Como vender a imagem do Grande ABC sem correr o risco de exagerar na dose dos pontos potencialmente positivos e de naufragar nas tentativas de desqualificar aspectos solidamente negativos? Esse é o grande desafio do Grupo de Planejamento de Marketing da Agência de Desenvolvimento Econômico da Câmara Regional. Comandados pelo prefeito de Santo André, Celso Daniel, representantes de administrações públicas municipais e da mídia regional têm-se reunido não só para prospectar lista de vantagens e desvantagens da região, mas principalmente para encaixar resposta conceitual ao desejado padrão de credibilidade de comunicação com o Grande ABC e o público externo.
Adequar os ímpetos de valorização do Grande ABC às margens de confiabilidade dos veículos de comunicação, instrumentos decisivos no processo de massificação de informações, torna-se desgastante maratona. Os obstáculos não serão superados com facilidade.
Acreditar que a região passará a frequentar a mídia regional e paulistana apenas com assuntos adocicados é subestimar não só os interesses individuais ou grupais que permeiam as relações econômicas e político-partidárias nos sete municípios como também minimizar ao extremo os desastres sociais que fazem aflorar casos como o da favela Naval, em Diadema, e a gravidade das ocupações clandestinas na área de proteção dos mananciais, entre tantas sequelas.
A ação do Grupo de Planejamento de Marketing é interessante não porque teria a capacidade de camuflar os problemas, situação que só frequenta os sonhos dos exagerados que descartam a sensibilidade e os interesses dos veículos de comunicação em cavoucar desastres, mas sim pela perspectiva de contrapor situações positivas nem sempre explicitadas com competência. O consenso de que é alto demais o preço a pagar pela tentativa de escamotear ou de mistificar os pontos negativos da região não foi alcançado com constrangimento pelo grupo de estudos. A conclusão é de que a relação custo-benefício de trabalhar com a realidade não pode ser desprezada, sob pena de descrédito.
Caberá aos executores das propostas que já se delineiam o poder de procurar direcionar, principalmente em âmbito externo, mais atenções aos pontos favoráveis como forma mais inteligente de atenuar os pontos desfavoráveis de um produto chamado Grande ABC.
Milagres, não!
A expectativa de que o planejamento de marketing resolverá todas as dificuldades que embaçam a imagem doméstica e externa do Grande ABC é de ingenuidade infantil. Por mais que esse trabalho seja inédito e por mais que se consolide, o Grande ABC não se transformará numa ilha da fantasia. A vantagem é que poderá amenizar os exageros de quem lhe atribui a imagem de terra dos horrores.
Se a região conseguir ao longo dos próximos anos suavizar a evidente carranca externa gerada principalmente pelo ventre de um sindicalismo outrora muito mais combativo, que fez emergir uma liderança que por três vezes candidatou-se à Presidência da República sem ter motivos para sorrir nas campanhas eleitorais, deve-se levantar as mãos aos céus. Se tornar-se atrativa a novos investimentos de porte, geradores de empregos e de bem-estar social, deve-se convocar a população para rezar em praça pública em sinal de agradecimento.
Deve-se trabalhar maduramente com a realidade de que o comprometimento dos atores econômicos, sociais e políticos com o marketing regional do positivismo é uma camisa de força que não encontrará número suficiente de voluntários a utilizá-la.
Quando o temário não envolver escaramuças específicas, a perspectiva de propagar fatos interessantes para a recuperação do prestígio regional será latente. Acreditar em reprise desse comportamento quando questões conflitivas ganharem o palco da comunicação é desconhecer ou subestimar as entranhas humanas.
O último fenômeno de convergência incondicional, quase fundamentalista, chama-se Fórum da Cidadania. A queda dos níveis de consensualidade entre seus representantes a partir do inchaço das plenárias, as fundas limitações de engravidar os formadores de opinião e tomadores de decisão com seu desarticulado receituário e a constatação de que suas mensagens não tinham a capilaridade desejada para quem pretende influir decisivamente na partitura institucional da região duraram na prática bem menos do que na mídia. Tanto que o Fórum vive momentos de reoxigenação interna e introduz novos passos externos, direcionando baterias junto às comunidades populares e acadêmica, territórios até então inexplorados.
