Sociedade

Escândalo do Marco Zero: veja
o que o MP resolveu desprezar

DANIEL LIMA - 09/04/2015

Foram 123 mil caracteres de textos sobre o escândalo do Marco Zero, empreendimento que a construtora MBigucci ergue sobre um terreno nobre adquirido de forma fraudulenta num leilão público viciado desde a origem. O dossiê completo enviado ao Ministério Público de São Bernardo integra o acervo desta revista digital de forma cronologicamente espaçada. Aos leitores que pretendem ter acesso a um pacote exclusivo com todo aquele material, tomamos a decisão de preparar este artigo. Mais que todo o material, hão de notar que reproduzimos abaixo e sequencialmente à ordem crescente de datas também uma metodologia visual, destacando os parágrafos que consideramos centrais ao despertar de uma leitura mais atenta.


 


Retomamos, com isso, um assunto sobre o qual nos debruçamos ontem. Ou seja: nosso espanto e nosso inconformismo com a decisão da 12ª Procuradoria de Justiça de São Bernardo em arquivar a denúncia contra um empresário cuja ficha está indelevelmente viva no Ministério Público do Consumidor de São Bernardo e também na Controladoria-Geral da Prefeitura de São Paulo, primeiro como campeão de irregularidades na região, segundo como integrante da maquinaria de trambicagens juntamente com fiscais de tributos da Capital, a chamada Máfia do ISS.


 


Estamos tomando todas as providências legais para obter do Ministério Público de São Bernardo, mais precisamente da 12ª Promotoria, o processo integral que levou àquela decisão. Sem o menor risco de invadir a área em posição de impedimento, o que apresentamos ao MP jamais poderia ser simplesmente arquivado. Diria mais: fosse a força-tarefa que dá um show de investigação na operação Lava Jato, a situação criminal de Milton Bigucci e seus parceiros de negociata estaria crítica.


 


O que teria, então, ocorrido durante quase dois anos em que o material que se segue ficou sob a guarda da Procuradoria de Justiça de São Bernardo? É o que, em resumo, pretendo saber diretamente do volume processual acumulado. De antemão diria que eventuais contra-argumentações dos empresários diretamente ou não implicados na falcatrua me provocariam urticária. Aliás, não foi diferente num passo anterior quando, também o Gaeco de São Bernardo, igualmente abriu mão de investigar informações que os leitores encontrarão na sequência.


 


A que ponto chegamos? Que jornalismo se pretende incentivar neste País se um braço tão importante ao enraizamento frondoso de responsabilidade social contraria exemplos de autonomia, empenho e coragem como o do caso da Petrobras e, inexplicavelmente, sem dar a mínima satisfação, sem incentivar o contraditório presencial, sem nada que possa ser catalogado como democracia participativa, simplesmente atira ao pretenso esquecimento algo tão delituosamente vergonhoso? Agora, à leitura.  


 


Testemunha-bomba está pronta para
confirmar fraude da MBigucci ao MP


  DANIEL LIMA - 18/2/2013


 


A testemunha-bomba que desmascara a operação Marco Zero da Vergonha está pronta e à disposição do Ministério Público Estadual de São Bernardo para confirmar em detalhes a engenharia relacional que culminou na arrematação fraudulenta do terreno da esquina da Avenida Kennedy com a Avenida Senador Vergueiro. 


 


Ali naqueles 15,9 metros quadrados, a MBigucci do empresário e presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci, anuncia o empreendimento Marco Zero, conjunto comercial, residencial e de serviços. Empresa do braço empresarial de Milton Bigucci, a Big Top 2, criada pouco mais de um mês antes do leilão da área que pertencia à Prefeitura de São Bernardo, agiu em conluio com a Braido e a Even, para amealhar o patrimônio público.


 


CapitalSocial tem denunciado o crime há mais de dois anos, mas agora o enfatiza com novos elementos e por conta da surpresa de ter tomado conhecimento de que o Ministério Público Estadual mandou arquivar o processo investigatório. Um processo investigatório frágil, reticente e incompleto que CapitalSocial contesta. Mais que contesta, pretende desengavetá-lo por acreditar na sensibilização do MP.


 


José Moreira Azevedo é o corretor de imóveis que o Ministério Público já deveria ter ouvido detalhadamente, mas não o fez porque, acredita-se, não contou com a colaboração do Procurador-Geral do Município, José Roberto Silva. Ao procurador foi encaminhada seleção de páginas do processo cível que o corretor moveu e ainda move contra a Even Construtora e Incorporadora, por conta de ter participado ativamente dos estudos que encaminharam o arremate do terreno de 15,9 mi metros quadrados.


 


O Procurador-Geral de São Bernardo engavetou o material, mesmo após afirmar a este jornalista que aquelas provas eram contundentes. Tão contundentes que, assegurou, garantiria a punição de servidores públicos e o endereçamento dos papéis à promotora criminal Mylene Comploier, a quem CapitalSocial fez a entrega pessoal das primeiras denúncias.


 


À espera do Ministério Público


 


José Moreira de Azevedo afirmou na última quarta-feira, ao tomar conhecimento dos detalhes de nova reportagem de CapitalSocial sobre o Marco Zero da Vergonha, que só está à espera do Ministério Público para dizer tudo o que o levou a ingressar na Justiça para requerer a comissão a que tem direito por participar do aparato técnico preparatório à aquisição do terreno. “Vou dizer ao Ministério Público tudo o que assisti naquele leilão, ou seja, que foi uma encenação completa envolvendo a Even, a MBigucci e a Braido. Tanto que na sequência, não tiveram dúvidas em assinar documentos de garantias mútuas” – disse o corretor de imóveis. Esses documentos ganharam novas configurações jurídicas por conta da tentativa de eliminar o direito do corretor receber a parte que lhe cabia nas negociações -- uma bagatela de R$ 840 mil, ou 6% sobre o valor do terreno arrematado – R$ 14 milhões.


 


O corretor José Moreira de Azevedo ingressou com a ação de cobrança em 18 de dezembro de 2008 no Foro Central Cível de São Paulo, na Praça João Mendes. Foi essa medida que levou CapitalSocial a denunciar as irregularidades no leilão do terreno em São Bernardo. Uma fonte desta publicação, ao acompanhar matérias envolvendo o empresário Milton Bigucci à frente da Associação dos Construtores do Grande ABC, decidiu denunciar a fraude.


 


Há pouco mais de um ano CapitalSocial manteve contato com o corretor José Moreira e obteve acesso ao processo. Embora a base sobre a qual se ergueu o arrazoado jurídico do autor da ação contra a Even tenha sido a constatação de formação de consórcio irregular das três organizações (Braido; Bigucci, através da Big Top 2; e Even, através da Even Butterfly) durante o leilão do terreno, o centro da ação foi o direito à comissão de 6% sobre o valor do terreno, não especificamente a fraude perpetrada.


