Quem assiste à telenovela das nove sabe quem é Teo Pereira, o blogueiro que escarafuncha a vida pessoal de muita gente fina da sociedade carioca. A ficção faz muito barulho porque os escândalos sobre os quais o personagem de Paulo Betti se lança são mesmo de lascar, embora nos capítulos mais recentes ele tenha se dedicado mais mesmo a retirar do armário um cerimonialista de eventos que conheceu nos tempos colegiais, pelo qual foi e continua apaixonado. Teo Pereira barbarizou nos últimos capítulos ao revelar justamente durante uma grande festa a grande bomba do relacionamento homoafetivo do personagem de José Mayer.
É desse tipo de blogueiro que a Província se ressente. A missão de escrever seriamente sobre a vida econômica e social local se rivaliza com a arte de soltar bolhas de sabão. Não dá em nada, porque tudo está dominado e sacramentado.
Vivesse na Província do Grande ABC Teo Pereira iria se esbaldar ante o painel comportamental nada diferente do da maioria das grandes cidades. A humanidade segue um ritual ditado por reincidências determinadas pela compulsoriedade de que a carne é fraca, os bolsos são largos e as cabeças livres de atormentações.
O jornalismo ficcional praticado por Teo Pereira é uma vingança do autor de “Império” contra blogueiros que perseguem artistas na vida real. Manoel Carlos levou ao paroxismo a caricaturização da aversão a jornalistas escravos de cliques digitais. O desempenho de Paulo Betti é espetacular embora totalmente fora dos limites legais que os jornalistas da vida real exercitam. Mexer com a vida alheia, sobretudo mexer com as intimidades da vida alheia, é a última etapa que alguém pode percorrer na maratona inescrupulosa de descontruir imagens.
A gravidade de dedicar-se ao estraçalhamento da vida pessoal de terceiros é tão abominável quanto o reverso de Teo Pereira, ou seja, de blogueiros e colunistas sociais empenhados em artificializar heróis e benemerentes. Nesse caso, não faltam assessorias especializadas em transformar bandidos em mocinhos tanto na vida pessoal quanto na profissional e institucional.
Cantando de galo
Jamais em toda minha carreira profissional fui seduzido pelas facilidades de distribuir golpes contra eventuais desafetos invadindo-lhes as entranhas pessoais. Tivesse um mínimo de flexibilidade moral e ética, garanto que muita gente dessa Província estaria em maus lençóis. Literalmente em maus lençóis. Conheço gente que canta de galo em todas as esquinas e no final da noite morre numa esquina qualquer.
Conheço também chantagistas de primeira linha que, mancomunados com políticos embasbacados com o poder, abrem avenidas de particularidades que pavimentam o caminho da perdição em forma de aquiescimento a concessões aparentemente impensáveis.
Podres poderes da Província em muitos casos começam e terminam submetidos a condicionantes que vão muito além do espaço corporativo e institucional. Há determinadas situações que parecem inverossímeis porque conflitam com histórico precedente e cuja explicação, se descobre, está muito além do que a coerência sugere. Muitas vezes é a sobrevivência da imagem que está em jogo como desdobramento do que se convencionou chamar de chave de coxa, expressão tão chula que só reproduzo porque não teria outra forma menos grosseira de explicação.
O Teo Pereira da novela das nove ainda não existe na Província, mas não faltam Teos Pereiras off-line. Talvez Manoel Carlos tenha se inspirado nesses exemplares que abundam nas praças para conceber o personagem que eletriza a audiência. Os Teos Pereiras off-line se dividem em vários perfis, de gente que fala com algum fundamento até fofoqueiros inveterados que atiram para todos os lados sobre a vida pessoal de terceiros justamente para ganhar salvo-conduto. São tão babacas os falseadores ou tradutores de supostos segredos de alcova que mal se dão conta de que o que querem mesmo é passar a impressão de que não pertenceriam ao clube de diferenciados que denunciam com sarcasmo programado. Freud explica.
Penalidades ameaçadoras
O mundo da maledicência pessoal é elástico e escorregadio. O risco de ultrapassar os limites da informalidade e ganhar contornos de materialidade nas redes sociais inibe a profusão de exageros dos primeiros tempos de deslumbramento nas plataformas digitais. Há sempre a ameaça judicial aos excessos. Legislação restritiva eleva o grau de frustração dos prevaricadores por natureza e safadeza.
Mesmo o personagem Teo Pereira, quando não sua assistente, enfatiza implicações legais que noticias abusivas podem lhe causar. Teo Pereira está penduradíssimo num varal de ações judiciais. Tanto que no caso do cerimonialista retirado do armário, Teo Pereira procurou fechar todas as portas possíveis ao arrombamento indenizatório. Um flagrante fotográfico registrado pela assistente o levou ao êxtase e virou um inferno para o personagem de José Mayer.
Conheço um personagem de carne e osso que se encaixaria no papel histriônico de Teo Pereira como um par de luvas. Até nos trejeitos é uma réplica estereotipada do blogueiro da Globo. Nosso personagem regional é mais recatado e dissimulado, mas o vício faz a boca torta. Bem relacionado, falante e topetudo, sempre é destaque em qualquer ambiente. Essa espécie de Teo Pereira da vida real mas sem o poder midiático ficcional tem queda especial por sapatos femininos. Dizem também que não resiste a um vestido bem cortado e a uma saia justa.
Entrega a rapadura quando tem diante de si um exemplar feminino que gostaria de ser. Minha porção improvisada de Teo Pereira para retratar o imperdível Teo Pereira regional termina por aqui. Cala-te boca.
Parafraseando o autêntico Teo Pereira, nem morto digo de quem se trata. Não tenho a menor vocação ao Teo Pereira ficcional ou ao Teo Pereira real. Minhas intervenções jamais ultrapassaram os limites de quem faz do jornalismo uma travessia semelhante a de um religioso que transporta uma imagem sagrada. Não invado o quarto de ninguém, embora tenha consciência de que, se o fizesse, meus alvos estariam literalmente ferrados porque não sobraria pedra sobre pedra. Do jeito que sou encardido, iria botar fogo na lona desse circo de horrores e amores legais e clandestinos na Província do Grande ABC. Todos mereceriam.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!