Economia

Lulacá! (Decididamente?)

DANIEL LIMA - 21/11/2006

A reeleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva pode até não ser a melhor notícia para a economia do Grande ABC neste final de temporada, mas, levando em conta o contexto que o confirma no poder central, deve ser recebida com satisfação. Os quatro primeiros anos de Lulacá foram mais prospectivos que os dois mandatos seguidos de Fernando Henrique Cardoso. A comparação chega a ser desproposital e ofensiva porque FHC despejou mísseis que atingiram em cheio o coração industrial da região. Lula também supera largamente os 12 anos do governo estadual de Mário Covas e de Geraldo Alckmin, oito dos quais coincidentes com os mandatos de FHC. Covas e Alckmin privilegiaram o torniquete fiscal e o implacável controle orçamentário mas especializaram-se também no pouco-caso com o Desenvolvimento Econômico de um Estado fortemente atingido pela guerra fiscal.


A constatação de que o Grande ABC se deu melhor com o governo petista do que com governo dos tucanos não significa que o ex-metalúrgico de São Bernardo e sua equipe de ministros e assessores tenham assimilado a dimensão de necessidades e carências de uma região metralhada pela abertura econômica dos anos 1990, sobretudo no período de FHC. Foram anos de chumbo de moeda valorizada, juros elevadíssimos, escancaramento alfandegário na indústria automotiva e descentralização geográfica de montadoras de veículos incentivada com dinheiro barato. Tudo isso provocou rombos estratosféricos na estrutura socioeconômica da região. Foram destruídos 81.327 empregos industriais com carteira assinada. Já um terço do Valor Adicionado, espécie de PIB (Produto Interno Bruto), foi dissolvido e deixou rastro de desemprego, subemprego e informalidade, além de comprometedores índices de criminalidade.


O melhor caminho para tornar minimamente palatável aos opositores petistas a afirmativa de que o governo Lulacá se conduziu bem acima dos sofríveis legados econômicos regionais de Mário Covas, Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso é excluir de qualquer avaliação tudo que se refere às travessuras éticas e administrativas do PT. Até porque esses pecados nada diferem de malversações de outros partidos. O modus operandi de financiamento da democracia no País é tão antigo quanto andar para frente. Mudam-se terminologias, sofisticam-se golpes, mas no fundo é tudo igual.


A idéia de que desastrados petistas inventaram o mensalão, criaram o esquema de compra de dossiês, abriram porteiras do loteamento de cargos comissionados para companheiros de partido e que patrocinaram de forma inédita outras desventuras políticas e eleitorais é tão verdadeira quanto aceitar como inquestionável o conceito de invulnerabilidade ética propagado pelos mesmos petistas, supostas virgens do bordel partidário quando assumiram o governo federal.


Ninguém deve ser induzido à ingenuidade de dar crédito à versão de que há veracidade no enunciado de que antes da vitória de Lula da Silva em 2002 os petistas eram as únicas donzelas em casa de tolerância. Nem tampouco do suposto outro lado da moeda de que os mesmos petistas são agora os únicos mercadores do corpo partidário nessa mesma casa de tolerância. Essa equação não fecha para quem conhece minimamente os meandros da política nacional e observa o cenário político sem partidarismos. A sacralização petista do passado e a demonização pós-mensalão não passam de maquiavelismo eleitoral. Apenas aos acadêmicos que vivem em redomas refrigeradas e portanto fora do mundo prático da política deve-se dar crédito de ingenuidade de que os petistas inauguraram o caminho do inferno ético. Quem vive relativamente próximo de qualquer escalão de poder político-administrativo sabe que o buraco das maracutaias é muito mais embaixo e que mecanismos democráticos para minimizá-lo são desafios à escassa cidadania nacional.


O que eventualmente se pretende ou se anuncia empreender para moralizar a democracia de votos não deve contaminar indicadores de resultados econômicos práticos que confrontem o petismo e o tucanato no Grande ABC nos últimos 12 anos. Nesse acerto de contas, os resultados locais de administrações públicas devem ser colocados à margem. Mesmo sob bandeiras multicoloridas, os prefeitos locais estão estratificados nos dois partidos que de fato comandam o jogo eleitoral dos paulistas.