 


O corretor José Moreira Azevedo prestou serviços de assessoria imobiliária à Even a partir da obtenção da Ficha de Informação Cadastral (FIC) relativa à área em questão. O documento foi obtido junto à Secretaria de Planejamento e Tecnologia da Informação da Prefeitura de São Bernardo muito antes da oficialização do processo licitatório. O corretor, então, solicitou ao escritório de arquitetura Jonas Birges, conforme se depreende de comunicação eletrônica, a execução de estudos que pudessem determinar o volume de obras possível de execução, considerada a utilização comercial e residencial da área em pauta. Vivia-se dezembro de 2007. Portanto, sete meses antes do leilão público.


 


Os contatos mantidos pelo corretor de imóveis José Moreira com a direção executiva da Even Construtora e Incorporadora, todos documentados, foram bem sucedidos.  As conclusões sobre os estudos foram encaminhadas ao diretor de Incorporações da Even, Arturo Domigo Rondini, em março de 2008, ou seja, quatro meses antes do leilão. Também tudo documentado e juntado ao processo judicial.


 


Um dos pontos mais nobres da peça judicial em que José Moreira consolida a relação de prestação de serviços com a Even está assim descrita no processo judicial:


 


 A existência de uma relação jurídica que visava a prestação de serviços pelo autor em favor da Ré pode ser, finalmente, comprovada através das comunicações eletrônicas de 2 de julho deste ano (2008) em que o Autor comunica a Ré acerca da inexistência de débitos de IPTU e junta comprovantes da consulta realizada, de 7 de julho deste ano (2008) em que o Autor instrui a Ré acerca da forma de preenchimento do cheque de aquisição (do terreno), e, finalmente, de 8 de julho de 2008 (véspera do leilão), em que o Autor transmite à Ré o texto da Lei Municipal Número 5.703, de 2 de agosto de 2007, relativa ao leilão em tela.


 


Uma decisão judicial


 


O juiz da 6ª Vara Cível da Capital, José Antonio Lavouras Haicki reconheceu a ocorrência de prestação de serviços de José Moreira, mas o fez de forma parcialmente procedente ao condenar a Even aos pagamentos dos honorários calculados com base na Tabela da Ordem dos Advogados do Brasil. O juiz avaliou que José Moreira teria prestado serviços de consultoria e não propriamente de corretagem imobiliária.


 


O recurso interposto por José Moreira em oposição à sentença judicial estrutura-se entre outros pontos no conceito de que a atividade de corretagem de imóveis está plenamente configurada, já que o contrato entabulado pelas partes não é vedado pela Administração Pública, como já decidido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e, também, “ainda que assim não fosse”, como reconhecido por sentença, não fosse pelos trabalhos levados a efeito pelo Apelante (José Moreira), não teria a Apelada (Even) sequer participado do certame, vale dizer: o seu trabalho foi decisivo para a tomada da decisão de comparecer no certame. E mais, afirma o recurso: a) o negocio foi concretizado – ainda que por intermédio de outra pessoa jurídica, em nítida fraude à lei de licitações; b) a desistência a posteriori, pela Apelada (Even) do consórcio celebrado com outras duas empresas não está relacionada com os trabalhos efetivados pelo Apelante (José Moreira), de forma que não pode constituir óbice ao percebimento de sua justa remuneração, na quantidade de corretor de imóveis; c) os honorários a que faz jus o Apelante (José Moreira) têm de ter por base de cálculo a Tabela publicada pelo órgão a que deve estar filiado, por lei, qual seja o CRECI (Conselho Regional dos Corretores de Imóveis) e não à tabela da OAB, que é utilizada em caráter exclusivo pelos inscritos naquele órgão – advogados.


 


Não faltam razões para a apelação de José Moreira, garantem seus advogados e consultores. Apesar de reconhecer o que em termos jurídicos se chama “ajuste discutido”, o juiz José Antonio Lavouras Haicki entendeu também que não era o caso do pagamento de corretagem de intermediação imobiliária. Os trabalhos desenvolvidos muito se aproximavam de consultoria. A diferença entre uma situação funcional e outra, no caso da demanda do corretor de imóveis, é absurdamente grande em termos monetários: a sentença do juiz de primeira instância determinou a condenação da Even ao pagamento de R$ 52.632,00, decorrente de oito horas de serviços, por dia, durante 30 dias, descontado o final de semana, enquanto o pleito de José Moreira chega a R$ 840 mil, ou os 6% do valor da transação.


 


Alguns dos principais trechos da sentença judicial contestada pelo corretor José Moreira:


 


 Da análise detida da prova produzida não me convenço de que as partes tenham firmado contrato de corretagem imobiliária. Este pressupõe a presença dos elementos constituintes do contrato-tipo do artigo 722 do Código Civil, qual seja: pelo contrato de corretagem, uma pessoa não ligada a outra em virtude de mandato de prestação de serviços, ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. A ser assim, não podendo uma das partes obrigar-se a obter para a segunda a aquisição do imóvel, mesmo porque este era alienado em licitação na modalidade leilão, não se poderia mesmo nascer um contrato de corretagem imobiliária. Não há aqui o elemento fundamental que é a aproximação das partes. (...) Embora tenha dito que o autor (José Moreira) tenha assumido o risco de sua atividade o fato é que o autor prestou serviços e diligenciou buscando os documentos necessários. (...) Estranha, como já salientei, que numa operação vultosa como aquela não tivesse sido firmado nenhum contrato escrito estipulando a corretagem, se o risco ficaria mesmo a cargo do autor (José Moreira) (...) Ora, no caso em espécie houve formação de legítima expectativa de remuneração pelos serviços prestados, mesmo que não fosse por participação no resultado da aquisição do imóvel. Há mais. É que o artigo 885 do Código Civil estabelece que ““ A restituição é devida não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir “”. Ou seja, ainda que não tenha adquirido o imóvel ou mesmo ainda que não tenha concluído a operação comercial com a empresa que venceu o certame, o certo é que dele (a Even) participou, mesmo que sem lance. Compareceu ao certame e se interessou pela aquisição, ainda que ao final tenha mudado de ideia. Só o fez por ter o autor prestado seus serviços. Resta, num quadro assim, ao magistrado, arbitrar a remuneração pelos serviços prestados.


 


Fraude reconhecida judicialmente


 


A sentença judicial, afora o debate que suscita sobre especificidade da remuneração devida ao corretor de imóveis, não deixa dúvida sobre a matriz delituosa do leilão do terreno público. O que teria dito o juiz em questão com a frase “Só o fez (tenha mudado de ideia sobre a aquisição do terreno) por ter o Autor (José Moreira) prestado seus serviços” senão confirmado numa decisão judicial, a qual não poderá ficar à margem das investigações do Ministério Público em São Bernardo, que há elementos comprobatórios de que o Marco Zero da Vergonha não é apenas uma nova denominação do empreendimento lançado pela MBigucci, mas a síntese daquela operação fraudulenta?


 


Por todas as razões e contrarrazões que constam do processo judicial e seus desdobramentos envolvendo o corretor José Moreira Azevedo e a Even Construtora e Incorporadora, é inaceitável que o Procurador-Geral do Município tenha se omitido no encaminhamento de dezenas de páginas xerocopiadas por CapitalSocial e lhes entregue pessoalmente por este jornalista.


