Sociedade

Entidade cerebral não pode ser mais
um clube de egos e conveniências

DANIEL LIMA - 28/03/2014

Como atuaria a entidade cerebral proposta já há muito tempo por este jornalista? Não existe nem deve existir fórmula pronta, porque se assim o fosse não haveria necessidade de um encontro entre interessados em mudar o estado de desânimo e de abandono da sociedade da Província do Grande ABC, mas não custa nada especular sobre o assunto.


 


A ausência estarrecedora de interlocução republicana entre gestores públicos da região e representantes sociais é uma das raízes frondosas do estado de desânimo geral – o que estimula, quando não consagra, quando não sacramenta, o controle seletivo quando não ditatorial dos cordéis institucionais por agentes do mal, gente sem qualificação e que, principalmente em conluio com agentes públicos, domina a cena regional. Uma degradação institucional que, como revelei ainda esta semana, contamina o ambiente de baixa competitividade regional. Os investidores fogem de determinada geografia – e isso vale para municípios, regiões, estados e países – quando sentem que o cheiro da brilhantina não é legítimo.


 


A embocadura regional da entidade cerebral é inegociável. Não haveria lucidez se uma organização que se pretende renovadora e regeneradora na exposição de ideias e de propostas se limitar a determinado Município numa região como a Província do Grande ABC, atingida nos anos 1950 e 1960 por uma febre emancipacionista que tolheu os passos desenvolvimentistas das décadas seguintes.


 


Ora, sendo de arcabouço regional, a entidade cerebral não trabalharia com propostas que não sejam regionais. E ideias regionais estão plugadas em conceitos que descartam territórios geográficos restritivos. Por mais que a regionalização dos estudos e das propostas que imagino como digitais da entidade cerebral seja cláusula pétrea, deverão ser aplicados princípios referenciais mais amplos.


 


Exemplo do G-20


 


O G-20, grupo dos 20 principais municípios paulistas que criei para parametrizar informações de diversas atividades, não é senão uma maneira de mostrar à sociedade mais esclarecida que não existe o menor sentido ao se comparar os municípios da Província entre si, quando o mundo se globalizou.


 


Confrontar a Província com a própria Província é atirar o lixo das perdas econômicas e sociais latentes sob o tapete de um falso padrão avaliativo. Não é porque determinado Município da região cresceu mais que outro em qualquer indicador que a situação nos favorece de verdade. Confrontos com endereços municipais distintos da região são sempre esclarecedores, porque emitem sinais de alerta à recomposição das baterias de reação.


 


Já imaginaram os leitores se, no recente texto que preparei sobre o volume adicional de ricos da Província do Grande ABC desde a implantação do Plano Real, em 1994, os números se restringissem aos municípios locais? O G-20 é espécie de desafio regional porque nos coloca em contato com um agrupamento bastante competitivo em desenvolvimento econômico. Comparar internamente os municípios não passaria de enganação.


 


Menos classe média


 


Na próxima semana apresento a segunda etapa da pesquisa que realizei contando com os dados econômicos da IPC Marketing, empresa especializada em potencial de consumo. Vou mostrar agora como foi o comportamento da classe média tradicional no período pós-Plano Real até o ano passado. Aqueles que consideram que só perdemos a corrida de absorção da classe rica estão enganados. Também a produção de classes médias não acompanhou o ritmo do Estado, do País e de grande parte dos municípios que integram o G-20. Não impermeabilizamos nossa trajetória aos estragos da guerra fiscal, do sindicalismo exacerbado, da anemia institucional, do descaso político.


 


Ora, bolas: se o aprofundamento de diversos aspectos da regionalidade da Província do Grande ABC é a essência das preocupações que nos atingem a todos, não teria sentido a entidade cerebral tão sonhada fechar-se em copas, competindo de araque entre si.


 


Isto posto, nada mais apropriado do que, por exemplo, debater a questão da saúde na região tendo do outro lado do balcão de informações os respectivos secretários das pastas dos sete municípios. Será que eles atenderão ao chamamento da entidade cerebral?


 


Como a entidade cerebral não terá pai algum de organicidade, estratégia e operacionalidade (me recuso terminantemente a ser individualizado como integrante da organização, já que a proposta é de cúpula integrada por coordenadores de idêntica patente) não haveria motivo a eventuais contrapontos provavelmente melindrosos de recusa ao debate. O colegiado da entidade cerebral é a vacina imunizadora a qualquer tentativa diversionista de negação à democracia dos debates.


 


Caberá aos membros da entidade cerebral colher informações substancialmente robustas para que se estabeleçam confrontos produtivos. Quando digo confrontos produtivos não estou a sugerir belicismo entre as partes. Mas os representantes do setor público não podem encarar os encontros supostamente projetados como concessão aos integrantes da entidade cerebral. Afinal, todos são servidores públicos, cujos salários são pagos pelos contribuintes.


 


Sei que sei que há muita gente dos poderes públicos detestando a possibilidade de se criar mesmo uma entidade cerebral na região, formada basicamente por gente economicamente independente das amarras público-privadas que nos tornaram Província.


 


Oportunidades versus oportunismos


 


Sei que sei também que a possibilidade de levar adiante esse projeto com o dinamismo indispensável é quase um desafio. Não faltarão pressões assim que identidades pessoais dispostas a empreitadas que fogem do espectro de comodismo generalizado se tornem conhecidas. Não faltarão contragolpes. Os detentores dos poderes econômicos e políticos formais e informais da região mais querem é continuar a nadar de braçadas. A um oceano de oportunidades eles contrapõem um lamaçal de oportunismos.


 


A entidade cerebral com que sonho não terá conotação político-partidária, até porque jamais me filiei a qualquer representação, mas, também, não poderá cair na armadilha reducionista, quando não escapista, quando não autofágica, de que não se deverão atacar problemas intrinsecamente vinculados aos gestores públicos, sejam quais forem as agremiações envolvidas.


 


Quem pretender fazer da entidade cerebral um ancoradouro para lustrar o ego perceberá que estará em espaço inadequado. Não existe possibilidade alguma de a organização tornar-se extensão do colunismo social tão improdutivo quanto muitas vezes ofensivo à realidade econômica e social da região.


 


Os contatos que já mantivemos com voluntários à causa de uma Província do Grande ABC menos sujeita a manipuladores de plantão, a procrastinadores de medidas corretivas ao desenvolvimento regional, esses contatos mostram que temos um batalhão pronto a atividades reformistas. Sair da teoria à prática é um passo e tanto, que será dado ou frustrado a partir do encontro programado para o próximo dia 15 de abril.


 


Já passou da hora de a Província do Grande ABC ganhar transparência informativa e analítica coletiva, sempre tendo como referência outros territórios. Não podemos negar a obviedade de que vivemos num mundo muito maior do que os 800 quilômetros de nosso território físico.


 


A entidade cerebral com que sonho não pode ser mais um clube de vaidades e de conveniências. Sem algumas dezenas de voluntários que assimilem essa prerrogativa, não haverá sentido em sequer iniciar a jornada.


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