Sociedade

Que será do Defenda em meio ao
Festeja, ao Omita e ao Assalta?

DANIEL LIMA - 27/08/2014

O futuro do Defenda Grande ABC num ambiente em que vicejam e se fortalecem o Festeja Grande ABC, o Omita Grande ABC e o Assalta Grande ABC é um ponto de interrogação imenso. Sugerido por este jornalista e tendo como base de produção civilizatória um grupo de antigos conselheiros das publicações que dirigi, o Defenda Grande ABC caiu na real. Cair na real significa que grande parte dos interessados de primeira hora não parecem decididos a enfrentar diretamente o Festeja Grande ABC e o Assalta Grande ABC. Um número resistente de dirigentes não sucumbe às ameaças veladas e às pressões nem sempre discretas. Segue com entusiasmo a buscar mecanismos para dar sustentação ao movimento. Conseguirá? Esse é o grande desafio.


 


Uma certeza permeia o breve histórico de ações informais do Defenda Grande ABC: a maioria dos integrantes do movimento não se havia dado conta do que a espera. Enfrentar sobretudo o Poder Público é uma jornada indigesta. O Poder Público jamais está só, isolado, indefeso. Muito, muito pelo contrário. A permissividade é mais que latente, é desavergonhadamente sacralizada na região. Poucos têm interesse em participar de confrontos mesmo com o direcionamento de denúncias ao Ministério Público, interlocutor preferencial às providências que se tornariam inadiáveis.  


 


Há uma bifurcação que desafia os integrantes do Defenda Grande ABC: ou se vai à velocidade comedida mas segura em direção destemida em busca de um diálogo penetrante com agentes públicos e também com tentáculos privados ou racha de vez a possibilidade de se contar com uma instância integrada por agentes de uma sociedade longe de ser organizada.


 


Variáveis sociais


 


Uma sociedade que, em larga maioria, integra o Omita Grande ABC, ou seja, a grande massa da população que, por razões diversas, mantém distância de ações mobilizações coletivas. Tudo isso para felicidade do Festeja o Grande ABC e do Assalta Grande ABC. O primeiro agrupamento informal, segmentado mas unido na arte de ganhar sempre, é formado por gente que se infiltra no Poder Público para extrair o máximo de vantagem. O segundo não faz a menor cerimônia para se refestelar nos cofres públicos. A linha divisória entre o Festeja e o Assalta é tênue.


 


Uma reunião programada para segunda-feira, oito de setembro, envolvendo dirigentes do Defenda definirá o rumo a ser tomado. Por isso, uma leitura atenta do artigo do professor de Ética e Filosofia da USP, Renato Janine Ribeiro, publicado no caderno “Aliás” do jornal O Estado de São Paulo de domingo último deve servir de inspiração aos próximos passos que o Defenda pretende dar. Os ensinamentos do filósofo são preciosos para compreender a razão da primeira crise diretiva do Defenda, que culminou no afastamento de três dirigentes. Entre os desertores consta o então presidente eleito, Elísio Peixoto.


 


A tentativa de transformar o Defenda num movimento facilmente domesticável, sob o pretexto de atuar com diplomacia nas relações com agentes públicos, provocou a crise. E não poderia ser diferente, sob pena de o movimento perder o sentido com que foi concebido. Elísio Peixoto não compatibilizou internamente,  ante audiência restrita de companheiros de diretoria, as assertivas enfatizadas em ambientes informais, ou seja, que o Defenda seria incisivo contra os maus usuários de dinheiros públicos na Província do Grande ABC.


 


A ênfase de que  ações diplomáticas seriam a marca do movimento subvertia a premissa orgânica de que ao Defenda Grande ABC o que menos interessa é aproximar-se demais de instâncias a serem monitoradas. É ingenuidade demais acreditar que o Poder Público receberá com salamaleques quem quer que seja que em nome da moralidade e da ética se apresentar para questionamentos.