A pior alternativa para um exame comparativo entre os resultados econômicos dos oito anos de FHC no governo federal, dos 12 dos tucanos no governo estadual e dos quatro dos petistas no governo federal é desviar o foco para qualquer outro campo. Mais que isso: a vantagem do governo Lula da Silva é constatação que se circunscreve ao território do Grande ABC. Não entram nessa contabilidade indicadores macroeconômicos diversos como crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), inflação, câmbio, juros, ou elementos microeconômicos, como reforma trabalhista, reforma fiscal, estrangulamento da infra-estrutura, investimentos em Ciência e Tecnologia, entre tantos. Não devem ser contadas também intervenções sociais nas áreas de saúde e educação, na maioria dos casos recursos carimbados, ou seja, de aplicação constitucional obrigatória. O embate está focado em vetores econômicos regionais e nas repercussões sociais decorrentes disso.


A vantagem do governo Lula da Silva, entretanto, está muito abaixo da potencial recuperação do tecido regional depois das perdas e dos danos dos anos 1990. Em comum entre os dois períodos — dos governos tucanos e do governo petista — segue o quase funeral institucional do Grande ABC. A mobilização de representantes governamentais, econômicos e sociais como legítima expressão do direito de exigir investimentos ao retorno prático dos recursos fiscais extraídos de pessoas físicas e jurídicas locais está a léguas de distância das crateras que se abriram na qualidade de vida regional.


A ausência de interlocução estratégica entre o Grande ABC, o Palácio dos Bandeirantes e o Palácio do Planalto coloca em situação de igualdade a disputa entre petistas e tucanos no campo diplomático, bem como ajuda a explicar por que a região acusa há tanto tempo estocadas de um modelo de concentração econômica nas grandes empresas, em detrimento da raquitinização das pequenas e médias. Nesse ponto, o governo Lula da Silva tem carga de culpabilidade menor apenas porque está um terço do tempo no poder em relação ao trio FHC-Covas-Alckmin. Entretanto, faltou-lhe no mínimo sensibilidade para preencher espaço dolorosamente inobservado pelos tucanos.


É inconcebível que o Grande ABC não tenha massa crítica suficiente para juntar pedaços de um quebra-cabeças de interesses conflitantes de agremiações políticas para encontrar o caminho das pedras da racionalidade institucional. A resposta para esse desafio é simples: um representante do governo estadual e um representante do governo federal atuariam permanentemente em colaboração com organizações locais com o objetivo claro de priorizar medidas que possam reequilibrar a atividade econômica na região.


Fisicamente mais próximo, o governo estadual tem repetido desdém ao Grande ABC. O dilúvio que atingiu montadoras e autopeças locais é emblemático. As imprevidentes decisões de Fernando Henrique Cardoso foram olimpicamente ignoradas por agentes locais e estaduais. A festejada Câmara Regional de Desenvolvimento Econômico, com o então governador Mário Covas na dianteira, não passou de fábrica de promessas jamais cumpridas, de usina de dispersão temática e de centro tecnológico de cenários virtuais.


Dizer que havia interesses antagônicos em jogo num período em que a maioria das prefeituras do Grande ABC professava o evangelho petista é apenas parte da verdade. Primeiro porque nenhum prefeito na história regional mobilizou-se tanto na articulação doméstica de iniciativas da Câmara Regional como Celso Daniel. Segundo porque o predomínio sequencial e igualmente proporcional de agremiações não-petistas na direção dos Paços Municipais da região — hoje com vantagem de cinco a dois que o PT anteriormente detinha — não modificou em nada o perfil de desinteresse. Trata-se de situação patológica que requer cirurgia radical em vez de analgésico.