 


Também não parece transcorrer num ritmo previsível quando se trata de um delito mais que escancaradamente abusivo que o Ministério Público Estadual, por intermédio de um grupo de elite de operações contra o crime organizado, no caso o Gaeco, do qual faz parte a promotora Mylene Comploier, protele a ação para a obtenção daquele material. Afinal, CapitalSocial sempre se colocou à disposição do MP para maiores informações. Tanto que já remeteu à promotoria dados pessoais, os números dos telefones celulares e os endereços eletrônicos de José Moreira Azevedo, após autorização do entrevistado.


 


Apesar da iniciativa de CapitalSocial, preferiu o Ministério Público ouvir apenas algumas testemunhas que participaram do leilão fraudulento como representantes ou titulares de empresas supostamente interessadas em arrematar a área. Seria demais acreditar que a coreografia encenada por todos que integraram aquele teatro de operações de forma deliberada ou omissa para dar ares de legalidade e ética a um jogo de cartas marcadas se manifestasse ao MP de forma diferente senão desconsiderando qualquer irregularidade.


 


Mais ainda: seria inacreditável que os empresários diretamente envolvidos na fraude, casos dos titulares ou representantes da MBigucci, da Braido e da Even, confessassem o crime sem que lhes fossem apresentados como tentativas de desmascaramentos provas robustas e questionamentos severos. Como reagiriam os representantes das três empresas diante da apresentação dos depósitos bancários de parcelas resgatadas diretamente aos cofres da Prefeitura de São Bernardo se o Edital do Leilão determinava que todos os pagamentos deveriam ser efetivados integralmente pela empresa arrematante, no caso a Big Top 2, de Milton Bigucci? Cada Guia de Arrecadação Municipal foi emitida à empresa de Milton Bigucci, não aos parceiros ocultos da empreitada.


 


A ação judicial do corretor de imóveis na Capital é um chute certeiro na tentativa de dar ares de regularidade a um processo escandalosamente tortuoso. Tanto que o corretor de imóveis José Moreira está prontíssimo para se ouvido pelo Ministério Público. A indignação que o levou aos tribunais paulistanos por ter vencido uma batalha mas não ter vencido a guerra, ou seja, não ter sido contemplado com uma sentença judicial que caracterizasse o trabalho de corretagem de imóveis, atividade que vai muito além da simples aproximação das partes, o conduzirá a um depoimento objetivo à promotora Mylene Comploier. Bastará repetir até com mais detalhes o que disse há alguns dias a este jornalista e tudo estará sacramentado à reviravolta do caso.


 


Na realidade, o depoimento de José Moreira seria dispensável ante a prova incontestável do delito. Ou seja: José Moreira é no fundo, no fundo, a cereja do bolo de contraposições que liquidam com qualquer tentativa de manutenção de uma versão fantasiosa da quadrilha que arrebatou a área transformada em Marco Zero da Vergonha.


 


Enquanto há uma exagerada demora na apuração do escândalo, que, por conta de imperfeições investigatórias do Ministério Público chegou a ser endereçado à Justiça com pedido de arquivamento, o empresário Milton Bigucci continua a posar de benfeitor de criancinhas de uma instituição filantrópica que usa como porta-estandarte de responsabilidade social.


 


Essa é uma variante do chamado marketing do bom-mocismo inspirado por industrializadores de imagens que, como se sabe, entram em parafuso ante contratempos protagonizados por fantasmas que pareciam decididamente adormecidos. Não fosse a ação judicial de José Moreira, o corretor de imóveis, tudo teria permanecido como se imaginava – à margem de curiosos e do centro de atenção de um maldito e doentio jornalista que tem a mania de perseguir gente caridosa como Milton Bigucci. Sim, é isso que o empresário transmitiu ao Ministério Público em patética defesa que chegou ao ponto de sugerir que este jornalista fosse devidamente punido pela série de inverdades que publicaria.


 


O mesmo Milton Bigucci que, na semana que passou, virou pauta do programa televisivo de Celso Russomano, de defesa do consumidor, ao ser denunciado por entregar incompleto um condomínio residencial. Para azar do empresário, foram criancinhas que ele tanto diz defender e proteger que encheram o estúdio da TV Record para relatar a distância real entre o que dizia o material promocional e o que de fato se entregou aos adquirentes de áreas reservadas a entretenimento e esporte.  


 


A reportagem, desdobrada em duas edições, foi encerrada de forma quase efusiva, de compromisso de entrega de áreas de lazer prometidas nos materiais promocionais. Milton Bigucci pai, como só aprecia pautas jornalísticas festivas, deixou o encargo da pauta inesperada e indigesta ao filho, Milton Bigucci Júnior.


 


Quem estiver interessado numa pauta substanciosa que desvendaria as obrigações de construtoras, incorporadoras e condomínios em prejuízo dos mutuários, provavelmente vai se refestelar com o caso tratado na TV Record.


 


Houve esquisitices no ar que, certamente, a mídia regional jamais se lançará a tentar desvendar porque, como se sabe, é “assim” com os interesses de Milton Bigucci. Talvez o Ministério Público da área do consumidor em São Bernardo, que já avançou sobre delitos da MBigucci, venha a ser acionado. Mas esse é assunto que não está em minha alça de mira. Mas que há cheiro de brilhantina, não tenho dúvidas, porque houve contradições flagrantes nas informações prestadas a Celso Russomano.


 


Marco Zero: fraudadores zombam
do MP com estelionato informativo


  DANIEL LIMA - 25/2/2013


 


A promotora criminal do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de São Bernardo, Mylene Comploier, foi enganada pelos empresários que arremataram irregularmente o terreno público que a MBigucci está anunciando com a marca de Marco Zero, entre a Avenida Kennedy e Avenida Senador Vergueiro. Os fraudadores do leilão da área pública zombaram da capacidade investigativa do MP ao prestar informações que têm todas as características de estelionato informativo. O MP preferiu a versão rocambolesca dos fraudadores a esclarecimentos e provas de CapitalSocial.


 


O empresário Milton Bigucci e parceiros da Even Construtora e da Braido Construtora disseram ao MP que o Brasil já vivia crise no mercado imobiliário quando o leilão público daquele terreno foi realizado. A versão foi dada para justificar dois passes de puro ilusionismo. Primeiro, subestimar o valor de mercado do terreno, arrematado por R$ 14 milhões quando especialistas garantem que custaria o dobro. O valor venal, com defasagem de quase um ano e sempre muito abaixo do valor de mercado, estava em R$ 11,9 milhões. Segundo, o ambiente econômico no País explicaria a união de esforços financeiros para a formação de uma associação empresarial supostamente após o leilão.


 


Tanto num caso quanto no outro, as informações prestadas ao Ministério Público não passam de descarada mentira. A nulidade daquele leilão já poderia ter sido requerida tanto pela Prefeitura de São Bernardo como pelo Ministério Público porque o ritual legal foi completamente desvirtuado.


