São tantas as deficiências institucionais da Província do Grande ABC, território em que Mercado, Sociedade e Estado (no sentido de municípios) estão completamente divorciados de uma agenda de recuperação tão indispensável quanto histórica, que não resisti à comparação com a Petrobras pré-escândalo. Há entre os mais informados o sentimento de que a corrupção em forma de manutenção dos interesses específicos é insidiosa e retaliadora a qualquer objetivo de transformação. Entretanto, poucos estão dispostos a dar o primeiro passo rumo a novos tempos. E sem um primeiro passo, o ambiente regional, entendido como o multiplicatório (de Odorico Paraguaçu) de compromissos sociais vai para o beleleu.
Para deixar de ser Província do Grande ABC e voltar a honrar a condição de Grande ABC é indispensável que a região conte com agentes motivadores a uma jornada que não será curta e tampouco cômoda. Precisamos reestruturar as entidades de classe empresarial, sindical e social que servem em grande escala apenas a meia dúzia de dirigentes. Há casos em que servem exclusivamente ao presidente eterno, como o Clube dos Especuladores Imobiliários.
Aliás, a entidade dirigida pelo empresário Milton Bigucci é emblemática do estado de anomia institucional que permeia a região. O Clube dos Especuladores Imobiliários receberia cotação máxima de inapetência ao exercício pleno de atuação porque é o suprassumo do individualismo combinado com oportunismo. Mas Milton Bigucci não está sozinho. E não larga o osso de forma alguma.
Tanto não larga o osso que ainda no ano passado -- e divulgamos neste espaço o movimento – houve tentativa de composição de uma chapa de oposição que pretendia derrubar Milton Bigucci da presidência eterna. A iniciativa deu com os burros nágua, tanto quanto outra, de constituir uma nova entidade de classe. Em ambas as situações os desdobramentos foram fragorosamente liquidados. Os articuladores foram mantidos em anonimato preventivo, porque temiam retaliações, mas as articulações acabaram detectadas pelo sistema de gerenciamento de risco da quebra de mordomias institucionais criado por Milton Bigucci.
O milionário empresário é um coronel do asfalto que não mede esforços, meios e parcerias para pressionar eventuais adversários. Conheço como poucos o entorno que lhe oferece guarida. E também o entorno que o considera altamente nocivo ao mercado imobiliário.
Árvore frondosa
Outros dirigentes que se consideram intocáveis agem com menos poder de coerção, mas são igualmente inúteis ao conjunto da sociedade e também às respectivas categorias. A ordem unida do bloco dos improdutivos da Província do Grande ABC tem no controle tático das mídias locais, sobretudo os jornais, uma das premissas para se manter no poder. Eles sabem de cor e salteado que teriam muito a perder em vantagens comparativas com concorrentes e também na escala de egocentrismo que determina alguns critérios de suposta credibilidade social. Incompetentes na condução de suas entidades, revelam-se ardilosos na estratégia de manipular a agenda regional, se de agenda regional podemos chamar a repetição contínua de penduricalhos programáticos voltados ao próprio umbigo corporativo e individual.
A corrupção na Província não se dá necessariamente – embora não se deva excluir essa possibilidade, como bem provam as irregularidades com envolvimento de Milton Bigucci – no sentido juridicamente consagrado do termo. Corrupção também se formaliza como metáfora, de drenagem contínua da cidadania por mandachuvas e mandachuvinhas que, ao sequestrarem as instâncias de poder, impedem ou desestimulam movimentações de forças contrárias e oxigenadoras.
Somos um organismo intoxicado por agrupamentos privilegiados que, como os corruptos e corruptores da Petrobras, não são invencíveis. Basta começar a cutucá-los. Eles vão virar castelo de cartas porque o que os alimentam são a descrença e o conformismo da grande maioria silenciosa.
Sonho acordado com o dia em que a cidadania regional se manifestará mesmo que seletivamente, mas com força suficiente para iniciar faxina que será longa, cansativa, mas reconfortante. O processo de desidratação de cúpulas nocivas ao conjunto da sociedade ainda parece distante. A dispersão dos eventuais reformistas e dos inconformistas segue a abrir a porta da felicidade aos prevaricadores sociais, mas quem garante que não despertaremos a novos tempos muito antes do que imaginam mesmo os mais céticos?
Pirelli emblemática?
Talvez o caso da Pirelli de Santo André, empresa que não dá satisfação alguma a seus trabalhadores e à sociedade sobre os planos decorrentes da venda do controle acionário aos chineses, seja o fato mágico a catalisar e a legitimizar o conceito de regionalidade.
Fosse a Província o que imagino que possa ser, a representatividade econômica e social da região hoje subjugada por uma maioria de inúteis, seria vigorosa e se manifestaria de forma organizada e determinada a manter em constante sintonia um canal de relacionamento técnico e diplomático não só com a multinacional agora chinesa, mas também com todo o setor de transformação industrial da região.
Afinal, por mais que o capitalismo destes tempos seja pragmático, a ideia de que a Província do Grande ABC é uma casa da mãe Joana institucional, onde tudo pode, explica em larga escala a forte desindustrialização das duas últimas décadas.
Somos cada vez mais reféns do setor automotivo que todos os municípios gostariam de ter. Entretanto, quem tem como nós sabe ou deveria saber que existe a contraface da Doença Holandesa, a qual, entre múltiplos estragos, levou as chamadas lideranças empresariais, políticas, sociais e sindicais a se acomodarem em berço esplêndido.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!