Da mesma forma que o Grande ABC não teve competência para gerenciar idiossincrasias endemicamente arraigadas num território dividido em sete partes desiguais que se fingem irmanadas, o governo do Estado e a presidência da República sob o controle do PSDB nada fizeram para estancar a desindustrialização, gênese do esfacelamento social. Pior que isso: enquanto Fernando Henrique Cardoso enfiava goela abaixo da região uma abertura econômica desalmada porque imprudente, o governo Mário Covas e o governo Geraldo Alckmin que o sucedeu esmeravam-se em cuidados administrativos para estancar despesas, conter investimentos e elevar receitas por meio de rígidas medidas fiscais. Entretanto, eles fecharam os olhos e a alma aos efeitos deletérios da guerra fiscal, em parte por arrogância de conduzir o Estado líder da Federação. A densidade empresarial do Grande ABC, de alta concentração industrial, tornou-se um dos palcos preferidos para ações de fiscalização estadual e federal. Produtividade fiscal é aqui.


Quem sabe agora com Lula da Silva e José Serra haja entendimento para que se atinjam os pontos mais sensíveis da economia do Grande ABC? Entretanto, esperar que essa dádiva de responsabilidade político-administrativa caia do céu é acreditar em Papai Noel. Goste-se ou não, eles são oponentes partidários. Se com os convergentes FHC e Mário Covas, que administraram Brasília e São Paulo em períodos semelhantes, não houve alinhamento pró-Grande ABC nem pró-paulistas, ou muito pelo contrário, o que esperar quando se colocam objetivos políticos em raias distintas? Que o Grande ABC deixe as veleidades no quarto de despejos das individualidades inúteis e, em conjunto, escolha interlocutores em nível federal e estadual para encurtar o caminho das resoluções.


Para que não se potencializem ainda mais as possibilidades de interesses políticos sobrepujarem emergências econômicas, tanto o governo Lula da Silva quanto o governo José Serra poderiam indicar experts em regionalidade como agentes de entendimento. Que a ciumeira política seja devidamente enterrada diante da garantia de que os interlocutores dos governos estadual e federal no Grande ABC não ameaçariam jamais interesses eleitorais sempre subjacentes em ações públicas. Pelo contrário, porque na medida em que facilitassem as relações intergovernamentais, abririam larga avenida para comemorações locais. É melhor repartir o sucesso do que individualizar o fracasso.


A decisão do governo Lula da Silva de instalar a Universidade Federal do Grande ABC a partir do campus de Santo André é uma das vitórias mais significativas dos petistas sobre os tucanos. Por mais que ainda pairem dúvidas sobre os reais efeitos da UFABC na geoeconomia regional, o governo petista valorizou e consolidou antiga reivindicação regional que sucessivos governos estaduais postergaram e atiraram ao lixo. O governo Geraldo Alckmin preferiu construir um braço da USP (Universidade de São Paulo) na vizinha Zona Leste da Capital paulista. Com isso, escanteou a demanda do Grande ABC.


Por mais que o braço da USP na Zona Leste seja defensável, entre outras razões porque são 3,3 milhões de pessoas a ocupar área praticamente esquecida na Capital, o descaso histórico com o Grande ABC é indesculpável. Provavelmente nenhum homem público conseguirá esgrimir com juízo e respeito argumento que desqualifique o Grande ABC nos critérios de prioridade para absorver uma unidade da USP. Não é preciso nem mesmo ir aos balanços municipais e denunciar o quanto de impostos estaduais são recolhidos na região. Basta a massa crítica de 2,5 milhões de habitantes.


Não bastasse a UFABC em Santo André, com perspectiva de contar em cinco anos com 20 mil alunos e ramificações em outros municípios, o governo Lula da Silva reservou para Diadema uma unidade da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) voltada para o setor de saúde.


As Fatec (Faculdades de Tecnologia) que o governo do Estado implementou em São Bernardo e em Mauá são insuficientes prêmios de consolação pelas restritas dimensões de impactar de fato o mercado de trabalho da região. Principalmente porque contam com currículos que não asseguram sincronia com objetivos estratégicos da economia regional. Objetivos estratégicos que, por sua vez, são permeados de dilema: por um lado considera-se vital a potencialização do parque automotivo com o suporte do pólo petroquímico; por outro sugere-se, em detrimento dos primeiros, a diversificação de matrizes produtivas e da oferta do terciário. Fala-se pouco de terciário de alto valor agregado, mais íntimo das atividades industriais.


