As provas documentais são tão contundentes a sustentar que o empresário Milton Bigucci assaltou os cofres públicos de São Bernardo ao manipular com parceiros o leilão que culminou na aquisição do terreno de 15 mil metros quadrados onde constrói o empreendimento Marco Zero que seria inadmissível qualquer possibilidade de contestação legal. Pois a 12ª Procuradoria do Ministério Público de São Bernardo conseguiu a proeza de mandar arquivar a denúncia deste jornalista. Vou recorrer a instâncias superiores. O MP de São Bernardo deveria aprender com o exemplo do Ministério Público Federal que acabou com a festa de construtores que, na Capital, pretendiam transformar uma área de proteção ambiental em farra do boi. Ou com a força-tarefa dos procuradores que, juntamente com a Polícia Federal, acabaram com as tramoias na Petrobras.
Primeiro, o caso Milton Bigucci; depois o caso na Capital. É imenso o manancial de informações e de provas que preparei para denunciar um empresário até então ainda não descoberto como integrante da Máfia do ISS da Capital e denunciado pelo MP do Consumidor de São Bernardo como campeão de irregularidades. Foi um verdadeiro dossiê a compor a peça que rastreia a participação delituosa do dirigente empresarial (ele preside o Clube dos Especuladores Imobiliários da região) naquela aquisição, em julho de 2008. Tudo devidamente preparado e enviado ao Ministério Público. Quase dois anos depois de seguidas solicitações deste jornalista, o MP chegou à inacreditável conclusão formalizada em resposta na tarde de ontem: o escândalo do Marco Zero foi arquivado. O Ministério Público de São Bernardo foi incapaz de encontrar irregularidades, quando nem precisaria se preocupar ante o que lhe foi apresentado. Todas as manobras técnicas e documentações estão claramente tipificadas no dossiê encaminhado em maio de 2013.
O que se passa?
Não é a primeira vez que o Ministério Público Estadual apura sem a devida acuidade um escândalo imobiliário denunciado por este jornalista na Província do Grande ABC. O empreendimento Residencial Ventura, em Santo André, depositário de um agregado de pecados legais, também passou incólume por suposta investigação do Ministério Público. Tudo igualmente comprovado, a dano dos adquirentes.
Chegou-se ao desplante de este jornalista ser acionado judicialmente pelos empresários que burlaram a legislação municipal para impor uma cronologia de lançamento do empreendimento que bem lhes convinha e à revelia da legislação. Sabe-se que o MP não investigou devidamente as irregularidades porque não tem estrutura de pessoal e infraestrutura técnica à empreitada. Só não fui penalizado em instâncias judiciais porque houve falha processual.
Quem mora no Residencial Ventura e coloca a saúde pessoal acima de interesses financeiros de quem caiu numa armadilha sabe que há um histórico de problemas de manutenção da estabilidade física daquelas torres erguidas sobre um terreno com fortes marcas de contaminação, segundo laudo expedido à época pelo Semasa, a autarquia de Santo André responsável inicial pela liberação do empreendimento.
Aberração arquivada
Voltando ao caso do Marco Zero, essa aberração de negócio imobiliário que obedeceu a uma tramoia engendrada para baratear tremendamente o preço do metro quadrado do terreno então de propriedade da Prefeitura de São Bernardo, o pior mesmo é o descaso do Ministério Público tipificado pela atuação da 12ª Promotoria de Justiça. Durante todo o período de suposta investigação da denúncia, este jornalista jamais foi chamado a colaborar com eventuais esclarecimentos às possíveis argumentações dos empresários metidos na encrenca.
Nenhuma vez sequer o MP se preocupou em solicitar esclarecimentos que poderiam desqualificar as interpretações dos defensores legais dos fraudadores da licitação. Chega a ser ofensivo notar que tamanho descaso fere completamente o direito à informação que o Ministério Público em qualquer instância deve exercitar à exaustão. E o resultado da suposta investigação só foi comunicado laconicamente pelo MP a este jornalista após várias tentativas frustradas.