 


Acreditando na mentira


 


O Ministério Público Estadual de São Bernardo acreditou na versão mais que ensaiada da MBigucci, da Braido Construtora e da Even Construtora, empresas que arremataram irregularmente o bem público. Ao solicitar em janeiro último o arquivamento da denúncia de CapitalSocial, com o adendo de que poderá retomar as investigações assim que novos fatos surgirem, a promotora criminal Mylene Comploier escreveu a seguinte observação sobre o contexto econômico de julho de 2008, quando foi realizado o leilão, confiando tão e exclusivamente nas declarações de quem encetou a operação fraudulenta:


 


 Ocorre que, pelos documentos carreados aos autos do presente persecutório, as empresas “Big Top 2”, “Even” e “Braido” uniram esforços em fase posterior à arrematação do imóvel, nos moldes de uma “joint ventura” tendo por escopo a consecução de um empreendimento imobiliário (...). Tal fato não é revestido de natureza delitiva eis que o ordenamento jurídico pátrio não veda a possibilidade de empresas associarem-se visando a determinado fim. Certo é que tal expediente afigura-se corriqueiro, sobretudo em épocas de instabilidade econômica, tal como aquela em que se deu a licitação em comento – meados de 2008, período em que se configurou crise no mercado imobiliário caracterizada por repercutir em diversas países (incluindo-se o Brasil), de modo a gerar instabilidade nos empreendimentos a longo prazo.


 


O equívoco da promotora criminal foi acreditar demais nos fraudadores do terreno público e desconsiderar sequencialmente as iniciativas de CapitalSocial. Nada mais estranho, porque desde o princípio da denúncia sobre a irregularidade, em outubro de 2011, CapitalSocial prontificou-se a prestar informações e provas ao Ministério Público. A conclusão da promotora criminal Mylene Comploier encaminhada ao Judiciário de São Bernardo foi no mínimo apressada ao não reunir o escopo de algo que poderia ser considerado investigatório de verdade. Prevaleceram depoimentos e defesas formais apenas dos interessados em manter a fraude a salvo de punições – no caso, representantes das empresas arrematantes e três das demais empresas que participaram do leilão encenado.


 


Mesmo se estivesse disposta a desconsiderar a iniciativa de CapitalSocial, bastaria leve pesquisa eletrônica para que a promotora criminal Mylene Comploier desqualificasse a justificada financeira dos representantes das três empresas que se associaram irregularmente no processo licitatório. CapitalSocial recorreu a arquivo de papel próprio e em alguns casos a consultas na Internet e coloca à disposição do Ministério Público todas as cópias que desejar.


 


Presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC, Milton Bigucci é vítima de suas próprias declarações. Provavelmente ele acreditou, como os demais representantes das empresas, que não haveria contestação ao quadro econômico desenhado para fortalecer a tese mais que flácida de que o compartilhamento na aquisição daquele terreno teria relação com esfriamento do mercado imobiliário, que, segundo suas declarações, já vivia momentos delicados no Brasil. Eis uma parte da defesa escrita apresentada à promotora do Gaeco:


 


 Em data posterior a realização do leilão, quando o imóvel já pertencia exclusivamente à Big Top 2, a Sociedade Empresarial Braido Comercial e Administradora, vencida no leilão, entrou em contato com a Big Top 2, manifestando o interesse em participar da empresa vencedora do leilão, tendo em vista que também atuava no mesmo segmento de incorporação imobiliária. A Big Top 2 então passou a avaliar a possibilidade, com objetivo de diluição de risco do futuro empreendimento imobiliário a ser desenvolvido no local, dado o vultoso valor de aquisição do imóvel e principalmente porque o imóvel foi arrematado na mesma época em que o mundo estava em colapso financeiro, a famosa crise financeira de 2008 em que inúmeros bancos globais “quebraram”, o mercado imobiliário dos EUA “desabou” impactando diretamente a economia brasileira, colocando em risco o sucesso do futuro empreendimento imobiliário” – afirmou Bigucci, representante da Big Top 2 no leilão. A subsidiária criada um mês antes e com capital social de apenas R$ 1 mil faz parte do conglomerado do presidente da Associação dos Construtores.


 


Efeitos macroeconômicos


 


Milton Bigucci mentiu ao Ministério Público sobre os efeitos da crise internacional a bordo de hipotecas imobiliária nos Estados Unidos, principalmente. Quando o terreno público foi arrematado, a crise do chamado subprime passava longe do Brasil.


 


Na edição de 22 de maio de 2008, portanto menos de dois meses antes do leilão, realizado em 10 de julho do mesmo ano, o jornal Estadão editava a seguinte manchete em alto de página: “Emprego na construção dispara 185% no trimestre”. Alguns trechos da reportagem clareiam o ambiente econômico brasileiro no setor de construção civil naqueles dias, em contraste com as declarações dos empresários ouvidos pela promotora criminal:


 


 Com o aquecimento do mercado imobiliário, o emprego na construção civil disparou 185,5% no País no primeiro trimestre de 2008 em relação a igual período do ano passado. Segundo levantamento do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), de janeiro a março foram abertas 118.852 vagas no setor. No mesmo intervalo, em 2007, foram criados 39.873 postos de trabalho. “O crescimento do momento é consequência de investimentos feitos há dois anos pelas construtoras”, disse o diretor de Economia do Sinduscon, Eduardo Zaidan. Ele lembra que, nesse período, os empréstimos da poupança para imóveis aumentaram de maneira significativa, empresas importantes captaram grande volume de recursos abrindo capital (IPOs) e a renda familiar cresceu. (...) No Estado de São Paulo, foram criadas nos primeiros três meses do ano 37,8 mil vagas no setor de construção, o que representa uma alta de 126,6% na comparação com igual período de 2007. (...) Na capital paulista, de janeiro a março, surgiram 17,5 mil empregos com registro em carteira. O total é 96% superior a igual período em 2007.


 


Estoque de desmentidos


 


O estoque de notícias que colocam a nocaute as declarações dos empresários que arremataram o terreno público em São Bernardo é gigantesco. Milton Bigucci tem memória seletivamente curta ao remeter a parceria com a Even e a Braido a fatores macroeconômicos. Na edição de 27 de maio de 2008, ou seja, 45 dias antes do leilão, ele foi entrevistado pelo Diário do Grande ABC. Sob o título “Lançamento de imóveis cresce 71%”, o material jornalístico é condensado em alguns parágrafos:


 


 O setor de construção civil no Grande ABC continua em expansão. Prova disso é o incremento de 53,54% nas vendas de imóveis novos e a expansão de 71% no número de lançamentos de imóveis no primeiro trimestre de 2008, em relação ao total de 2007. Segundo o presidente da Associação (...). Milton Bigucci, o período foi bastante positivo. Entretanto, o desempenho das vendas até o final deste ano tende a repetir o comportamento do ano passado. Segundo Bigucci, “2007 foi o melhor ano para a construção civil das duas últimas décadas na região. O mercado continua aquecido, mas a previsão é de uma certa acomodação no próximo trimestre”. No caso dos lançamentos, as construtoras estão optando por levantar torres em bairros ainda não explorados, ao invés de locais próximos ao centro das cidades. “A minha própria construtora acabou de lançar um empreendimento em Santo André, no Parque Erasmo Assunção, e em quatro dias vendemos 80% -- relata o presidente da Acigabc e dono da Construtora MBigucci.


