O Grande ABC que ensaia mobilização para potencializar a indústria automotiva e dar maior densidade ao pólo petroquímico precisa mesmo passar sebo nas canelas do pragmatismo com planejamento objetivo. Os 10 anos pós-implantação do Plano Real são os piores tempos da economia regional, com reflexos evidentes no campo social. No principal Estado da Federação, a importância relativa da economia do Grande ABC se reduz cada vez mais. Confirmando séries históricas de análises, entre janeiro de 1995 e dezembro de 2004, o Grande ABC viu acumularem-se perdas que atingiram 26% de geração de riqueza, enquanto a quase totalidade dos municípios que ocupam os primeiros 20 lugares no quesito que distingue vencedores de perdedores comemoram crescimento.
Ou seja: embora nesse período o Estado de São Paulo não se constituísse exemplo de dinamismo econômico, com avanço cumulativo de apenas 12%, os principais municípios seguiram rota oposta ao esvaziamento do Grande ABC.
A desindustrialização que a região viveu nesses 10 anos é marca que se perpetuará e poderá inclusive aprofundar-se caso tanto o setor automobilístico quanto o petroquímico não consigam maior dinamismo e, preferencialmente, se outras atividades econômicas não oferecerem alternativas de fortalecimento nesse começo de novo século em que fabricantes de veículos, chineses e leste europeu se apresentam como concorrentes temíveis.
A situação que coloca o Grande ABC como território implacavelmente atingido pelo modelo de inserção internacional foi iniciada no começo dos anos 1990 mas ganhou impulsos com a chegada do plano de estabilização econômica em 1994. Os resultados só não são piores porque o governo Lula da Silva privilegiou políticas que incrementaram a produção automobilística, base da economia regional, e, com isso, reduziu em 13% a queda econômica do Grande ABC, dos anos FHC, quando o buraco abriu-se em 39%.
Os cinco principais municípios da região caíram literalmente pelas tabelas no ranking dos 20 maiores endereços econômicos do Estado de São Paulo no período de 10 anos pós-Real. Pior que isso só mesmo a constatação de que o conjunto de sete cidades figuraria na lanterninha se a contabilidade tratá-los como megamunicípio, como de fato o são pela geografia, pela história, pelos interesses políticos, pelas proximidades culturais e principalmente pela necessidade de integração ensaiada e com avanços tímidos desde 1990, quando foi criado o Consórcio Intermunicipal de Prefeitos.
O Grande ABC não conseguiu sequer acompanhar o ritmo inflacionário do período, enquanto outros territórios avançaram relativamente bem. Alguns bem mais que outros, é claro. Apenas Guarulhos, entre as duas dezenas de maiores municípios paulistas, juntou-se à lista negra de Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema e Mauá como incapaz de sequer empatar com índices inflacionários. Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não constam da lista dos 20 maiores municípios paulistas, mas também nem chegaram próximos do ritmo que emparelhasse com o IGP-M do período.
Será acachapante qualquer confronto que coloque o Grande ABC em correlação de forças indexada à implementação do Plano Real. Ficamos para trás de Guarulhos, Osasco e São Paulo, principais municípios da Grande São Paulo além do conglomerado do Grande ABC. Se o confronto for com Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, sedes de metrópoles ao redor da Região Metropolitana de São Paulo, os dados serão mais preocupantes ainda. E se a disputa reunir os demais municípios que constam da lista dos 20 maiores produtores de riqueza do Estado, o Grande ABC voltará a apanhar feio.
Conclusão dessa ópera bufa: a movimentação que o prefeito William Dib, de São Bernardo, está promovendo para reconfigurar o território de São Bernardo e do Grande ABC à atração de autopeças desertoras e a sinergia proposta pelos dirigentes do Pólo Petroquímico de Capuava para compatibilizar o aumento de produção e o espalhamento de empresas transformadoras de plástico, é mais que uma necessidade, é uma emergência.
