Sociedade

Um paradoxo a ser estudado: redes
sociais tiram foco da regionalidade

DANIEL LIMA - 07/11/2014

Seguramente a Província do Grande ABC jamais enfrentou tamanho descaso de instâncias econômicas, sociais e públicas, mancomunadas na longa jornada de distribuir bananas de desinteresse à sociedade em geral. Já vem de longe e se agrava a cada novo dia o descarte de prioridades que minimizem a debacle regional que o mercado automotivo amenizou durante os recentes anos de produção recorde. Agora que a biruta virou e já não é possível fugir dos problemas, o resultado geral é uma paralisia asfixiante.


 


Até parece que o recado das urnas presidenciais, que simbolizam o estado da alma dos moradores, não tem significado algum. A votação massacrante contra o partido do governo federal numa área demográfica com o histórico de lideranças petistas que avançaram na escala social após a vitória de Lula da Silva em 2002 deveria exigir de todos movimentação em busca de alternativas. Os primeiros passos já poderiam ter sido dados, mas quem disse que as supostas lideranças locais estão inquietas? Mas ficarão, podem acreditar. Os orçamentos municipais construídos sobre bases que se esboroam vão despertá-los às durezas do prélio.


 


Está chegando o final do ano e, com o avanço do calendário, irremediavelmente se constatará que os números municipais do PIB do ano passado vão se juntar no ano que vem aos números do PIB deste ano e constituirão três temporadas seguidas de recessão econômica da Província do Grande ABC. As perdas industriais seguem a aumentar o estoque de desempregados de um setor que é vital ao equilíbrio regional.


 


No olho da rua


 


Os regimes especiais de proteção do emprego, principalmente nas grandes montadoras, colocando milhares de trabalhadores em casa à espera do fim da tempestade, mal disfarçam uma realidade que sobreviverá até mesmo ante o aumento da demanda: há excesso explosivo de mão de obra no setor crucial da economia regional. Mais dia menos dia grande parte irá para o olho da rua, como já foram milhares de trabalhadores que atuam longe do protecionismo das grandes corporações associadas aos sindicados mais representativos.


 


A vida segue na Província do Grande ABC como se nada houvesse ocorrido antes, durante e após das eleições. Os jornais voltaram às mesmices, principalmente na luta inglória de procurar, na maioria dos casos, esconder a ebulição que intranquiliza amplas camadas da população. Pura bobagem, porque entre outros vazamentos estão aí as páginas policiais coalhadas de criminalidade, além de outros tropeços sociais que pareciam afastados de vez do cotidiano.


 


Embora os prevaricadores de sempre procurem negligenciar os fatos, acreditando que há certa má vontade de CapitalSocial com a vida regional, a tarefa de procurar e encontrar exemplos de que há portas da esperança de dias melhores se assemelha à procura de agulha em palheiro. Artificializar a situação regional é uma especialidade que não exige esforço algum, apenas o caradurismo dos insensatos. Há sempre disponível na praça um trombeteador de meias verdades a subestimar, quando não a sufocar, a porção saudável e preocupante da mensagem.


 


O estado de paralisia das instituições da região ocorre na esteira da efervescência das redes sociais, essa imensidão engajada no processo de aproximação virtual. Há, entretanto, uma disfunção grave nesse modelo de comunicação: a maioria se deixa dominar pelo macroambiente nacional em detrimento do microambiente local e regional.


 


Distanciamento dos próximos


 


O que supostamente apareceu na tela do radar de cidadania como ferramenta de estimulo à aproximação física maior dos próximos entre si está se transformando no distanciamento virtual consolidado dos próximos entre si, bem como na aproximação virtual dos distantes entre si. Essa centrífuga de contradições pode até criar uma massa de mudanças ou tentativas de mudanças macroespaciais, mas toma tempo demais daqueles que pretendem ajustes locais, retirando-lhes portanto o foco de ação e reação.


 


A dispersão da cidadania é o grande inimigo a ser combatido em geografias com a característica singular da Província do Grande ABC, onde os territórios municipais se confundem e se complementam. É preciso resistir às ofertas abundantes de engajamentos a temários que ultrapassam os limites locais, os quais emergem principalmente nos meios convencionais de comunicação, pontos matriciais do espalhamento de posições nas redes sociais.


 


Sem mídia de massa capaz de pautar uma sociedade que se inebria com ferramentas tecnológicas cada vez mais interativas, restam à Província do Grande ABC migalhas recolhidas aqui e ali em nichos resistentemente centrados no cotidiano municipal e regional.


 


Somente em situações muito especiais como as eleições municipais percebe-se que o grau de engajamento da cidadania em redes sociais ganha tonalidade regional mais acentuada, com efeitos tanto positivos como deletérios. Reputações são destruídas ou abaladas sem comiseração. Estabelece-se o mesmo jogo sórdido que se viu na última campanha presidencial.


 


Convencionais em xeque


 


Os meios convencionais de comunicação são colocados em xeque porque a ordem geral é o ataque em massa que não interessa e nem deve interessar aos profissionais da mídia, os quais, entretanto, não podem negligenciar o brilho de diamantes de pautas que resistem ao furor ensandecido da desqualificação generalizada das redes sociais politicamente mais engajadas.


 


Não deixa de ser estranho, porque paradoxal, que numa atmosfera de grandes transformações dos meios de comunicação a Província do Grande ABC ganhe camadas sobressalentes de desprezo à sua própria sorte, decidida a cada dia e todo o dia, independentemente do calendário eleitoral geralmente polarizador e portanto cerceador do bom senso e do planejamento.


 


Os formuladores de teorias revolucionárias sobre os estímulos à massificação de indicadores de cidadania com o advento da revolução tecnológica que forjou as redes sociais certamente não levaram em conta as características sociológicas, econômicas e geográficas da Província do Grande ABC. Estamos perdendo a batalha que parecia favorável à restauração das premissas de fortalecimento da cidadania regional que o advento da televisão nos levou aos poucos, transformando-nos em satélite da Capital.


 


Pelo andar da carruagem, não sufocaremos jamais a maldição de Gata Borralheira. Estamos perdendo de goleada o jogo da comunicação social porque a identidade regional se esfarela na medida em que é sequestrada pela agenda nacional cada vez mais concentradora de atenções.


 


Por isso as autoridades públicas, econômicas e sociais supostamente com o compromisso de liderarem processos de rejuvenescimento do tecido econômico da região jamais se sentiram tão à vontade com a inapetência de projetos. A cristalização do Festeja Grande ABC associada ou não ao Assalta Grande ABC corre na mesma raia do silêncio do Omita Grande ABC. As redes sociais de usuários locais transmite a falsa sensação de que temos exércitos de combatentes prontos a reorganizar as estruturas regionais quando, de fato e lamentavelmente, sobram poucos que deixam seus bunkers de guerra virtual e se mobilizam materialmente em busca de enfrentamentos. 


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