Sociedade

Será que o Defenda Grande ABC
vai reduzir sucateamento social?

DANIEL LIMA - 22/09/2014

Tenho sérias dúvidas sobre as possibilidades de o movimento Defenda Grande ABC reduzir o escancaradíssimo sucateamento da sociedade regional. Que sucateamento é esse que se pretende esconder sob a maquiagem da obscuridade que reina na Província do Grande ABC? Simples, muito simples: não existe massa crítica coletiva para enfrentamentos que se fazem necessários, sobretudo no monitoramento das atividades dos gestores públicos municipais. A regra geral e irrestrita é a concordância seguida de cooptação pelos poderosos de plantão, quando não o silêncio constrangedor de quem teme represálias.  

 

Em fase de rearrumação estatutária depois de investida totalitária disfarçada de democracia do presidente eleito precocemente, no caso o ex-candidato a vereador de São Caetano, Elísio Peixoto, o Defenda Grande ABC não inspira grandes mexidas no tabuleiro de interesses cruzados que são a regra da Província do Grande ABC. Como integrante do movimento mas, acima de tudo jornalista, não sonegarei conclusões. 

 

Escrevo com a liberdade e a independência, quando não com a humildade de reconhecer que são poucos os moicanos a resistir ao esboço do esboço do esboço de constituição de uma organização que tenha o Poder Público municipal na alça de mira porque o Poder Público municipal ao redor de regiões metropolitanas goza de imunidades proporcionadas pelo descaso das grandes mídias.  

 

A Província do Grande ABC é majoritariamente alinhada a instituições não formalizadas mas fortemente atuantes na preservação de vantagens individuais e grupais que afrontam o conjunto da sociedade. A principal organização não oficial é a Festeja Grande ABC, mas também existe a Omita Grande ABC e a Assalta Grande ABC.  

 

Um corpo estranho 

 

O Defenda Grande ABC é um corpo estranho e não autorizado em meio àqueles três cavaleiros do Apocalipse social. O Festeja Grande ABC refestela-se no entorno dos podres poderes, recolhendo nacos de concertos político-empresariais. O Assalta Grande ABC está incrustradíssimo nos organismos públicos, com suporte de uma casta de gentes finíssimas do empresariado estrategicamente posicionadas em torno de objetivos deliberados de enriquecimento rápido ou de sustentação dos ganhos acumulados. O Omita Grande ABC é a maioria da população que não participa de nada, não quer nada, está desiludida com supostas representações sociais e já entregou os pontos há muito tempo.  

 

Nada muito diferente do retrato do Brasil, mas com viés ainda mais dramático. Há muito a Província do Grande ABC deixou de nadar de braçadas em desenvolvimento econômico.

 

Quem quiser garantir sucesso de aglutinação em torno de interesses específicos que não tenham nada a ver com a abertura de chiqueiros de condutas individuais e coletivas nos poderes públicos municipais não deve mesmo se incorporar ao Defenda Grande ABC.  

 

Por natureza, o Defenda é o anticlímax da popularidade. Questionar os podres poderes públicos não é tarefa das mais tranquilas. Retaliações já se fizeram e outras se farão para dividir e azucrinar a vida dos participantes do Defenda. Não à toa o Defenda conta com poucos combatentes. E mesmo estes poucos ainda não encaixaram uma metodologia que os coloque a salvo de perseguições individuais. 

 

Sucesso duvidoso 

 

Com a experiência de quem participou ativamente do Fórum da Cidadania, dos primeiros dias de glórias até os últimos dias de desilusão, e também escolado nos últimos meses com o processo de concepção e operacionalização estrutural do Defenda Grande ABC, sou obrigado a manter a sinceridade com bandeira ética. E por conta disso não posso fugir à realidade dos fatos: não acredito no sucesso do Defenda Grande ABC porque é evidente, entre vários dos integrantes que ainda restam, não haver o empuxo de entusiasmo e de determinação que demarcariam o terreno da prospecção de novos tempos.  

 

O Defenda corre o risco de virar um clube fechado dedicado a happy-hours supostamente consagradores de medidas restauradoras do tecido social e econômico da região. 

 

Pode soar broxante a afirmativa de que não acredito no sucesso do Defenda Grande ABC, mas seria muito mais impiedoso e certamente venal afirmar o contrário para agradar companheiros de viagem. Há um vácuo imenso entre as estripulias público-privadas na região e o respaldo social a uma entidade que se dedicaria a apontar as irregularidades diretamente ao Ministério Público, como pretende o Defenda Grande ABC.  