 


Poucos dias antes, em cinco de maio, o Estadão abria manchete com o seguinte título: “Setor imobiliário nacional atrai mais investidores estrangeiros”. A reportagem também evidenciava a atratividade dos negócios imobiliários. Eis alguns trechos:


 


 Na semana passada, o bilionário investidor do setor imobiliário Sam Zell disse que o Brasil seria sua escolha, caso tivesse de fazer uma única aposta nos próximos anos. “Eu compraria Brasil”, respondeu de forma categórica sobre onde os investidores deveriam mirar em caso de terem uma única chance no mercado de imóveis. O americano comprou 14% em 2005 das ações da construtora Gafisa, uma das maiores do Brasil e deve continuar investindo alto por aqui. Seguindo os passos de Zell, investidores estrangeiros têm dirigido um novo olhar para a construção civil brasileira. Americanos, europeus e árabes começam a ver prédios comerciais e residenciais, habitações populares e shopping centers nos grandes centros do País como um bom destino para seu dinheiro. Antes, os empreendimentos turísticos no Nordeste – voltados principalmente para a segunda moradia de europeus – mantinham tal status. Dados da consultoria Cusman & Wakefield mostram que, em 2007, o Brasil recebeu investimentos estrangeiros no setor imobiliário, com cerca de US$ 14 bilhões. O volume é 148% maior que o recebido no ano anterior. Entre os emergentes, apenas a China teve desempenho melhor.


 


Encantamento duradouro


 


O encantamento de Milton Bigucci com o mercado imobiliário da região não se dava apenas às vésperas do leilão da área onde se pretende sediar o empreendimento Marco Zero. A valorização imobiliária não era um acidente positivo de percurso que gerasse cuidados de investidores. Vinha de longe, segundo as próprias declarações do empresário e presidente da Associação dos Construtores. Alguns meses antes de reunir a Imprensa para desfilar números eloquentes de crescimento, Milton Bigucci anunciou o resultado do ano anterior. Numa reportagem do Diário do Grande ABC de 13 de fevereiro de 2008, sob o título “Imóveis: 2007 foi o melhor em 20 anos”, eis alguns trechos que valem a pena ser revistos:


 


 Com aumento de 63% nos lançamentos de imóveis e vendas 79% superiores a 2006, o Grande ABC comemora 2007 como o melhor ano para a construção civil das duas últimas décadas. No ano passado foram lançados 6.879 apartamentos ante 4.209 em 2006. Foram comercializados 5.826 imóveis novos. Em valores, o setor movimentou cerca de R$ 1,5 bilhão. O bom desempenho foi diretamente influenciado por três fatores, segundo o presidente (...) Milton Bigucci.  O primeiro deles é a queda de juros. “Os financiamentos de habitação para as classes média e popular estão menores. Isso incentiva a compra”, afirma. As facilidades para o pagamento, como o financiamento de 100% do valor do imóvel e o pagamento em até 30 anos também tornaram mais viável o investimento. Por último, Bigucci – que também é vice-presidente do Secovi (Sindicato da Habitação) – destaca a abertura de capital das construtoras e a entrada de recursos do executivo para o setor. “Há um alto volume de dinheiro nas mãos das construtoras e dos emprestadores”, comenta.


 


Um 2008 ainda melhor


 


Se o ano de 2007 para o mercado imobiliário já tinha sido de encher os olhos de Milton Bigucci e dos empresários do setor como um todo, o balanço de 2008, anunciado em 3 de março de 2009 pelo dirigente classista em reportagem publicada pelo Diário do Grande ABC, se comprovou ainda melhor.  Ou seja: embora especialista no assunto, Milton Bigucci foi surpreendido pelo resultado final daquele ano, já que esperava empate técnico com o boom do ano anterior, 2007. Sob o título “Venda de imóveis cresce 47% em 2008” e o subtítulo “Mesmo com crise, também o número de lançamentos superou o de 2007 na região”, os principais trechos da matéria são reproduzidos na sequência:


 


 Mesmo com a crise financeira mundial, fortemente presente no último trimestre de 2008, os resultados do mercado imobiliário no Grande ABC no ano passado foram positivos e superaram os índices de 2007. Durante os 12 meses foram vendidos 8.361 unidades residenciais verticais, entre Santo André, São Bernardo e São Caetano. Esse volume de vendas corresponde a um crescimento de 47% em relação a 2007, quando foram vendidas 5.692 unidades, segundo levantamento realizado pela Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC). (...) A média de vendas entre janeiro e setembro era de 795 unidades por mês. Entre outubro e dezembro este número caiu para 403. Bigucci destaca que a velocidade de vendas teve uma grande queda, mas não ficou nula. Quanto aos lançamentos, em 2008 houve um crescimento de 74% no número de unidades em relação a 2007, o que significa que 5.074 imóveis a mais, entre Santo André, São Bernardo e São Caetano, somando um total de R$ 2,7 bilhões. Entre janeiro e setembro foram lançados 92% do total de unidades, uma média de 1.200 por mês. “Com a chegada da crise, entre outubro e dezembro as unidades lançadas por mês caíram para 943. Porém, podemos afirmar por meio de números que, mesmo assim, 2008 foi excelente em relação aos anos anteriores”, completa o presidente da Acigabc.


 


Sem sombras de dúvidas


 


Como se observa no próprio noticiário e nas declarações de Milton Bigucci, o arremate irregular do terreno publico da Prefeitura de São Bernardo em 10 de julho de 2008 não reunia nenhuma sombra de dúvidas sobre o estágio de fortalecimento do mercado imobiliário na Província do Grande ABC. A crise internacional chegou bem depois e, mesmo assim, naquele último trimestre de 2008, não afetou de forma significativa o setor. Apenas houve redução da velocidade de crescimento. Convém lembrar que a parceria entre os arrematantes do terreno público se deu, na versão dos infratores, nos dias imediatos àquele evento. Ou seja, muito antes da crise mundial chegar ao Brasil, embora de fato, o acerto tenha se configurado durante o evento.


 


Qualquer afirmativa dos empresários que se uniram irregularmente para arrematar o terreno que remeta a pressuposições sobre o futuro não passará de artificialismo conduzido a tentar dar um drible na realidade dos fatos. Ou seja: naquela 10 de julho de 2008 o mercado imobiliário brasileiro estava seguindo um ritual que se mantinha há muito tempo, ou seja, bombando negócios, empregos, financiamentos e tudo o mais.


