Sociedade

Decadência da Província se explica
sobretudo pela confraria de velhacos

DANIEL LIMA - 17/12/2014

Escrevi ontem de passagem que a Província do Grande ABC segue decadente. Sei que a definição choca. Foi exatamente isso que pretendi. Há quem desaprove o que supostamente seria um exagero, mas a maioria sabe que vivemos os piores tempos da história. Perdemos a perspectiva como sociedade capaz de se reconstruir. Os mandachuvas e os mandachuvinhas da praça são medíocres, para piorar o quadro. Fossem inteligentes, construtivos, reformistas, teríamos uma porta de saída que nos guiaria a algum lugar menos sombrio e empesteado de certezas desalentadoras. Entretanto, nossos mandachuvas e mandachuvinhas são ervas daninhas sociais. Eles superaram todas as expectativas em matéria de destrutividade. Assaltam mentes, corações e orçamentos públicos. Subornam o bom senso. Esquartejam a confiança. Vampirizam as ilusões. 


 


A decadência de uma sociedade não se mede apenas pela incapacidade de reagir aos poderosos de plantão. Também se consuma na expectativa de que, à sinalização de uma parceria ocasional, não faltará quem deixe de correr para as bandas podres.


 


A expectativa de juntar-se ao que chamo de Assalta Grande ABC é o vício principal da turma do Festeja Grande ABC. Há sempre um sonho sonhado de pertencer à casta, mesmo a uma casta apodrecida, embora impune.


 


Se o ambiente social regional de Província é manifestamente malcheiroso, com um salve-se-quem-puder latente, no âmbito econômico a degringolada é automática. Precisamos de reformas no bojo de macroplanejamento mas sofremos os duros golpes de anos e anos de solapamentos. Perdemos a coragem e o estímulo de buscar o futuro por meios meritocráticos.


 


Cortando caminhos


 


A cultura remanescente do esvaziamento industrial está voltada a encontrar atalhos de qualquer espécie para tentar salvar a lavoura. Os aproveitadores conhecem como poucos as estradas vicinais das malandragens geralmente nas incubadoras de administradores públicos, de onde saltam a outras esferas da vida cotidiana.


 


O encalacramento econômico com persistente queda de riquezas produzidas, como temos mostrado ao longo dos anos, é um labirinto do qual não nos desvencilhamos porque não existe massa crítica para fazer do individual isolado o coletivo maturado. Não se exibem placas nos postes para denunciar eventuais agentes de ressurreição porque se gastaria dinheiro a toa. Os donos do poder regional controlam todos os movimentos. Sabem quem é corruptível e quem não é e, assim, como lidar com cada um deles.


 


Também temos mostrado o quanto perdemos em mobilidade social. Os ricos penam para se manterem ricos, os classes médias comem o pão que o diabo amassou para se sustentarem acima do razoável e as classes mais populares bafejadas nos últimos anos por políticas federais consumistas agora já acusam as dores da mudança da biruta nacional e internacional.


 


Mobilidade escassa


 


Nenhum território nacional tem sido tão refratário à intensidade de gerar mobilidade social em ritmo suficientemente tranquilizador. Caímos em todos os rankings possíveis nos quais o elemento capitalista tenha posição relevante. Daí ao esfarelamento de indicadores sociais é um passo. Nossa criminalidade eleva-se às alturas. Somos um território coalhado de roubos, furtos e homicídios em escalas desproporcionais à riqueza que ainda acumulamos. Nesse caso, entra em campo a desigualdade social que muitos procuram jogar sob o tapete.


 


A Província do Grande ABC pode detestar a adjetivação de decadente porque existe um pacto silencioso, quando não hipócrita, de tentar transmitir a ideia de que tudo está no devido lugar. Qual nada. A grande maioria sabe que os tempos são sombrios. Mesmo quem individualmente tem pouco a reclamar jamais se sentirá feliz ante o entorno de desconfiança e de inquietação de familiares e amigos.


 


A desindustrialização da Província do Grande ABC está cristalizada. Não tem choro nem vela. Cada vez mais perderemos importância interna e externa na geração de riqueza na indústria de transformação de melhores salários e carreiras. A classe média de verdade e mesmo a classe média baixa da região emergiram dos gabinetes e dos chãos de fábrica. Dos bons tempos restaram empresas na maioria dos casos à porta da desistência de ocupar espaço regional por conta de uma série de improdutividades que nos inferiorizam ante outros territórios e também de um legado sindical que desconhece os sacolejos macroeconômicos e as regras básicas de competitividade.


 


Individualismo transgressor


 


Vamos de mal a pior, embora não faltem na praça representantes do Festeja Grande ABC e do Assalta Grande ABC que fazem de tudo para tentar levar à sociedade a ideia de que os privilégios que conquistaram por forças estranhas à igualdade de oportunidades sejam a regra geral. É o individualismo travestido de positivismo malandramente impostor e ordinariamente impositor. Diria que é o pior dos individualismos, por estar impregnado pela esperteza de tentar levar o distinto público no bico.


 


A segunda temporada seguida em que a Província do Grande ABC registra derrota no PIB (Produto Interno Bruto) na disputa com a Grande Osasco é um chute na canela dos prevaricadores verbais que desfilam frases de permanente encantamento. A autossuficiência regional na Região Metropolitana de São Paulo, contraposta apenas pelo Complexo de Gata Borralheira ante a grandiosidade da Capital, virou pó.


 


O desfilar dos nomes das cidades da Grande Osasco num passado ainda recente – e quem sabe ainda nestes tempos -- seria algo como um grupo de segunda divisão no campeonato de importância econômica metropolitana. A constatação de que a derrota no ano passado não foi circunstancial no balanço dos números de geração de riqueza e, mais que isso, nas próximas temporadas se registrarão novas surras, deveria provocar reações dos mandachuvas e mandachuvinhas empoleirados em instâncias públicas e privadas de poder. Mas quem disse que eles estão preocupados?


 


Se pudesse dar um conselho aos leitores, diria que fiquem espertos para detectar quem são os membros do Festeja Grande ABC e do Assalta Grande ABC. Todos aqueles que torcerem o nariz ante a premissa de que somos sim uma região que marcha insensivelmente a novas profundezas econômicas são objetivamente suspeitos de primeira hora de ocuparem postos-chaves daqueles dois grupelhos. Para eles o futuro da Província não é nada mais que uma bobagem de quem não tem o que fazer. Eles são imediatistas, extrativistas, quando não arrivistas sociais em vestes de salvadores da pátria.


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