Sociedade

Outros “clubes” podem esconder
ações de organizações criminosas?

DANIEL LIMA - 05/12/2014

Vou continuar a escrever “Clube dos Prefeitos” quando me referir ao “Consórcio Intermunicipal de Prefeitos” e também “Clube dos Construtores e Incorporadores” (que também é Clube dos Especuladores Imobiliários) quando me referir à Acigabc, Associação dos Construtores e Incorporadores. Da mesma forma vou escrever mais vezes “Clube dos Pequenos Construtores de Santo André”, quando o assunto for a Associação dos Construtores Imobiliários de Santo André. Não tenho culpa se o chamado “Clube das Empreiteiras”, uma associação informal colhida em flagrantes delitos na Operação Lava Jato, transformou o verbete “clube” em algo pecaminoso. Tiraram “clube” do armário de malandragens em que estava instalado.


 


Antes mesmo que estourasse o escândalo na Petrobras, havia quem olhasse com desconfiança, quando não me acusava veladamente, por utilizar “clube” no sentido petrolão de ser, principalmente às duas primeiras entidades citadas acima. Provavelmente esses detratores estavam inquietos com a subjacente, segundo eles, depreciação das entidades mencionadas.


 


Juro por todos os juros que tanto num caso (Clube dos Prefeitos) como no outro (Clube dos Construtores, depois Clube dos Especuladores Imobiliários), jamais tive a intenção de destilar suspeição sobre eventuais descaminhos coletivos na área criminal. Sempre me inspirei no oficialmente chamado Clube de Paris, que reúne quase duas dezenas de nações europeias, para transferir à geoeconomia regional marcas mais palatáveis do ponto de vista jornalístico. Hão de convir os leitores que “Consórcio Intermunicipal” e “Associação dos Construtores e Incorporadores” são de lascar.


 


Mais clubes na lista


 


Como acho que, quanto mais nominativamente populares essas entidades se apresentarem mais os leitores compreenderiam o sentido de existirem, estou pensando seriamente em acrescentar à lista algumas associações. Por exemplo: Clube dos Comerciantes de Santo André em vez de Associação Comercial e Industrial de Santo André. E assim em relação às entidades assemelhadas de outros municípios. Também às representações industriais, se encaixaria melhor a marca “Clube dos Industriais de Santo André”, bem como aos demais municípios, do que “Centro das Indústrias do Estado de São Paulo”.


 


Quando moleque, moleque que vivia atrás de bola, que jogava bolinha de gude, que empinava papagaio, que fazia da bicicleta objeto de acrobacias, que apanhava manga no pé, que pescava de vez em quando, quando era moleque não tinha nenhum apreço por apelidos. Alinhava-me ao que muito mais tarde ganhou normatização penal chamada bullyng.


 


É verdade que não havia maldade implícita na substituição de nomes por algo que geralmente sintetizava a expressão facial, corporal ou comportamental do contemplado, mas mesmo assim detestava a troca de identidade. Havia, deve-se reconhecer, talento extraordinário à depreciação em cada apelido. Cada nova e marota marca pessoal era espécie de síntese que só os craques da publicidade são capazes de consagrar.


 


Reconstruindo o passado


 


Talvez o passado de menino já crítico explique porque, como jornalista, procuro recompensar espécie de justiça em relação aos tempos de calças curtas. Acho que Clube dos Prefeitos, Clube dos Construtores e Incorporadores (também Clube dos Especuladores Imobiliários) e os demais clubes que venham a ser sacramentados estreitam laços entre essas entidades geralmente corporativas demais para o meu gosto e a sociedade como um todo, tornando-as mais humanas, por assim dizer.


 


Quem entende que jornalismo tem entre outras finalidades a função de aproximar agentes públicos e comunidade sempre compreenderá sem malícias o sentido explicativo deste texto. Quem está metido em falcatruas e capta num verbete que substitui como nenhum outro o conjunto de pessoas que se dedicam a determinada atividade, haverá de me considerar um inimigo a ser batido.


 


Não é o estouro do Clube das Empreiteiras que sugava os recursos financeiros da Petrobras e fazia a festa dos políticos e de funcionários graduados que me fará abandonar o carinho nominativo pelo Clube dos Prefeitos, pelo Clube dos Construtores e Incorporadores (também Clube dos Especuladores Imobiliários) e por todos os clubes que hei de batizar a partir de agora.


 


Estou decididíssimo a radicalizar um tratamento antes limitado a apenas alguns empreendimentos coletivos, ou melhor, a alguns empreendimentos grupais. Sim, empreendimentos grupais porque são raras as instituições da região que contam com mais de meia dúzia de representantes na condução efetiva dos interesses em jogo. A maioria dessas entidades sente tanto constrangimento pela escassez de representatividade que evita a todo custo expor a relação de associados.


 


Visibilidade alarmante


 


É uma pena que desmoralizaram o sentido de agrupamentos até prova em contrário a salvo de pecados dos “clubes” que batizei, mas, no fundo, o Clube das Empreiteiras denunciado no caso da Petrobras proporcionou uma visibilidade alarmante sobre outra face possível a permear as ações de entidades de classe -- a face da corrupção organizada nas entranhas dos poderes públicos como ação coletiva, conjunta, não de individualidades mais espertas em meio a companheiros institucionais supostamente honestos.


 


Ou seja: os “clubes” representativos de organizações econômicas e sociais passam a constar, irremediavelmente, da lista de prioridades de quem pretende ir muito além de aspectos críticos sobre a atuação institucional que dizem realizar.


 


Provavelmente a Polícia Federal esteja de olhos bem abertos na imensa constelação de “clubes” disfarçados de instituições de classe que poderiam ser chamadas também de organizações criminosas.


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