 


Para que não reste pedra sobre pedra de possíveis dúvidas sobre os dias que antecederam a 10 de julho de 2008, quando se deu a farsa do leilão na Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Bernardo, uma reportagem do jornal Valor Econômico de 3 de julho, portanto uma semana antes do evento, registrava o ambiente no setor imobiliário sob o título “Valor dos aluguéis corporativos dispara”. Alguns trechos da reportagem:


 


 Encontrar escritórios de alto padrão, modernos e bem localizados está se tornando uma tarefa cada fez mais difícil e, principalmente, cara para as grandes companhias instaladas no Brasil. Por conta de um crescimento econômico abrupto, ampliação de operações de empresas e a onda de abertura de capitais que obrigou muitas companhias a se instalarem em locais que tragam mais status, o preço dos aluguéis nos escritórios considerados classe A disparou nas duas principais capitais do País, São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo o valor mensal cobrado pelo metro quadrado cresceu mais de 25% em relação aos valores cobrados em 2007. No Rio, onde a escassez de imóveis corporativos de alto padrão é maior, o reajuste tem ultrapassado a casa dos 15% em alguns casos.


 


O agravante no caso do arremate da área da Prefeitura de São Bernardo por valor venal defasado e não pelo valor de mercado que uma disputa sem vícios proporcionaria é que o ano de 2008 não foi uma exceção de crescimento que eventualmente tenha colhido no contrapé a definição do valor do metro quadrado daquela área. A demanda por imóveis intensificou-se na região, como de resto no Brasil, a partir de 2003. O Diário do Grande ABC de 3 de dezembro de 2008 apontava a seguinte manchete: “Região bate recorde de vendas de imóveis” e no subtítulo “Mesmo com a crise, projeção é de alta no setor para o futuro”. Alguns trechos da matéria que pulverizam os argumentos esfarrapados dos parceiros do terreno do Marco Zero da Vergonha:


 


 O Grande ABC se destaca quando o assunto é a compra da casa própria. Segundo o balanço deste ano da Caixa Econômica Federal, a região bateu recorde nos últimos cinco anos (veja gráfico ao lado). O orçamento para este ano destinado a financiamentos habitacionais era de R$ 405 milhões, sendo que até o mês passado esse valor atingiu os R$ 485 milhões – somando um total de 7.650 contratos. Houve um acréscimo de aproximadamente 25% em relação ao ano passado – um crescimento de 2.242 contratos, o maior desde 2003. (...). A instituição estatal acompanha com expectativa, e é ainda mais positiva: “Para o ano que vem, caso o cenário se configure como neste ano, podemos alcançar o total de R$ 600 milhões em financiamentos” – disse o gerente regional de habitação da Caixa, José Antônio de Oliveira.


 


O “gráfico ao lado” ao qual se referia a matéria do Diário do Grande ABC mostrava a evolução de contratos assinados na Caixa Econômica Federal na Província do Grande ABC desde 2003, quando foram registrados 1.982. Na sequência cronológica foram assinados 2.666, 3.337, 4.794 e 5.408 contratos até 2007. O gráfico também pontilhava a curva ascendente com a projeção de 7.650 negócios em 2008. Tudo isso tem uma explicação principal, retratada na Folha de S. Paulo de 4 de fevereiro de 2009 sob o título “Financiamento imobiliário bate recorde apesar da crise”. Alguns trechos da matéria:


 


 Apesar do agravamento da crise financeira a partir de setembro, o crédito imobiliário com recursos da caderneta de poupança fechou 2008 com 299.746 unidades financiadas, um acréscimo de 53% sobre 2007 e um novo recorde para o setor, quebrando a marca registrada em 1981 (266.884), quando a população do País era 38% menor do que a atual. (...) O crescimento se deve principalmente aos empréstimos ao setor empresarial para a construção de imóveis, com alta de 82,7% nas unidades financiadas no ano. Para a aquisição por pessoa física o crescimento foi de 28,4%.


 


Três semanas depois, em 25 de outubro de 2008, o jornal ABCD Maior, em sua versão digital, registrava a seguinte manchete: “Mercado imobiliário do ABCD está longe dos efeitos da crise”. Agora, os principais trechos que, também, negam os argumentos da quadrilha que arrematou o terreno da Prefeitura:


 


 Bancos quebrando pelo mundo, bolsas caindo a níveis de dar frio na barriga. A crise assusta os mercados financeiros e as grandes corporações. Porém, no ABCD, as instituições ligadas ao mercado imobiliário, setor que causou a crise nos EUA, mantêm suas projeções para este ano e encaram cada notícia ruim com a sensação de que não foram afetados pela crise. Uma das mais otimistas é a Caixa Econômica Federal. De acordo com Everaldo Coelho da Silva, superintendente regional do banco no ABCD, a avaliação é de que o ritmo de financiamentos imobiliários ainda é positivo. “Esse volume vem apresentando crescimento substancial nos últimos meses. Nós financiamos desde o começo do ano R$ 460 milhões e ainda temos R$ 400 milhões em projetos em estudo para serem financiados até o final de 2008”, aponta. Quem não se assustou, mesmo no olho do furacão da crise, e manteve o trabalho normalmente não se arrependeu. É o caso de Milton Bigucci (...) “No último final de semana lançamos um empreendimento e estávamos com um pouco de receio. No final das contas, os próprios investidores apareceram para comprar, coisa que não acontece há muito tempo. Manter o lançamento foi a melhor coisa que fizemos”, avalia Bigucci. Observando o exemplo do mercado imobiliário, o setor conclui que, por enquanto, a crise está restrita ao mercado acionário e aos bancos. (...) Para a população em geral, as notícias parecem ser mais alarmantes que a realidade.


 


A promotora criminal Mylene Comploier está recebendo, também, uma cópia desta matéria para juntar ao processo de reabertura de investigações do Escândalo do Marco Zero. Os empresários mancomunados para maximizar lucros sobre uma área pública vendida a preço de banana se sentem bastante confortáveis com a sincronia de informações repassadas ao MP. Nada que a contextualização objetiva e sem manipulação do histórico que envolvia aquele evento não possa desmentir.


 


O próximo capítulo sobre a fraude do leilão tratará do valor de mercado daquele espaço. Também nesse caso o presidente da MBigucci, empresa-mãe do arremate da área pública, se desmentirá ante o que apresentou ao Ministério Público, quando defendeu que o valor do arremate corria na mesma raia da realidade do mercado.  Uma balela. E se alguém tiver de ser acusado de mentiroso, de manipulador, esse alguém é o próprio Milton Bigucci. É só esperar para ver.


 


Marco Zero: qualquer semelhança
com Lance Armstrong é realidade


 DANIEL LIMA - 4/3/2013


 


O empresário Milton Bigucci e seu amigo íntimo Milton Casari poderiam ser convocados pelo Ministério Público Estadual de São Bernardo na apuração do Escândalo do Marco Zero denunciado por CapitalSocial. Bastaria que repetissem à promotora criminal Mylene Comploier o que disseram em momentos distintos mas entrelaçados sobre o movimento das pedras do mercado imobiliário na região para que dúvidas eventualmente persistentes fossem dirimidas.