Não tenho a menor ideia sobre a massa de contra-informações dos fraudadores do Marco Zero apresentada ao Ministério Público. Nada me foi oferecido como contraponto. Tanto que ao receber ontem o comunicado sobre o arquivamento do processo, a primeira reação que tive foi encaminhar como resposta à promotoria de São Bernardo não só frases de indignação como também à solicitação do conteúdo do processo. Tenho todo o direito de saber por que o MP mandou arquivar um crime comprovadamente consumado. Até porque o material servirá de base suplementar à investida que farei em outras instâncias.
Inveja da Capital
É por essas e outras que sinto inveja dos moradores da zona sul de São Paulo que, após pressionar o Ministério Público Federal, como noticiou o Estadão de ontem, conseguiram convencer a Cyrela a congelar o projeto que previa a construção de um condomínio em área de preservação permanente ao lado do Parque Burle Marx, no Panamby. Os moradores reuniram 24 mil assinaturas e evitaram o corte de 1.034 árvores nativas que estão em área de várzea do Rio Pinheiro.
Sempre segundo o Estadão, a Cyrela informou em carta que a saída do projeto foi encaminhada para o Fundo de Investimento Imobiliário Panamby no dia 20 de fevereiro. Os outros dois parceiros do projeto, a Brookfield e a Camargo Correia, ainda tentam licenças no governo municipal para viabilizar novos prédios no terreno de 717 mil metros quadrados, o único ainda com mata fechada na região.
Na carta de desistência, a Cyrela admite que a pressão de moradores do Panamby obrigou a construtora a tomar a decisão. “O acirramento de posições tem evidenciado que não há possibilidade de serem solucionados os atos de resistência em via amigável. Pelo contrário. Eis que recentes e notórias noticias relacionadas com projetos de outros empreendedores na mesma região denotam que há possibilidade real de o caso ser objeto de demandas judiciais que fazem com que não se tenha qualquer perspectiva de solução desses assuntos em médio prazo e/ou longo prazo”, informou a empresa, sempre segundo o Estadão.
Segundo constatou o Ministério Público Federal, se as licenças fossem concedias para todo o projeto, mais de cinco mil árvores seriam cortadas. A maior parte já estava demarcada com placas de ferro. Muitas espécies de Mata Atlântica, como caneleiras e palmitos Jussara, foram derrubadas de forma ilegal em 2014, segundo constatou o MPF. Para derrubar espécies de vegetação rara com mais de 70 anos e 30 metros de altura, funcionários que trabalharam sem autorização de órgãos públicos dentro do terreno faziam cavas com 1,5 metro de profundidade ao lado dos troncos, desestabilizando as árvores que acabavam caindo em menos de duas semanas. Esses funcionários foram flagrados pelos peritos do MPF promovendo o desmatamento no dia 3 de setembro. Acionada no dia seguinte, a Polícia Militar também constatou a existência de cavas, informou o Estadão.
O MPF diz também que os empreendedores tentavam fatiar o licenciamento, com pedidos protocolados na Prefeitura e na Cetesb, como forma de evitar um único pedido de autorização no Ibama, responsável por conceder as autorizações nos terrenos com remanescentes de Mata Atlântica em áreas com mais de três hectares (30 mil metros quadrados).
Marco da vergonha
O empreendimento Marco Zero geneticamente delituoso, porque é fruto de um leilão de cartas marcadas, também reúne tecnicamente algumas características de irregularidades apontadas pelo Estadão no caso Panamby. O terreno foi fatiado para comportar um empreendimento que claramente agride a mobilidade urbana. O impacto de vizinhança foi simplesmente subestimado, senão esquecido.
Aquela montanha de cimento armado que se levanta entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro não é muito diferente, embora em menor escala, do impacto que se observa no horizonte próximo mais de uma dezena de torres residenciais e comerciais lançadas no entorno da Prefeitura de São Bernardo. É o chamado Domo, maior mico imobiliário da região e de potencial de agressividade à mobilidade urbana que só não se converteu ainda em tragédia de escala porque a economia engatou marcha à ré.
O arquivamento do escândalo do Marco Zero está na contramão dos ventos de moralidade pública que a Operação Lava Jato enseja. O Ministério Público de São Bernardo tem obrigação legal de me informar as razões que o levaram a cometer tamanha barbeiragem.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!