A bifurcação não é necessariamente excludente. Mais que isso, provavelmente inclusiva mas que, por falta de regionalidade institucional, o Grande ABC não consegue dar resposta. Essa situação pode comprometer inclusive os resultados da Universidade Federal. Enquanto o governo federal e algumas lideranças locais defendem objetivos regionais à instituição, o reitor Hermano Tavares tem olhos postos no horizonte nem sempre bem definido do País. A nítida vantagem do governo Lula da Silva no campo universitário sobre os tucanos que dirigiram os paulistas nos últimos 12 anos poderá ser aumentada com a adequação curricular às demandas atuais e às eventuais novas vocações do Grande ABC. Ou poderá reduzir-se caso a UFABC caminhe pelo terreno tortuoso de objetivos nacionais que deixariam poucos frutos locais.


A proposta de articular, sistematizar e energizar as relações institucionais entre os municípios da Região Metropolitana de São Paulo é um dos fracassos da gestão tucana, em contraste com a iniciativa ainda embrionária do governo federal de Lula da Silva de criar o Ministério das Cidades. A degradação da qualidade de vida da Grande São Paulo de 39 municípios e 19 milhões de habitantes, no rescaldo da evasão industrial após a abertura econômica, jamais foi tratada como prioridade político-administrativa. O governo Geraldo Alckmin chegou a enviar à Assembléia Legislativa projeto de concertação de forças municipais e estadual para enquadrar a metrópole em recorte de recomposição estrutural, mas não houve evolução. Do tamanho demográfico do Estado de Minas Gerais, embora em espaço territorial exíguo, a Região Metropolitana de São Paulo é um saco sem fundos de problemas sociais e econômicos.


Por mais que eventualmente se tente vender a justificativa de que trâmites legais sempre esbarram na burocracia decisória da Assembléia Legislativa, o que se tem de fato é apatia generalizada. A reconfiguração da Região Metropolitana de São Paulo seguiu pressupostos elaborados pela Emplasa, autarquia vinculada ao governo do Estado, e passou por emendas dos deputados. Entretanto, está praticamente esquecida nos escaninhos do Legislativo estadual. A quarta maior metrópole do planeta espera por medidas e ações reestruturantes que não tiveram o senso de emergência dos governos tucanos.


Alternativas que se complementam para tornar a vida metropolitana menos desgastante não faltam, mas os representantes partidários paulistas não se entendem. Mesmo no Grande ABC, onde o Consórcio Intermunicipal foi lançado há mais de uma década, os resultados custam a aparecer e quando aparecem não atingem profundidade. O divisionismo prevalece por conta de diferenças políticas, partidárias, ideológicas e principalmente porque não existe cultura de cooperativismo a amparar eventuais iniciativas integracionistas.


Exatamente por isso a força político-institucional do governo do Estado poderia substituir com iniciativas mais céleres a lentidão de uma engrenagem enferrujada. Nesse ponto, tanto o governo Mário Covas quanto o governo Geraldo Alckmin falharam. Diagnósticos e estudos não faltaram. Não faltam informações sobre a infra-estrutura social e material de uma Região Metropolitana em que os flagrantes de exclusão social e econômica são registrados à simples observação de quem parte de regiões centrais em direção à periferia. Trânsito caótico, sistema de transporte desgastante, educação fragilizada, saúde sobrecarregada, segurança pública em frangalhos e meio ambiente maltratado sintetizam quadro de empobrecimento escancarado.


A repaginação legislativa da Região Metropolitana de São Paulo é premente no sentido de que políticas públicas sejam priorizadas de acordo com a realidade de cada área metropolitana. Desequilíbrios internos só agravam a situação. A trava do gerenciamento da Região Metropolitana de São Paulo foi acionada pela excessiva força relativa que o governo paulista pretende impor na Agência Metropolitana, organismo que de fato conduziria as iniciativas. Em contrapartida à destinação de recursos orçamentários que envolveriam metade do total, o governo paulista teria peso de decisão semelhante. A maioria seria alcançada sem susto entre aliados municipais da metrópole. Ou seja: a Agência Metropolitana seria um ramal instrumentalmente sob controle do governo do Estado. A roupagem multimunicipalista e multipartidária seria apenas ilusão de ótica.