Em números monetários, para que o Grande ABC registrasse em dezembro de 2004 a mesma geração de riqueza verificada em dezembro de 1994, não poderiam ter escapado pelos vãos da indústria automobilística, principalmente, R$ 12,8 bilhões de negócios. Em dezembro de 1994 os sete municípios da região contabilizavam em números atualizados pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado) da Fundação Getúlio Vargas exatamente R$ 49,3 bilhões. Cento e vinte meses depois, em dezembro de 2004, o Grande ABC somava apenas R$ 36,5 bilhões. A perda de R$ 12,8 bilhões equivale à soma do que Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra registraram em 2004.
A ferramenta que possibilita a comparação de dados entre economias paulistas é o Valor Adicionado apurado pela Secretaria da Fazenda do Estado. Valor Adicionado é espécie de PIB (Produto Interno Bruto) porque registra, em síntese, a diferença monetária nas várias etapas de geração de riqueza, em forma de salários, matérias-primas e serviços diversos.
Um pára-choque que sai de uma autopeças de São Bernardo passa necessariamente pelo nafta da Petroquímica União que é transformado em granulado plástico numa das empresas de segunda geração do pólo petroquímico e, em seguida, ganha a forma do objeto propriamente dito no encadeamento fabril. Valor Adicionado é a diferença monetária entre os extremos de produção, com o agregado de custos que isso implica. Por isso, quanto mais densa uma cadeia produtiva num mesmo território municipal ou regional, mais benefícios econômicos e tributários se consolidam em favor da comunidade.
Os quase R$ 13 bilhões que desapareceram do Grande ABC nos 10 últimos anos são a atualização, a confirmação e a contextualização de estudos aprofundados de LivreMercado e mais recentemente do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), laboratório virtual que reúne os 75 principais municípios paulistas. O uso do IGP-M como medida deflacionária decorre da realidade prática das administrações públicas. As maiores fontes de receitas e despesas estão de alguma forma vinculadas ao indexador da Fundação Getúlio Vargas.
O Valor Adicionado do Grande ABC no período pesquisado cresceu nominalmente apenas 128,07%, diante dos 207,93% acumulados pelo IGP-M. Performance bem modesta quando confrontada com os 241,48% do G3I, o grupo dos três mais importantes municípios do entorno da Capital, casos de Campinas, São José dos Campos e de Sorocaba. Já o G3C, formado pelos três municípios mais importantes da Grande São Paulo, além dos sete do Grande ABC, casos de São Paulo, Guarulhos e Osasco, o avanço nominal alcançou 214,26%.
São mais que evidentes os impactos frontais da descentralização automotiva combinada com valorização do real, rebaixamento de alíquotas de autopeças, juros estratosféricos e elevação incontida da carga tributária em 50% durante o governo Fernando Henrique Cardoso. O Grande ABC não perdeu apenas peso relativo no jogo econômico estadual e nacional por conta do esvaziamento industrial. Perdeu também peso absoluto. Embora as fábricas de automóveis, caminhões e ônibus sediadas na região tenham aumentado a produção nos últimos anos, nem assim o peso da desindustrialização deixou de sinalizar complicações.
Investimentos em novas tecnologias, máquinas e processos, e também em preparação da mão-de-obra, tornaram as montadoras e sistemistas (grande autopeças que abastecem diretamente as linhas de produção) muito mais produtivas e com menos trabalhadores por veículo completado. Entretanto, tanto na cadeia automotiva de pequenas e médias autopeças como em outras atividades fabris não faltaram deserções em busca de vantagens da guerra fiscal e também altos índices de mortalidade pelo impacto da abertura econômica.
A relação do clube dos 20 municípios mais importantes do Estado quando o critério de Valor Adicionado é colocado como referencial de análise não passou por grandes transformações em 10 anos. Apenas Taubaté, então na 32ª colocação, passou a ocupar o ranking, substituindo a Hortolândia em 20º lugar. Mudanças de fato aconteceram na ordem classificatória. O Grande ABC não conseguiu segurar nenhuma posição. São Bernardo caiu do segundo para o quinto lugar, Santo André do sétimo para o nono, Mauá do nono para o 14º lugar, Diadema do 13º para o 15º e São Caetano do 11º para a 16ª posição. São Paulo manteve a liderança. Paulínia de seletivo pólo químico-petroquímico virou segunda colocada. Guarulhos, São José dos Campos e Cubatão mantiveram postos. Outros municípios subiram e desceram levemente, sem maiores retumbâncias.
