O noticiário que conviveu com o período carnavalesco na Província do Grande ABC deixou esperado saldo negativo. Selecionei o que entendo terem sido os quatro principais temas que permearam as informações de jornais locais, impressos e virtuais. O placar de 3 a 1 que engrossa o volume mais que vivo de complicações não é surpresa a quem acompanha a movimentação da terra nesse território.
Não perdemos a mania de colecionar dificuldades. Mais que isso: não perdemos a mania de criar dificuldades. Vou deixar para os últimos parágrafos o ponto positivo que encontrei nos jornais. Dizem que a primeira impressão é a que fica. Se for verdade, uma verdade rebuscada pelo cientificismo da psicologia, mais que nunca, então, mantenho a única notícia boa para o final. E reforço o negativismo realístico e inegociável com três apontamentos que provocam convulsões no organismo social da região.
Não merecemos como região algo diferente de um permanente ponto de interrogação sobre o futuro que nos aguarda. Pena que não exista um elemento gráfico que simbolize algo como desencanto, o qual tornaria desnecessário o uso de determinados verbetes. Desencanto, por exemplo, poderia ser substituído por um sinal gráfico, já que interrogação nem sempre carrega esse sentimento. Mais que isso: certas interrogações maliciosamente utilizadas podem sugerir exatamente o contrário, ou seja, uma proposta de respostas positivas que sabemos não virão. Os malandros da semântica são especialistas em tergiversar.
Carnaval rural fracassou
O primeiro déficit do noticiário à autoestima regional foi a constatação de que o carnaval rural de São Bernardo não passou mesmo de fracasso antecipado isoladamente nestas páginas virtuais. Por mais que veículos de comunicação alinhados à Administração Luiz Marinho tenham procurado dourar a pílula, chegando-se ao desplante de enaltecer o evento realizado na Estrada Velha, num clube particular sem o apetrechamento técnico-operacional indispensável às tradições e imperiosidades do evento, e também por mais que outros veículos de comunicação tenham desdenhado da situação inusitada, ao tratar a transferência de local como algo sem a menor importância, a realidade se impôs e o evento deixou muito a desejar.
Tanto deixou a desejar que, mesmo com todos os cuidados de uma diplomacia regida por interesses financeiros de financiamento de parte dos custos de apresentação, o presidente da Superliga das Escolas de Samba de São Bernardo não quer ouvir mais falar em Estrada Velha do Mar, exceto como turismo. Disse Léo de Oliveira ao Diário do Grande ABC de terça-feira que não há condições para aquele espaço receber as agremiações novamente. “Foi um período conturbado devido às obras e à falta de outros locais. Jamais vou deixar de fazer o Carnaval na cidade, por isso tivemos que optar por esse espaço”.
Mais adiante, o mesmo dirigente afirmou ao Diário que o evento foi paliativo: “Foi a única possibilidade de realizar a festa. Agora é hora de as escolas de samba ficarem juntas para o seminário e defendermos o nosso espaços. Queremos um local para receber o samba e recuperar o público”, afirmou em sentença mais que emblemática de condenação ao modelito adotado.
A gestão Luiz Marinho entende tanto de Carnaval quanto este jornalista de orquídeas. É verdade que o dirigente carnavalesco tentou aliviar a barra do prefeito, mas não existe remédio quando planejamento é ficção. São Bernardo teve um ano inteiro para definir e aprovar espaço urbano à festa do povo e não fez outra coisa senão brincar com o fogo da improvisação. A Administração Municipal só poderia mesmo sair chamuscada.
Fundação das conveniências
De lascar também foi a declaração do prefeito Paulo Pinheiro, de São Caetano, publicada na terça-feira de Carnaval. Ele disse sem cerimônia e compostura republicanas que condicionava a permanência no cargo de diretor jurídico da Fundação do ABC, ocupada por Moacyr Rodrigues, à obediência do vereador Beto Vidoski (PSDB) no Legislativo local. Moacyr Rodrigues é presidente municipal dos tucanos em São Caetano e ocupa cargo na Fundação do ABC à moda Xangola, codinome do protegido do prefeito Luiz Marinho, Maurício Mindrisz: apadrinhamento político deslavado.
No caso de Moacyr Rodrigues a situação espelha ainda mais apropriadamente a farra de distribuição de cargos na Fundação do ABC: ele é sogro do vereador Vidoski, que atuou como um dos líderes do recentemente extinto G-11, o grupo de 11 parlamentares supostamente independentes que impôs derrotas ao Palácio da Cerâmica no Legislativo até que as águas de vantagens mútuas se encontraram. “É um cargo político, foi indicação do Vidoski. Ele fica enquanto mantivermos o acordo politico”, disse o prefeito, referindo-se à diretoria da Fundação do ABC, como se recitasse batatinha quando nasce. É a esbórnia confessada e carimbada.
Repito sempre e vou continuar a repetir porque essa é uma arma pedagógica: a Fundação do ABC é a única regionalidade que deu certo na história da Província do Grande ABC. Razões para isso não faltam: todos os partidos políticos entrelaçam interesses individuais e o orçamento da instituição é bilionário. As irregularidades são semelhantemente frondosas, embora indevassáveis à curiosidade pública porque instâncias que deveriam fiscalizar o uso de dinheiro público são omissas.
Fantasia imobiliária
A terceira notícia estonteantemente dissuasiva a qualquer empreitada de revigoramento da Província foi publicada com destaque pelo Diário do Grande ABC de segunda-feira, 16 de fevereiro: “S. Bernardo é a melhor para investir em imóvel”. A reportagem afirma que a cidade da região é a melhor da geografia nacional com menos de um milhão de habitantes para o investidor que pretende construir imóveis residenciais e vender. Santo André aparece em terceiro lugar. A pesquisa é assinada pela Prospecta Inteligência Imobiliária.
É inacreditável que o jornal se fie num trabalho cuja metodologia foi pouco explorada e mesmo que fosse transparente jamais apagaria a realidade dos fatos à mostra: São Bernardo é uma cordilheira de cimento armado à espera de compradores de imóveis residenciais e comerciais. A crise no mercado imobiliário da Província é inquietante, mas quando se observa particularmente São Bernardo, o nível de gravidade é desestimulador. Nada que não tenha fundamentação econômica: nos últimos anos o PIB local sofreu vários choques negativos. Só na temporada de 2012, últimos dados disponíveis, o PIB Industrial de São Bernardo caiu 23,34%.
Ainda recentemente, como uma das provas do estado de calamidade do mercado imobiliário de São Bernardo, dezenas de apartamentos do empreendimento Domo, no entorno do Paço Municipal, foram a leilão e sofreram deságio superior a 40%. Uma situação nada sazonal e localizada. Os preços continuam a cair indistintamente nos mais variados tipos de empreendimentos do setor. Os preços só seguem às alturas para os lunáticos.
Forças das águas
Para encerrar com a única boa notícia disponível durante o período de Carnaval, o prefeito de Mauá, Donisete Braga, deu demonstração de que a gestão pública não pode enclausurar-se supostamente para produzir soluções que nem sempre estão ao alcance dos mais próximos. Braga criou um comitê de contingência para discutir possíveis soluções locais para a maior crise hídrica na Região Metropolitana de São Paulo. Fez o petista em âmbito municipal o que faltou ao também petista Luiz Marinho à frente do Clube dos Prefeitos de forma oficial até recentemente, e de maneira informal nestes dias. A iniciativa do então titular do Clube dos Prefeitos poderia ter sido deflagrada no último trimestre do ano passado, mas Luiz Marinho estava mais preocupado com as eleições presidenciais e ao governo do Estado.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!