Sociedade

Como a Província está encarando
essa temporada de novas perdas?

DANIEL LIMA - 24/02/2015

Gostaria muito, mas muito mesmo, de saber como o morador da Província do Grande ABC está encarando este novo ano, essa nova temporada. Minhas percepções não costumam me trair. Esse chão conheço bem. Seria ótimo, entretanto, se pudéssemos contar com dados estatísticos mensuráveis, confiáveis e irrebatíveis. Como o que o jornal Valor Econômico publica hoje em matéria sobre o que os brasileiros em geral pensam destes dias que se abrem. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Data Popular e também pelo Instituto Ideia Inteligência em 259 municípios brasileiros.


 


Os resultados foram desastrosos. Na Província, acreditem, seriam ainda piores, mas não há compartimentação geográfica que permita estudo específico. Duvido que alguém acredite que uma região à sombra das montadoras de veículos pode respirar aliviada como os pátios lotados e as fábricas esvaziadas por férias coletivas, demissões e suspensão temporária de contratos. Mas isso é apenas um pedaço do naco de estragos.


 


Os brasileiros observam o quadro atual de forma distinta, dependendo das regiões em que vivem. Se ao Sul e ao Sudeste, mais preocupados se manifestam. No geral, o pessimismo da população em relação à economia é disseminado, segundo o Valor Econômico: 75% dos 78,2 mil entrevistados acreditam que o ano será pior para o emprego, 62% acham que haverá aumento de impostos e 85% sentem que os preços continuarão subindo. Na Província, acreditem, os números seriam escandalosamente mais inquietantes. Principalmente no campo do emprego.


 


Combinação maquiavélica


 


O ambiente regional está pra lá de desalentador. Existe uma combinação maquiavélica de alguns fatores que incrementam o caldo fervente de decepções. Sem maiores reflexões que me levariam a estruturar com cuidado aspectos que alimentam a sensação de que somos uma porção muito mais insatisfeita do que a média da população brasileira, reúno de bate-pronto cinco motivos que me asseguram convicção plena de que não tomei uma vereda de equívocos ao reafirmar o grau mais crítico da sensação da sociedade regional com o que anda acontecendo após tantos escândalos e a frustração com a distância que separa os discursos eleitorais e a realidade administrativa do governo federal. Vejam:


 


a) Politização acentuada dos representantes da classe média tradicional, embora a maioria se mantenha na retranca em termos de manifestações e, principalmente, de mobilizações para colocar alguma coisa em ordem na casa recheada de escândalos. Nossa classe média não tem o grau de inconformismo e de organização da classe média da Capital, por exemplo, mas está muito à frente da classe média da maioria dos municípios da metrópole, retardatárias, quando muito, na apropriação do desenvolvimento econômico que nos bafejou a partir de meados do século passado.


 


b) Quebra contínua da mobilidade social, resumidamente uma engrenagem em que os pobres viram remediados, os remediados viram classe média e a classe média vira classe rica. A velocidade de composição de novas famílias escalando a hierarquia social é bastante reduzida em relação à média nacional e está muito aquém de outras geografias industrializadas ou em processo de industrialização. Esse contraste gera estado de ânimo mais acirrado, mais impaciente, sobretudo porque há o passado de glória a instigar um futuro igualmente feliz que não se confirma à maioria das pessoas. A fuga de cérebros em direção à Capital é um dos indicadores explícitos. Está expressa no fluxo viário e nos resultados cada vez piores do PIB regional.


 


c) Sensação de impotência e de baixa representatividade institucional por conta da ausência de veículos de comunicação de massa, situação que eterniza a periferização cultural de que somos vítimas e acentua os grotões que exercitam o Complexo de Gata Borralheira da pior maneira possível, subestimando a árvore frondosa de deficiências locais e superestimando alguns pontos esparsos de supostas vantagens comparativas em relação à Capital. Nesse ponto, chegamos ao fundo do poço. Nossas instituições empresariais, culturais, sociais e sindicais são uma lástima em articulações. Vivem de favores e varejismos e patrocinam lutas-livres individuais ou de grupelhos em busca de uma vaga no clube dos mandachuvas e dos mandachuvinhas inúteis.


 


d) Divisionismo emburrecedor entre representantes da sociedade de patrões e de empregados do setor industrial, deformação social que se espalhou e se cristalizou ao longo dos tempos e que ganhou novos aportes de improdutividades comunitárias com o recrudescimento de interpretações ideológicas aquecidas pela fragilização do petismo. Nesse ponto, o quadro atual é de inteiro comprometimento do futuro porque a aproximação entre os contrários, vivenciada em alguns estratos formadores de opinião e tomadores de decisões nos anos 1990 praticamente desapareceu do cenário institucional. Pelo menos no sentido de compromisso com a sociedade, não com o próprio umbigo.


 


e) Ausência de protagonismo do jornalismo em geral, sobretudo impresso, preso a mecanismos que o subordina, em larga escala, aos detentores do poder político nos respectivos paços municipais. Há um fosso a separar os interesses da sociedade, as pautas dos jornais impressos e digitais e os gestores públicos. As exceções de críticas fundamentadas e de questionamentos oportunos confirmam a regra de baixa combatividade jornalística decorrente da quebra da riqueza industrial e do excesso de figurantes nas áreas de serviço e comercial, a dilapidar o poder de investimentos publicitários.


 


DataDiário na fita


       


Tomara que o presidente do Diário do Grande ABC, Ronan Maria Pinto, leve adiante o projeto que me confidenciou ainda outro dia sobre o incremento de insumos do DataDiário, também conhecido por DGABC Pesquisas. O instituto, que precisa ter mais transparência metodológica, poderá ser bastante útil à captura da temperatura social e econômica da região.


 


Precisamos passar pela vergonha de nos defrontar com o próprio espelho que tanto evitamos ou maquiamos para iniciar uma jornada longa, cansativa mas recompensadora de reconstrução do tecido institucional inteiramente fora de moda, puído e desavergonhado que ostentamos. 


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