É uma contradição que a política partidária abusada, o interesse econômico desesperado e a ética fragilizada explicam: o Poupatempo previsto para Santo André será Gastatempo para a maioria da população. Explico: a localização escolhida a dedo, o Atrium Shopping, está muito distante do centro logístico da cidade, a região dos terminais rodoferroviários. Em plena Era de inquietação com os desarranjos da mobilidade urbana, quando tudo deveria estar voltado à qualificação da distância entre dois pontos, o governo do Estado e a Prefeitura de Santo André deslocam o empreendimento social a um canto geográfico, enquanto o centro está livre e solto.
O que mais causa espanto a alguns que ainda acreditam que a gestão pública não pode ser um jogo de cartas marcadas e tampouco se dobrar a interesses obscuros é que o anúncio do Poupatempo não tenha provocado nenhuma reação, senão a comemoração da Administração Municipal.
O Poupatempo é uma grande invenção do governo do Estado ao organizar e sistematizar no mesmo espaço físico o atendimento do cidadão antes disperso e desrespeitoso. É um achado de racionalidade operacional. Por isso mesmo não comportaria tamanho desprezo ao bom senso.
Quem conhece minimamente a geografia de Santo André sabe que para chegar ao Bairro Homero Thon, onde estará instalado o Poupatempo, a maioria da população motorizada ou não vai gastar mais tempo e dinheiro com deslocamentos do que se o projeto inicial, no Centro, fosse consumado. É em direção ao Centro que a quase totalidade das linhas de ônibus se dirige. Não fosse assim, não seria Centro.
Economia ameniza
Os gargalos viários nas imediações do Atrium Shopping, mesmo com as obras de contrapartidas da Brookfield pela ocupação de amplo espaço, vão ser ainda mais desgastantes. Quando escritórios, apartamentos e hotel, que fazem parte do complexo de investimentos, virarem realidade, o mínimo que se pode esperar é que o inferno foi definitivamente multiplicado àquela área. Sorte é que tudo isso vai demorar um bocado ante o excesso de ofertas e a escassez de demanda à ocupação daquelas torres.
O escândalo do Poupatempo, que incentiva o Gastatempo, é a rendição da Administração Carlos Grana a interesses econômicos que privilegiam o Atrium Shopping, empreendimento em busca de salvação ante a escassez de consumidores.
O sorriso que contemplou o rosto do prefeito Carlos Carla e da secretária Oswana Fameli, em flagrante documentado pela Imprensa na semana passada, poderia ser traduzido como a síntese da dissimulação. Ambos cansaram de declarar que o Atrium seria um marco de desenvolvimento econômico em Santo André e agora sentem o tamanho do enrosco.
Prefeito e vice-prefeita mal sabem que em lugar algum do mundo shoppings podem ganhar tamanha responsabilidade social porque são geneticamente centros de consumo, não de produção. E roubam consumidores dos pequenos negócios de rua. Um jogo desigual próprio do capitalismo sem juízo que não oferece anteparos para reduzir o impacto concorrencial.
A projeção de que o Atrium vai ganhar 40% de potenciais consumidores com a inclusão do Poupatempo no portfólio de atendimento não significa muita coisa. Por mais que todos os caminhos que levarão ao Poupatempo tenham de passar pela entrada principal do Atrium, acrescentar 40% a quase nada que hoje passa pelos corredores de lojistas em estresse absoluto não alteraria significativamente o fluxo. As declarações de dirigentes do Atrium de que de 10 mil a 15 mil pessoas passam pelo empreendimento tem tanta consistência quanto um bolo de gelatina.
Políticos apreensivos
A bem da verdade o Atrium Shopping não será o primeiro empreendimento do gênero a recepcionar unidade de Poupatempo. Há outros exemplos no Estado de São Paulo. A diferença é que em Santo André se jogou na lata do lixo todo o receituário de atendimento aos interesses da maioria da sociedade quando se deslocou o empreendimento social à periferia. O Atrium ganhou um presente e tanto mas daí a acreditar que haverá revisionismo no plano de metas de faturamento dos lojistas que estão em pé de guerra com os administradores e proprietários é outra conversa.
Alguma coisa há de melhorar, é verdade. Aqueles corredores enfileirados de tapumes à espera de lojistas que não chegam, porque os que estão querem mesmo é debandar, aqueles corredores deverão ganhar alguma vida. Seria isso justo com os demais empreendimentos solteiros e coletivos em Santo André, ou seja, com lojistas de rua e lojistas de outros shoppings?
Que têm feito o prefeito Carlos Grana e a secretária Oswana Fameli pelos pequenos negócios, além da demagogia barata de alardearem planos de descentralização de consumo que jamais se consolidam? Que política pública foi planejada e aprovada para incentivar o marketing econômico nos bairros de Santo André? Nada vezes nada. Tanto quanto em outros municípios locais.
O poder de sedução do Atrium Shopping é extraordinário. Os jornais jamais se dignam a relatar os fatos que cercam o empreendimento como fracasso temporário que solapa a vitalidade econômica de pequenos empresários que investiram tudo o que tinham na esperança de que o jogo da competitividade que jogariam para atrair a clientela a seus empreendimentos dependeria apenas das condições já conhecidas e que se resumem ao chamado mercado.
Mal poderiam imaginar que o encavalamento de problemas, entre os quais do sistema viário no entorno do empreendimento, o transformariam em heróis da resistência que não encontram respaldo na renegociação de contratos de locação muito mais acessível, por exemplo, aos lojistas de Golden Square, em São Bernardo, empreendimento que também não vai bem das pernas.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!