 

É claro e cristalino que uma parte do que sobrou do movimento está inquieta com os rumos das inescapáveis denúncias. Há uma desconfiança quase generalizada sobre os próprios meios de atuação do Ministério Público na região, longe de contar com infraestrutura física e de recursos humanos para dar conta do recado. 

A consagração dos corruptos denunciados ganha forma na denúncia que não prospera no ambiente ministerial, ou prospera de forma tão vagarosa que cai no esquecimento, quando não é estranhamente engavetada. 

 

Experiência importante 

 

Tem sido bastante interessante a este jornalista a tentativa de criar o Defenda Grande ABC juntamente com iniciais quatro dezenas de voluntários, muitos dos quais solidários à proposta até que passaram a entender que o jogo seria pesado. Não teria me sentido tão bem como jornalista que há muito perdeu a inocência sobre a potencialidade de rupturas indispensáveis que redundem em conquistas sociais se não houvesse um Defenda em minhas atividades. Assim como as atividades no Fórum da Cidadania se converteram em atestado de pós-graduação de conhecimento da alma individual de representantes de entidades coletivas, muitas das quais só existiam e ainda existem de fato em algum cartório de registros de documentos.  

 

A vantagem que acumulei à empreitada cada vez mais débil porque está caindo a ficha do que pode ser o dia seguinte é que cheguei vacinado ao Defenda Grande ABC. O Fórum da Cidadania, liderado pelo Diário do Grande ABC, foi o maior de todos os aprendizados de intersecção social já vivido na região. Quem participou para valer e com um mínimo de senso crítico sabe do que estou falando.  

 

Depois do Fórum da Cidadania, qualquer iniciativa coletiva que tenha a pretensão de colocar algumas coisas da vida pública da Província do Grande ABC nos eixos não pode pecar pela ingenuidade e tampouco pelo corporativismo. A ingenuidade conduz à decepção inesperada e o corporativismo à falsa ideia de que se está de verdade resolvendo questões que ultrapassam os limites da organização.   

 

O Defenda Grande ABC ainda está em fase de reformulação estatutária que até poderá se consolidar e ganhar o formato legal como tantas outras instituições. A primeira incursão, extremamente burocratizada e completamente fora dos eixos de condução colegiada da instituição, deu com os burros nágua ante minha intervenção isolada de oposição ao modelo. Uma intervenção que, em seguida, contou com o suporte de todos os demais dirigentes do Defenda sem compromisso visceral com a formulação técnica da proposta. De 15 dirigentes eleitos, apenas três, que participaram diretamente da confecção do estatuto, escafederam-se. Um quarto dirigente, desrespeitoso quanto aos desdobramentos das medidas para recolocar o movimento nos trilhos teóricos exigidos pela legislação, fugiu da raia antes que fosse eliminado.  

 

Os dirigentes à frente do Defenda Grande ABC não podem perder a perspectiva de que estão entre dois mundos: o primeiro de dar consistência e ir adiante na formulação e nas ações do movimento, pegando para valer os maus políticos e assessores da região; o segundo de recuarem enquanto é tempo porque, caso contrário, vão ter de enfrentar problemas sérios que, por dever de ofício, este jornalista encara com certa naturalidade e dos quais jamais fugirá porque a essência da profissão é o oposicionismo aos malfeitos.  

 

Por essas e por tantas outras razões não acredito, sinceramente, que o Defenda Grande ABC sairá dos casulos estatutários para uma ação convergente em apoio a uma sociedade que se omite, a dirigentes periféricos do Poder Público que se locupletam como mandachuvinhas e de altos calibres político-partidários que atuam com a força de mandachuvas aparentemente imunizados contra o Ministério Público.

 

A Província do Grande ABC chegou ao ponto de, sustentados por mídias omissas ou comprometidas com os podres poderes, os integrantes do Festeja Grande ABC e do Assalta Grande ABC se instalam num patamar de conforto ante a baixíssima probabilidade de punição. 

 

Fosse essa a cara única da moeda de consequências do momento regional, tudo seria menos dramático. A outra face da moeda de aviltamento da sociedade omissa é que os poucos e dedicados denunciadores de irregularidades e apontadores críticos de políticas erráticas tanto no campo social quanto no econômico são taxados inclusive entre os mais próximos como supostos irresponsáveis porque os resultados dos trabalhos não frutificaram no campo investigatório e, se não frutificaram, verdades possivelmente não eram. Ou seja: é a completa desmoralização da cidadania em prol do banditismo generalizado de instâncias mancomunadas com os poderosos de plantão.



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