 


Filósofo inspirador


 


O filósofo Renato Janine Ribeiro deve servir de inspiração ao resgate da concepção com que os dirigentes e associados do Defenda Grande ABC devem agir se pretenderem construir um enredo diferente de tudo que está aí em matéria de institucionalidade. Cair nas malhas da conveniência comum às organizações sociais, empresariais e sindicais da região, que nada acrescentam à cidadania, é muito mais fácil. Mais que não acrescentar nada ao coletivo, essas representações avalizam despudoramente as deformações do organismo regional. Afinal, prevalece a premissa de quem cala, consente.


 


A distância que separa o conceito aprovado pela maioria dos dirigentes, fieis às prerrogativas iniciais de requerer investigações às denúncias de maus-tratos de recursos públicos, e a política de punhos de renda que os dirigentes demissionários introduziram inadvertidamente no coração estatutário e do regimento interno do Defenda Grande ABC, está consolidada no artigo de Renato Janine Ribeiro.


 


Uma leitura atenta será suficiente para que, se ainda existir dúvidas inclusive internamente no Defenda Grande ABC, a próxima reunião do movimento será definitiva à escolha das armas com que se conduzirá na interlocução com os podres poderes públicos. Leiam alguns trechos do artigo do professor de Ética que integram uma consolidada manifestação sobre a mais recente mania incensada pelas redes sociais – um balde de gelo na cabeça:


 


 Uma decisão ética não pode levar em conta os efeitos que ela terá – significando as vantagens ou desvantagens que trará, para todos, mas particularmente para mim. Dessa maneira se recortam, para usar uma linguagem mais recente, a esfera da ética e da prudência. Ajo com prudência quando busco resultados positivos. Procuro a vantagem pessoal. Ou, na melhor das hipóteses, diante de uma injustiça percebo que reagir acarretará problemas sérios para mim, ou mesmo para o injustiçado, e procuro uma via indireta para reduzir danos. Já a ação ética não deve levar em conta o que ela há de produzir. Uma injustiça é uma injustiça, ponto, e deve ser confrontada. Deixemos claro: a maior parte das pessoas, a maior parte das vezes, age (ou pensa agir) com prudência. Mas quem faz a diferença é a pequena minoria de pessoas – e ações – que responde a um clamor ético. Nosso mundo seria um horror não fossem os heróis que, de tempos em tempos, afrontam as potestades, deixam de lado a prudência (“ho perduto la prudenza”, diz uma personagem de Dom Giovanni, de Mozart) e partem para a luta. Muitas vezes sucumbem, mas, se a vida humana tem algum valor além do biológico, é graças a eles. O que seria a humanidade, não fossem esses faróis que abrem caminhos antes insuspeitos? Sem eles, teríamos escravidão, mutilação genital, subordinação das mulheres aos homens, dos pobres aos ricos, dos plebeus aos nobres, tudo isso que – pelo menos nos últimos 200 anos – vem sendo questionado e, ao ser vencido, melhora o nosso mundo. (...) No seu livro A Casa da Rússia, John le Carré diz, a certa altura: “Hoje, para alguém ser ético, às vezes precisa ser herói”. Não é sempre que a exigência é tão elevada. Às vezes, basta ser decente. Mas a ética é o que impõe devolver o dinheiro achado que não é nosso, defender o injustiçado, acudir o acidentado e, por que não, votar de maneira consciente. Em todos esses casos pode haver um sacrifício, um prejuízo, e ele é da substância do heroísmo. No limite, precisaríamos aprender que há casos – felizmente raros, atualmente – em que a própria vida deve ser posta em risco em nome de um ideal maior – escreveu Janine Ribeiro.


 


Heróis dispensáveis


 


Transplantar os ensinamentos do filósofo uspiano aos integrantes do Defenda Grande ABC não é exagero. Há intensa compatibilidade de pressupostos, embora flagrantemente distante de posições heroicas. Até porque nem é preciso tanto, convenhamos.  .