É claro que houve reação na Assembléia Legislativa. Da racionalidade prática à demagogia eleitoral foi um passo. Dezenas de emendas foram introduzidas pelos deputados no projeto de metropolização que está perdido nas comissões. A expectativa de Marcos Campagnone, presidente da Emplasa, de que prevaleceria o interesse coletivo, despencou ladeira abaixo. Metropolização é questão tão decisiva na enciclopédia de justiça social quanto esquecida no dicionário eleitoral. Nos embates entre Lula e Alckmin e entre José Serra e Aloizio Mercadante, o assunto foi praticamente evitado.


Nos dois últimos anos do mandato Geraldo Alckmin resolveu apagar toda a pregação anti-guerra fiscal que Mário Covas destilou durante exatos seis anos de dois mandatos. Tratou de reagir diante de evidentes perdas paulistas principalmente para mineiros, goianos e nordestinos. Alíquotas de cerca de 200 produtos foram rebaixadas para que o governador encarasse os debates presidenciais com munição supostamente desenvolvimentista. Mas o rastro do afrouxamento do PIB paulista já estava cristalizado.


Durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, que abrangeram também seis anos de Mário Covas e dois de Geraldo Alckmin, os números do PIB são bastante insatisfatórios para São Paulo, uma das poucas unidades da Federação cuja economia teve comportamento abaixo da média de crescimento nominal. Os paulistas só ganham em produção de riqueza dos Estados do Ceará, Amapá, Pará e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal.


Há apenas um atenuante para amenizar o tamanho do tranco que a economia paulista sofreu entre janeiro de 1995 e dezembro de 2002: por ser o Estado mais desenvolvido, os resultados passam pela possibilidade de contaminarem-se, contrariamente a unidades da Federação que saem de bases numéricas mais modestas. Algo aparentemente semelhante ao que vem ocorrendo nos dois últimos anos com o PIB da Argentina, que cresceu muito acima dos níveis brasileiros. Nada mais natural, porque os vizinhos mergulharam em crise que culminou com moratória da dívida externa.


A diferença entre um caso e outro — e daí a explicação para o fato de que são situações só aparentemente semelhantes — é que, enquanto o balanço negativo da economia paulista frente à média nacional é um fato histórico que se estende por oito anos pesquisados, os argentinos passam a perna no Brasil apenas no curto prazo.


Dados retirados de Contas Regionais do Brasil, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) identificam a prioridade do governo Covas e também do governo Alckmin ao equilíbrio fiscal, em detrimento do desenvolvimento econômico. Em 1994 os paulistas detinham 34,96% do PIB brasileiro, contra 32,58% de 2002. A diferença de 2,38 pontos percentuais ou de 6,80% é só aparentemente pouco expressiva para quem não conhece as dimensões da movimentação dos números num País continental como o Brasil. O bolo tributário lembra um transatlântico. A rota é gradualmente corrigida ou irrecuperavelmente desviada sem alarde.


Entre os 26 Estados brasileiros e o Distrito Federal, apenas São Paulo, Acre, Ceará e Minas Gerais, além do próprio Distrito Federal, perderam o rumo do crescimento relativo nacional nos oito anos do governo FHC e de Covas-Alckmin. Praticamente todos tiveram comportamento abaixo da média nacional. A média de crescimento nacional do PIB no período foi de 261,21%. São Paulo cresceu 236,62%.


O Pólo Petroquímico do Grande ABC é um endereço emblemático de que, por mais dificuldade que tenha tido, o primeiro mandato do governo Lula da Silva foi mesmo mais comprometido com a região. Há mais de 10 anos havia mobilização para que a empresa-mãe do complexo, a Petroquímica União, obtivesse sinal verde para aumentar a produção. Bastava aprovação da estatal Petrobras para que o insumo de gás de refinaria fosse acrescentado à matriz da Petroquímica União. A medida foi anunciada há dois anos e as obras de expansão estão prestes a ser iniciadas. O impacto nas contas públicas de Santo André e Mauá será tonitruante. As receitas de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de Mauá estão atreladas em 66% ao pólo petroquímico. Em Santo André, são outros 33%.