A síndrome de Gata Borralheira que carimba as relações psicossociais entre o Grande ABC e a Capital tão próxima é barreira substantivamente rígida a ser enfrentada. A idéia de que São Paulo é a Capital mais importante da América Latina e de que o Grande ABC foi construído à sua sombra não pode conduzir os sete municípios locais ao fatalismo incontornável de periferia cultural e de todos os desdobramentos que isso implica. Entretanto, por mais que essa constatação incomoda, os desbravadores do primeiro projeto sistematizado para moldar o marketing regional não podem ignorar que se trata de uma realidade a ser combatida com engenho.
Os próprios consumidores do Grande ABC que têm oportunidade de manifestar discriminação qualitativa à região o fazem sem cerimônia. Uma empresa de São Bernardo, da área de informática, decidiu há algum tempo retirar de seus anúncios de vendas os números dos telefones que a identificavam com a região. Preferiu centralizar as vendas nos números da filial da Capital simplesmente porque os telefones de São Bernardo eram olimpicamente desprezados pelos consumidores em benefício dos da Capital. Posicionar-se como negócio de São Paulo passou a ser marketing da empresa.
Quem duvida do sentimento de Gata Borralheira da região em relação à Capital, e de Cinderela dos paulistanos em relação à região, provavelmente num exame de consciência deve se condenar à verdade de que já praticou esse tipo de pecado sociológico. Um novo exemplo: qualquer meio de comunicação da Capital que venha a publicar bobagens sobre a economia regional, como ocorre sistematicamente, ganha foros de sapiência simplesmente porque sua grife é da Capital.
A dependência cultural do Grande ABC está para São Paulo da mesma forma que a do Brasil para os Estados Unidos ou Europa. Quantas análises enlatadas de especialistas estrangeiros já provocaram dores de cabeça ao comando da política econômica e aos homens de negócios do Brasil? Basta um desses gurus macroeconômicos escrever aberração qualquer no The New York Times, no Times, no Financial Times ou em qualquer outro veículo internacional de comunicação, e lá estão nossos tupiniquins mimetizando com entusiasmo semelhante ao dos índios que recepcionaram Cabral e comitiva com seus badulaques.
Sem bitolas
O pior dos mundos -- e isso tem-se registrado com frequência em manifestações de agentes econômicos e sociais -- é contrapor-se à Síndrome de Gata Borralheira com a terapia de choques anafiláticos que exterminam qualquer possibilidade de manter vida inteligente no enfrentamento de uma situação que é antiga. Reações extemporâneas que simbolizem ações tópicas de bairrismo ortodoxo compõem as piores alternativas para dar credibilidade às vantagens comparativas do Grande ABC tanto para o público interno quando externo. A construção da autoestima regional é proposta de múltiplas ações, mas nenhuma se insere nas bitolas do ufanismo destemperado. Essa essência conceitual parece ter sido percebida pelo grupo de trabalho da Agência de Desenvolvimento Econômico.
O cronograma para deflagrar a engenharia de marketing do grupo da Agência não depende, entretanto, apenas de seus integrantes. Trata-se de uma ação a ser coordenada com ajustes e o envolvimento dos demais representantes de grupos de trabalho que se multiplicam para recapear em alguns anos as buraqueiras institucionais e técnicas que administradores públicos, embevecidos com a demorada avalanche de investimentos produtivos na região, cavaram com a imprevidência da falta de planejamento estratégico municipal e regional.
Agora é preciso correr atrás do prejuízo, com a certeza de que, contra o déficit que se apresenta, ainda existe disponibilidade de recursos para reverter a situação. É só não cair nos extremos de que o jogo está irremediavelmente perdido ou de que ganharemos de goleada quando a bola da recuperação socioeconômica começar a rolar para valer.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!