 


Ainda outro dia, após o afastamento do presidente Elísio Peixoto da direção do Defenda Grande ABC, preparei dois enunciados sobre o futuro do movimento. Havia um ambiente de crise. Era preciso tomar o pulso do movimento. Saber o que pensavam os diretores. Enviei o material em forma de escolha excludente. Os dois cenários contemplavam exatamente o que várias semanas depois apareceu em forma de artigo assinado por Renato Janine Ribeiro – ou seja, a distinção entre prudência e ética. Ou, cá entre nós, de diplomacia e de ousadia.


 


Acompanhem os dois enunciados levados aos conselheiros em mensagens eletrônicos, referindo-se aos conceitos que deveriam contemplar tanto o novo estatuto social como o regimento interno:


 


 Pretendo manter-me como dirigente do Defenda Grande ABC desde que os pressupostos da entidade sejam tanto no estatuto social quanto no regimento interno voltados ao combate intransigente à corrupção em nossa região. Devem imperar nesses dois documentos um tom de independência, de incômodo mesmo, porque entendo que não é possível alcançar os objetivos necessários se não formos incisivos e claramente opositores na formulação sustentada de irregularidades com o dinheiro público.  .


 


 Pretendo manter-me como dirigente do Defenda Grande ABC desde que os pressupostos de diplomacia sejam soberanos, ou seja, desde que não tenha de me expor em ações (por mais justas, assentadas e sustentáveis que venha a ser formuladas) que possam me causar inquietações pessoais e profissionais. Meu limite para atuar no Defenda se esgotam no conjunto de interesses de minhas atividades. Desta forma, tanto o estatuto social como o regimento interno têm de estar associados a uma ação que consideraria a entidade suplementar na luta pela moralidade e ética dos gestores públicos, jamais como protagonista.  


 


Dissidente vazio


 


Dos 12 dirigentes aos quais foi encaminhada mensagem eletrônica, todos consideraram o primeiro enunciado a razão principal de criação do Defenda Grande ABC. Apenas um desses 12 dirigentes, último a se manifestar, quebrou o protocolo ao considerar “caricata” a alternativa número dois, embora contraditoriamente votasse na primeira que, pressupostamente, seria a única à disposição. O processo, portanto, teria vício de origem.


 


A adjetivação utilizada pelo dissidente estava completamente deslocada do ambiente de respeito e colaboração diretivos. Não pela qualificação em si, mas porque não reuniu um parágrafo qualquer que justificasse a iniciativa. É muito pouco provável que o autor da contestação vazia volte às reuniões do Defenda Grande ABC. Talvez ele tenha regredido no tempo e confundido parceiros do movimento com meninos como os quais corria atrás de pipas, de bolas de futebol e de outros brinquedos infantis. O Defenda Grande ABC não é um parque infantil. Até porque, a totalidade dos dirigentes já passou da idade para tanto.


 


Um dos preceitos do Defenda Grande ABC é que qualquer iniciativa dos integrantes que signifique juízo de valor sobre relações internas e externas não pode soar como ofensa, como indelicadeza, como agressão. Tudo isso está textualmente configurado na mensagem do dirigente que tratou a todos com desdém ao não justificar a expressão pretensamente desclassificatória de um dos enunciados analisado pelos demais dirigentes. A falta de clareza quando não de franqueza para não dizer de conteúdo nas relações coletivas é um passo à perdição.


 


A ética que conduzirá o Defenda Grande ABC não abrirá mão de suposta acidez no tom com que se dirigirá aos poderes públicos resistentes à transparência no uso de dinheiro do contribuinte. Qualquer iniciativa em contrário será a negação do movimento. A Província do Grande ABC já esgotou todos os meios diplomáticos convencionais para corrigir-se, sobretudo porque costumeiramente as aproximações com esse viés acrescentaram mais camadas de sordidez entre supostos representantes da sociedade e os podres poderes públicos. Diplomacia é invariavelmente um eufemismo para relacionamentos espúrios. A política de aproximação formal, com cobrança de transparência, e de distanciamento físico, é a melhor maneira de evitar o mergulho no pântano.


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