Agora a esperança é que em sintonia com o aumento da capacidade da Petroquímica União e de empresas satélites do Bairro de Capuava, entre as quais principalmente a Polietilenos União, do mesmo grupo empresarial da PQU, tanto Santo André quanto Mauá organizem espaços físicos e arrumem medidas incentivadoras ao crescimento de indústrias de terceira geração, as chamadas transformadoras de plástico. Há previsão de que poderão ser criados 12,5 mil empregos diretamente relacionados ao pólo petroquímico.


Enquanto o governo Lula da Silva deu tratos à bola petroquímica, o tucanato paulista preferiu jogar para um futuro incerto a decisão de rebaixar alíquotas de impostos de produtos industrializados pelas empresas de Capuava. A reivindicação dos empreendimentos da região não tem qualquer resquício de privilégio. Unidades da Federação que concorrem no mercado químico e petroquímico com o Grande ABC contam com alíquotas do ICMS iguais ou inferiores a 12%, contra 18% das locais. A atividade petroquímica de primeira e de segunda geração do Pólo de Capuava é escassa em mão-de-obra, mas fomenta combinação especial de receitas tributárias elevadíssimas e postos de trabalho densos na terceira geração, geralmente de pequenas e médias empresas.


E emprego industrial deve ser perseguido à exaustão pelo Grande ABC. Durante os oito anos de FHC foram destruídas 81.327 carteiras de trabalho só no setor de transformação, segundo dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego. Desapareceram nada menos que 10.165 empregos por ano. O governo Lula inverteu a equação nos três primeiros anos de resultados oficiais: foram criados 32.604 empregos industriais com carteira assinada, ou 10.868 por ano. Valeram para isso principalmente o peso das exportações e das vendas internas do setor automotivo e o aumento da carteira de financiamento de bens de consumo, além da estabilidade econômica.


O Grande ABC dos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso perdeu 34,5% do Valor Adicionado. Nos três primeiros anos de Lula da Silva recuperou 19%. Valor Adicionado é espécie de PIB. Marca a diferença entre insumo que ganha a forma de produto. Granulado petroquímico que se torna pára-choque de veículo. É a diferença monetária dessa transformação, incorporando-se mão-de-obra, serviços e transportes, entre outros. O Grande ABC perdeu mais de um terço do Valor Adicionado durante o governo FHC. Esse foi o resultado da evasão e da mortalidade industrial, do enxugamento dos quadros de trabalhadores, do rebaixamento de salários, da redução da produção, entre muitas variáveis. Algo jamais visto na história do Grande ABC. Síntese de uma abertura econômica crudelíssima associada à descentralização canibalesca do parque automotivo custeada em larga escala pela guerra fiscal e por generosos financiamentos do BNDES.


Para completar essa espécie de prestação de contas, que mais que justifica, ratifica a posição sobre o benefício de o Brasil eleger Lula da Silva em vez de Geraldo Alckmin — sempre levando em conta os interesses econômicos da região — está o fantasma do trecho sul do Rodoanel. Prometido pelo governo do Estado há mais de uma década, o Rodoanel se limita a 32 quilômetros do trecho oeste, que tem Osasco e Barueri como cidades-âncora. Os quase 60 quilômetros do trecho sul envolvem uma das faces de competitividade do Grande ABC, mas é um samba do crioulo doido de informações manipuladas.


Sim, porque não passou de encenação a abertura da frente de trabalho de um dos sete canteiros de obras que compõem o trecho sul, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, no trevo da Via Anchieta, em São Bernardo. O governador Cláudio Lembo fez apenas um jogo de cena porque dias depois anunciou rombo no orçamento do Estado, superestimado por Geraldo Alckmin e sua equipe. Muitas obras passaram por readequação cronológica motivada por escassez de recursos. O Rodoanel não escapou da linha de corte.