 


A iniciativa ministerial faria cair a máscara de ilusionismo que pretende encobrir a falcatrua também sob o ponto de vista de valor de mercado da área pública arrematada de forma irregular por MBigucci, Even Construtora e Braido Construtora. Provavelmente a promotora criminal, que não prescinde desses testemunhos para mandar anular aquele leilão público, solicitaria de imediato o desengavetamento precoce do processo.


 


CapitalSocial publica este que pode ser chamado de terceiro macrocapítulo sobre o Escândalo do Marco Zero. Esta revista digital está ciente de que se trata de investigação jornalística que só deveria interessar como valor judicial complementar, como tantas outras que ainda serão abordadas. Afinal, a operação fraudulenta está mais que tipificada no macrocapítulo inicial, que diz respeito aos procedimentos autocondenatórios envolvendo as três empresas que fizeram do leilão público um palco teatral. Tudo comprovado por documentos que o Procurador-Geral do Município sonegou ao Ministério Público de São Bernardo, o qual, por sua vez, mesmo alertado por CapitalSocial, não alcançou as entranhas das providências esperadas.


 


Já quanto ao segundo macrocapítulo, que trata do depoimento de uma peça-chave denunciatória, no caso o corretor de imóveis José Azevedo Moreira, a promotora criminal do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado), Núcleo do ABC, Mylene Comploier, ainda não se manifestou. José Moreira ainda não foi ouvido, uma semana depois de CapitalSocial revelar sua identidade e as razões que o colocam como peça central da desmontagem da operação fraudulenta.


 


O valor do arremate do terreno entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro, ponto nobre de São Bernardo, foi completamente subestimado quando do leilão em 10 de julho de 2008. O lance final de R$ 14 milhões oficialmente utilizados pela Big Top 2, empresa do conglomerado MBigucci, estava muito aquém do valor de mercado.


 


Vários especialistas ouvidos por CapitalSocial catapultam aquele terreno a no mínimo R$ 30 milhões à época, ou próximo a R$ 70 milhões atualmente. O anunciado sucesso de vendas de unidades do Marco Zero, empreendimento que se pretende erguer no terreno, confirma a configuração especial da área. Milton Bigucci jamais poderá ser avaliado como um empresário qualquer. Ele conhece muito bem o terreno em que pisa. Diferente, portanto, de muitos grandes players da Capital, que quebraram a cara na região e deixaram um rastro de micos imobiliários direcionados a um público residencial que não condiz com a realidade socioeconômica e cultural de quem vive à sombra da Capital.


 


Peritagem suspeita


 


O valor da área pública levado a leilão resultou de um contrato da Prefeitura de São Bernardo com a Planimob Planejamento, Desenvolvimento e Engenharia, empresa com sede na Capital e, segundo informações, sem lastro técnico para a atividade a ponto de atuar isoladamente no inventário do metro quadrado. Por se tratar de área pública, especialistas afirmam que o caminho eticamente mais ajuizado e independente em busca de um valor justo para o terreno de 15,9 mil metros quadrados seria a contratação de pelo menos três empresas consagradas do ramo.


 


O pré-processo licitatório não fornece pormenores sobre a escolha da Planimob, empresa que teria relações muito próximas a um dos secretários mais influentes da Administração William Dib. O valor de mercado do terreno foi estimado em R$ 11,656 milhões. Exatamente um ano depois, em julho de 2008, o terreno foi a leilão com leve correção monetária, e passou a R$ 11,986 milhões. Onde, afinal, estão os buracos que colocam em xeque o trabalho daquela empresa de assessoria imobiliária e os arrematadores do terreno – Milton Bigucci e seus parceiros da Even e da Braido?


 


O valor comercial do terreno levado a leilão em 10 de julho de 2008 foi subestimado mesmo que se desse como inquestionável o trabalho da Planimob -- algo que especialistas do ramo em São Bernardo desclassificam. Referendar o preço da peritagem da Planimob exatamente um ano depois, com leve correção monetária, foi uma decisão da Prefeitura de São Bernardo que contrariou completamente o aquecimento do mercado imobiliário. Houve um quase congelamento do valor original, saído das planilhas da Planimob, como se o mercado imobiliário houvesse se mantido estático.


 


Aos depoimentos, senhores


 


É nesse ponto que entram os depoimentos sugeridos por CapitalSocial ao Ministério Público Estadual, de Milton Bigucci e de seu amigo íntimo, Milton Casari, presidente e vice-presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC, entidade que só não é fantasma porque está registrada em cartório, tem sede e alguns funcionários pagos pelo Secovi, Sindicato da Habitação de São Paulo. De resto, não representa a classe. Muito pelo contrário: a maioria dos fundadores e associados desligou-se daquela organização por rejeitar os métodos de Milton Bigucci, há mais de 20 anos no comando. A chamada Acigabc produz periodicamente estatísticas deliberadamente fantasiosas sobre o mercado imobiliário regional. Números que não resistiriam a uma blitz técnica séria, porque não tem base informativa documentalmente confiável.


 


A valorização de mercado da área arrematada oficialmente por Milton Bigucci mas paga aos cofres públicos, irregularmente, também pela Braido e pela Even, parceiros ocultos do negócio, foi retratada numa entrevista que Milton Bigucci concedeu ao Diário do Grande ABC de 13 de fevereiro de 2008 ou seja, cinco meses antes do leilão. Basta Milton Bigucci repetir ao Ministério Público de São Bernardo aqueles termos para desmontar as alegações que apresentou como defesa ante a denúncia de irregularidades no leilão. É possível que a memória do dirigente da MBigucci e da Associação dos Construtores não capture o que se apresenta como bumerangue. CapitalSocial dispõe em página impressa o que se lê em seguida:


 


 Os terrenos na região sofreram valorização de até 100% no último ano em comparação com 2006, segundo afirmativa da Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC). Um dos motivos apontados pelo presidente da entidade, Milton Bigucci, é a escassez de áreas para construção na região. “Há cada vez menos locais espaçosos para que grandes condomínios sejam erguidos”, diz. Sem um levantamento específico sobre o assunto, ele estima que daqui a 15 anos a situação da construção civil seja mais complicada. “As casas serão substituídas por prédios, que ocupam o mesmo terreno, mas acabam saindo mais baratos”. São Caetano, por exemplo, já está nesse processo. “Não há grandes áreas. As construtoras estão comprando imóveis residenciais e erguendo prédios nestes terrenos, diz Bigucci”. A tendência é a verticalização. Para 2008, a previsão é de mais uma valorização dos terrenos na região, porém menor que no ano passado.


