Sociedade

Clube dos Comerciantes precisa
melhorar muito além da fachada

DANIEL LIMA - 10/12/2014

Leio no Diário Regional de ontem que estava programada para hoje de manhã a pintura da fachada do Clube dos Comerciantes de Santo André (também conhecido por Acisa, Associação Comercial e Industrial). Em forma de mutirão de dirigentes, a fachada da sede da entidade ficaria livre da ação de pichadores. Os estragos foram imensos, segundo consta. Nada que ao menos faz cócegas à imagem de organização em dívida com a sociedade, como as congêneres da região.


 


É possível que um ou outro idiota juramentado faça alguma associação deste texto com suposta desavença com algum integrante do Clube dos Comerciantes de Santo André. Pura bobagem. Minhas restrições às entidades de classe vêm do passado e independem de quem ocupa cargos.


 


Em 26 de novembro de 2004, quando estava diretor de Redação do Diário do Grande ABC e um dos acionistas daquela empresa era Evenson Dotto, hoje presidente da Acisa, escrevi um texto que consta do acervo desta revista digital. “Dinossauros intocáveis” é um exercício de insatisfação que se mantém. Vários outros textos, anteriores e posteriores àquele, também foram produzidos.


 


Pintar a frente emporcalhada por gente que acredita que faz arte cheira a marketing rastaquera porque ganhou manchete de jornal. Meia dúzia de profissionais do ramo, não dirigentes travestidos de operários, resolveria o problema em algumas horas de forma discreta e bem mais eficiente.


 


A peste do marketing improdutivo que se pretende revolucionário em nome de uma boa causa é uma maneira espertalhona de desviar a atenção do que realmente deveria concentrar o interesse de uma organização classista.


 


A Acisa enviou às autoridades competentes uma fita que registra o grupo de pichadores. Quer identificá-los e puni-los. Tudo devidamente levado à imprensa, menos, se descuidado não sou, às páginas do Diário do Grande ABC, do qual Evenson Dotto segue diretor.


 


Um contragolpe


 


Fosse um dos integrantes do bando de prováveis adolescentes que praticaram o ato não resistiria a encaminhar igualmente às autoridades competentes um dossiê completo, ou mesmo precário mas sustentável, da atuação de um dos membros do Conselho Superior do Clube dos Comerciantes de Santo André, participante da Máfia da Merenda. Caso do empresário Sérgio De Nadai, abusadamente integrante da comissão de frente do Natal do Bem, uma organização de subcelebridades da Capital. Duvido que ele tenha participado da faxina da fachada.


 


Sorte do Clube dos Comerciantes de Santo André que os pichadores são desinformados. A travessura poderia reunir frases desabonadoras à ética e à moralidade de uma organização que carrega em seu vente um expoente de malfeitos já condenado pela Justiça. Creio que a pichação não fez referência ao caso da merenda escolar. O jornal Diário Regional não entra em detalhes sobre os insumos piratas da fachada da entidade.


 


O déficit de cidadania que os clubes de comerciantes da região carregam há décadas vai muito além de uma empreitada literalmente de fachada. A fragilidade do capital social da Província, daí ser Província, não tem limites. Quanto mais acreditamos que atingimos a profundidade da esculhambação, mais exemplos de permissividade afloram.


 


Fosse o Clube dos Comerciantes de Santo André comprometido com os associados e com a sociedade de maneira geral o escândalo do Semasa não estaria como está, em ponto morto, sem que se apresente a relação dos malfeitores que, muito mais que simplesmente afrontarem as fachadas de entidades privadas, roubaram recursos públicos em conluio com servidores da Prefeitura de Santo André.


 


Mais que isso: contribuíram dolosamente para tornar ainda mais caótica a mobilidade urbana, com a verticalização insana e irregular em nichos disputadíssimos do território municipal.


 


Ceticismo explicado


 


Sou absolutamente cético, porque bem informado, sobre as possibilidades de uma reviravolta institucional das entidades de classe empresarial na região. Especificamente as associações comerciais, são uma prova histórica de que a mesmice tem capacidade imensa de reproduzir-se. Ao longo dos tempos os clubes dos comerciantes não passaram de correias de transmissão de forças políticas aboletadas no comando dos municípios.


 


Houve um período em que a Acisa se opunha ao prefeito Celso Daniel. Havia convicção ideológica discutível a permear as discordâncias, com o pano de fundo de correntes políticas antagônicas ao Paço. Fausto Polesi, ex-presidente da Acisa e então diretor de Redação do Diário do Grande ABC, provavelmente morreria de vergonha ante a situação destes tempos da entidade que negociou a vaga de Oswana Fameli como vice do então candidato petista Carlos Grana, eleito em 2012. Sem contar outros cargos. Fausto Polesi foi oponente resiliente da esquerda representada por Celso Daniel.


 


Nas duas frentes de combate, Fausto Polesi liderou movimentos que incomodavam os petistas. Inspirador da chamada Frente Andreense, mobilizou céus e terras para fazer do empresário Duílio Pisaneschi deputado federal. Mal poderia imaginar que Duílio Pisaneschi, antipetista de carteirinha, se juntasse à Administração Carlos Grana. Liberal, Fausto Polesi jamais se jogaria nos braços do PT ou de qualquer agremiação de esquerda.


 


Quem atribuiu recentemente a Fausto Polesi um ecletismo ideológico que o aproximaria dos esquerdistas deveria ouvir contemporâneos desse jornalista que ajudou a construir a memória da região como um dos fundadores do Diário do Grande ABC e incansável editorialista.


 


Inanição doutrinária


 


O Clube dos Comerciantes de Santo André, nos tempos de Fausto Polesi e de outros presidentes de semelhante linhagem, jamais foi além de interesses corporativos e político-partidários de valor específico naquele contexto. Já nos últimos tempos a entidade sofre de inanição doutrinária ao cair no facilitarismo da adesão mais conveniente.


 


Mesmo combates aparentemente comunitários, como o que envolveu o aumento do IPTU durante a Administração Celso Daniel, foram iniciativas decorrentes de pressões politicas. Até porque, a iniciativa não abria portas ao contraditório fértil e não apresentava estudos fundamentados. Pretendia-se simplesmente manter um estado de anormalidade contributiva da sociedade num novo cenário macroeconômico.


 


O estado de anormalidade era a manutenção do congelamento ou da subestimação da correção de valores monetários do inventário de imóveis do Município. O cenário macroeconômico proporcionava nova realidade às finanças públicas. Até então, a ciranda financeira ajudava tremendamente os gestores públicos que atualizavam permanentemente os créditos e se beneficiavam do desgaste diário da moeda no desembolso de débitos sem correção monetária.


 


O Plano Real mudou tudo, daí a corrida pela recomposição de receitas. O IPTU de valores inexpressivos foi um dos pontos centrais de geração de receitas tributárias em Santo André e na maioria dos grandes municípios brasileiros. A Acisa, movida por grandes proprietários de imóveis, reagiu.


 


Provavelmente os dirigentes do Clube dos Comerciantes de Santo André não entenderam o recado dos pichadores. Talvez eles tenham usado uma codificação abusiva para dizer que já passou da hora de a entidade mexer-se para interromper décadas e décadas de moribundez institucional que a desidratou entre os representantes da classe e jamais alcançou capilaridade na sociedade em geral.


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