A construção do trecho oeste, inaugurado há quatro anos, foi uma derrota política do Grande ABC, porque deslocou para aquela área da Grande São Paulo o centro de gravidade de logística que beneficia empresas de vários setores. O ritmo de crescimento do G-9, como é chamada aquela área metropolitana, ameaça a soberania do Grande ABC, principal endereço econômico do Estado depois da Capital.


É otimista demais a expectativa de que a liberação de recursos do governo federal, juntamente com dinheiro do governo estadual, vai acelerar as obras do trecho sul do Rodoanel. Os R$ 3,5 bilhões previstos para aquele trecho deverão mesmo sair de empresas especializadas em construir e explorar sistema de transporte rodoviário na forma de PPP (Parceria Público-Privada), modalidade de privatização com prazo predeterminado da qual governos estaduais e federal lançam mão por falta de dinheiro. A disputa entre o governo tucano que gerencia São Paulo e o governo petista federal em torno de recursos para o Rodoanel vai ficar na memória como simples peça de manobras eleitorais. No máximo, diante de eventual insistência de evitar qualquer tipo de privatização, esticará o cronograma de obras ao sabor de novos lances de viés partidário. Para azar do Grande ABC.


Lulacá! (Decididamente?) ou Geraldocá! (Finalmente?). A capa de LivreMercado de novembro foi anunciada com antecedência de um mês, em 10 de outubro último. Um cadastro de mais de 15 mil leitores selecionados da newsletter Capital Social Online, braço eletrônico de LivreMercado, foi o alvo de uma ação de marketing editorial com responsabilidade social. A iniciativa não se limitou a transmitir virtualmente as duas alternativas preparadas para ancorar a Reportagem de Capa. O propósito (como se vê nas páginas desta edição) era mais denso: desafiar os conselheiros editoriais de LivreMercado a esgrimirem eventual preferência e, daí, captar percepções desses representantes da sociedade.


A decisão de surpreender os leitores com uma medida jamais vista na história da mídia impressa não guarda qualquer relação com a possibilidade de ensandecimento da direção de Redação. A garantia de que o produto teria enfoque exclusivo está no desencadeamento lógico de um agregado de valor editorial que LivreMercado detém e que, por isso mesmo, torna-a blindada a eventuais oportunismos.


Pelo menos até o fechamento desta edição, nenhuma mídia impressa regional cometeu o sacrilégio de transportar para suas páginas algo que pudesse sugerir a sensação de que a capa desta edição foi surrupiada mesmo que sutilmente. A direção de Redação de LivreMercado não temeu qualquer situação que pudesse colocar em risco a embalagem gráfica e o conteúdo da edição entre outros motivos porque o conjunto de informações e análises da publicação tornaria eventual pirataria no mínimo patética.


A expressão Lulacá é propriedade intelectual de LivreMercado, em contraposição geopolítica, social e econômica ao generalizado “Lulalá” com que o ex-operário foi alçado no marketing eleitoral de 2002. “Lulacá!” foi utilizado pela primeira vez na edição de novembro de 2002, seguido de “Urgente”, como resposta editorial aos resultados das urnas de uma disputa que envolveu o petista e o tucano José Serra, na sucessão de FHC.


Mais que uma marca regionalizada, “Lulacá, urgente!” significava reprovação explícita aos desarranjos que os oito anos do governo FHC representaram para o Grande ABC. Mais que isso: simbolizava também o sentido de emergência e profundidade que deveria pautar a administração federal para minimizar os estilhaços de FHC.


Naquele novembro de 2002 ainda não se contava com todos os números históricos do comportamento da economia da região durante o período em que o sociólogo uspiano abriu abusadamente as comportas alfandegárias em detrimento, principalmente, de um parque industrial despreparado para a competição internacional. O gradualismo necessário para a transposição de um modelo enferrujado de nacionalismo de Estado teria sido muito mais recomendável do que a abertura de comportas a investimentos econômicos e financeiros internacionais sem contrapartidas econômicas e sociais.


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