Valor Adicionado não é importante apenas porque mensura anualmente o fervilhar ou o esgotamento gradual e persistente da produção de riquezas. Grande parte dos recursos arrecadados pelo governo do Estado e enviados aos cofres municipais em forma de repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) está parametrizado pelo chamado IPP (Índice Percentual de Participação). E o IPP está fortemente influenciado pelo Valor Adicionado. De cada R$ 100 que o governo do Estado devolve da arrecadação aos municípios, R$ 76 seguem a trilha do ranking do Valor Adicionado. Ou seja: quanto mais é arrecadado de VA, mais os cofres das prefeituras são beneficiados.
Os demais indicadores que alimentam o IPP estão relacionados à Receita Tributária Própria, População, Área Cultivada, Área Inundada e Área Preservada. Nada, portanto, chega ao menos perto da influência do Valor Adicionado. Uma péssima notícia para municípios que se desindustrializaram nos anos 1990. A contrapartida de elevação da população é insuficiente, porque o quesito pesa apenas 13% na grade de definição do repasse do ICMS.
Sede de várias das principais montadoras e autopeças do Grande ABC, São Bernardo é o centro do buraco que se abriu na economia regional nos últimos 10 anos. Nada menos que 61% de tudo que desapareceu de produção de riqueza na região no período teve São Bernardo como endereço principal. Quando se soma a queda relativa de 34,7% de São Bernardo aos 9,9% de Diadema chega-se a 70%. A associação é imperativa. A economia dos dois municípios tem fortes ligações no setor automotivo. De cada R$ 10 que sumiram pelo ralo da desindustrialização do Grande ABC entre janeiro de 1995 e dezembro de 2004, R$ 7 tiveram esses dois municípios como núcleos da derrocada.
Nenhum Município do Grande ABC escapou da degola no período pesquisado pelo Instituto de Estudos Metropolitanos. Mauá perdeu 24%, Ribeirão Pires 46%, Rio Grande da Serra 6,6%, São Caetano 25,2% e Santo André 9,4%. O volume de R$ 12,8 bilhões dinamitados pelos desastrados efeitos colaterais do Plano Real reduziu a participação relativa do Grande ABC no bolo estadual de 13,90% em 1994 para 9,15% em 2004 – uma diferença de 34%; portanto maior que a queda dos números absolutos.
Isso significa que incorre em equívocos de avaliação quem pretende desqualificar a desindustrialização do Grande ABC ao utilizar o argumento de que a queda é apenas relativa – ou seja, de que outros municípios cresceram mas não necessariamente a região sofreu reveses. A realidade é duplamente insatisfatória. Os números escancaram perdas relativa e absoluta, a primeira maior que a segunda, mas a segunda bastante inquietante. A queda relativa de São Bernardo no bolo estadual foi maior que a do Grande ABC. Em 1994 a capital do automóvel respondia por 6,3% de tudo que se produzia de riqueza no Estado de São Paulo. Dez anos depois caiu para 3,7% – um rebaixamento de 41%.
Além dos municípios do Grande ABC apenas Guarulhos entre os demais que integram o pelotão das 20 economias mais representativas do Estado sofreu percalços produtivos nos 10 anos pesquisados, quando perdeu 10,8% da capacidade de gerar riqueza. Os demais, todos, registraram números positivos. Nada se compara à excepcional Paulínia, que atingiu crescimento real de 111,83%. As demais economias exibem numerais relativamente satisfatórios: Campinas chegou a 10% de avanço, São José dos Campos a 23,7%, Sorocaba a 28,3%, Osasco a 10,5%, Cubatão a 32,8%, Barueri a 20%, Jundiaí a 21%, Ribeirão Preto a 31%, Santos a 25%, Piracicaba a 22%, Suzano a 6,7% e Taubaté a 75,6%. Até mesmo São Paulo, sede econômica e financeira da metrópole paulista, conseguiu superar os efeitos da descentralização em massa da produção industrial em direção à chamada Grande São Paulo Expandida com crescimento do Valor Adicionado de discretíssimos 2%.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?