quadrados deveriam ser prerrogativa das entidades imobiliárias, não um jogo sórdido estimulado e oficializado por sites de grande repercussão que transformam preço especulativo anunciado em preço efetivamente negociado, quando se sabe que entre um movimento e outro há cada vez reduções mais significativas de valores.


 


Como, aliás, provam anúncios de páginas inteiras de grandes incorporadoras nos jornais paulistanos. Sem contar os bônus em forma de premiações extras, como viagens, aparelhos eletroeletrônicos e outros estímulos.



O mar não está para peixe mas os golpistas seguem entoando uma velha e manjada cantiga de malandragem explícita com o apoio indecoroso da mídia irresponsável, quando não gulosa.


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