 


Fazendo as contas


 


A importância das declarações de Milton Bigucci à interpretação dos fatos e dos documentos que envolvem o leilão fraudulento do terreno que daria origem ao Marco Zero é crucial. Basta uma simples conta. Se mesmo com possíveis vícios de uma empresa supostamente pouco habilitada a perscrutar o valor do metro quadrado daquela área chegou-se a quase R$ 12 milhões em julho de 2007, a quanto chegaria em julho de 2008, data do leilão, se a valorização anunciada por Milton Bigucci chegou a 100%. Ou mais ainda, já que os 100% anunciados por Milton Bigucci se referiram ao ano de 2007, quando o mercado imobiliário da região cresceu menos que o ano de 2008. O laudo pericial da Planimob que estipulou o valor do metro quadrado teria enquadrado a realidade de apenas os seis primeiros meses de 2007, já que foi entregue à Prefeitura de São Bernardo no começo de julho. Entre a entrega do laudo e a efetivação do leilão foram exatos 12 meses de defasagem monetária num ambiente de extrema especulação, por conta de recordes sobre recordes de vendas e lançamentos de imóveis – conforme números publicados no segundo macrocapítulo desta série. Todos dados que partiram do berço exploratório do dirigente Milton Bigucci, é claro.


 


O testemunho de Milton Casari, amigo íntimo de Milton Bigucci inclusive em depoimentos solidários, ensaiados e irregulares ao Judiciário, quando se disse apenas companheiro de diretoria da entidade presidida pelo dono da MBigucci, é também de importância relevante ao Ministério Público Estadual. A promotora criminal Mylene Comploier pode dispor com facilidade de declarações prestadas pelo empresário de corretagem imobiliária, prestadas em 20 de março de 2001; portanto, há mais de sete anos do leilão da área do Marco Zero.


 


Milton Casari, sempre requisitado a entrevistas quando o assunto é a valorização dos espaços imobiliários da região, num jogo de cartas marcadas para impedir que algum empresário, inadvertidamente, saia do tom ufanista, foi ouvido pelo Diário do Grande ABC naquela data a respeito de áreas que a Prefeitura de São Bernardo pretendia negociar nas imediações da Avenida Kennedy para transferir a sede do Paço Municipal da Praça Samuel Sabatini àquelas imediações. A reprodução de alguns trechos da matéria:


 


 O Secretário de Obras de São Bernardo, Otávio Manente, vai contratar perito para uma análise de valores do terreno da Prefeitura atrás do Ginásio de Esportes, onde, até 2002, devem ser construídas as sedes do Paço Municipal e da Câmara. A perícia vai ser feita porque a Prefeitura tem intenção de utilizar o terreno como forma de pagamento pela construção do complexo Executivo-Legislativo. Segundo Manente, as obras poderão ter custo final de R$ 25 milhões. Manente ainda não arrisca números em relação ao tamanho da área que deve ser cedida à empresa que vencer a licitação. Segundo ele, o total pertencente à Prefeitura no terreno localizado no Bairro de Vila Marlene é de cerca de 200 mil metros quadrados. Para a Secretaria, o projeto deve utilizar entre 100 mil metros quadrados e 120 mil metros quadrados. O remanescente seria usado na permuta, o que representaria entre 80 mil metros quadrados e 100 mil metros quadrados. Segundo o secretário, o valor final de R$ 25 milhões representaria o novo Paço pronto, inclusive toda a reestruturação do sistema viário das imediações da Avenida Kennedy. Nisso estaria incluída a obra de extensão da Avenida São Paulo, que liga o Bairro Jordanópolis à Avenida Kennedy. “É difícil ainda falar em valores. O que podemos mencionar é que o laudo terá de ser solicitado externamente para, até o meio do ano, já termos a licitação”, afirmou.


 


Complemento esclarecedor


 


O complemento da matéria do Diário do Grande ABC daquele 20 de março de 2001 é o que mais de perto interessa ao Ministério Público Estadual quanto à qualidade das informações de especialistas ouvidos por CapitalSocial sobre o valor do terreno do Marco Zero à época do arremate irregular:


 


 O Diário consultou imobiliárias para obter uma prévia de quanto custaria a parte do terreno a ser utilizado na permuta. O presidente da Associação dos Construtores e Incorporadores do Grande ABC (Acigabc) e proprietário da MBigucci, Milton Bigucci, afirmou que é necessário fazer um levantamento para determinar um valor médio do metro quadrado do terreno. “Tem de ser feita a perícia para confirmar o tipo de zoneamento, a relação custo benefício da área e localização para depois chegar a um preço”, disse. Segundo o vice-presidente da Acigabc e proprietário da Casari Imóveis, Milton Casari, o metro quadrado sem urbanização naquela região custaria R$ 250. No entanto, Casari salientou que, se a parte do terreno contar com urbanização, o valor pode variar de R$ 400 a R$ 1 mil (se estiver de frente para a Kennedy) o metro quadrado. A área é considerada nobre pelo mercado imobiliário.


 


Mais de sete anos depois, como se sabe, uma parcela dos terrenos desmembrados pela Prefeitura de São Bernardo, o pedaço mais nobre entre todos, entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro, de frente à Ginásio de Esportes, à sede do Poder Judiciário e de uma das unidades do Carrefour na região, foi arrematado por menos de R$ 1 mil o metro quadrado. Exatamente por R$ 880,61.


 


É por essas e outras razões que os especialistas em mercado imobiliário ouvidos por CapitalSocial não escondem sorriso de desaprovação à notícia sobre o leilão público. A maioria vai além do preço de mercado de R$ 30 milhões para aquele terreno, quando do leilão em 10 de julho de 2008. Estimam o metro quadrado à época em pelo menos R$ 3 mil, o que elevaria o valor do preço de arremate a mais de R$ 40 milhões. Quem identificar aquela operação por natureza jurídica irregular também de um negócio da China não estaria exagerando, garantem os especialistas.


 


Na pobre e insustentável defesa que apresentou à promotora criminal Mylene Comploier, Milton Bigucci repetiu a cantilena de sempre de atacar este jornalista. Movido claramente a emocionalismo por conta de lhe faltarem provas que sustentassem a legitimidade da operação fraudulenta, Milton Bigucci acabou por fornecer mais combustível para atear fogo às próprias vestes de argumentação.


 


Mal imaginava o dirigente imobiliário e dono de um dos principais conglomerados do setor na região que ele mesmo, sempre solícito a entrevistas para estimular a especulação imobiliária forneceria dados que demarcariam o terreno na efervescência do setor na Província do Grande ABC.


 


Palavras insuspeitas?


 


A valorização imobiliária, especialmente de terrenos localizados em corredores viários disputadíssimos, caso da Avenida Kennedy e da Avenida Senador Vergueiro, sob a influência das notícias que davam conta da chegada do Paço Municipal, poderia estar subjugada a avaliações nem sempre confiáveis. Quando, entretanto, se trata do empresário e também do presidente de uma associação de classe, o peso é completamente diferente. Se em fevereiro de 2008 Milton Bigucci disse como disse que o valor do metro quadrado de terrenos daquelas características na região dobrou de preço, o parâmetro estava estabelecido, independente da realidade correr ou não na mesma raia de compatibilidade factual.


 


A mesma linha de raciocínio vale para Milton Casari, seu amigo íntimo e companheiro de Milton Bigucci na Associação dos Construtores. A reputação da Imobiliária Casari não foi construída sobre bases gelatinosas a colocar os clientes em apuros. Se Milton Casari disse como disse ao Diário do Grande ABC de março de 2001 que o metro quadrado de terreno na Avenida Kennedy custaria R$ 1 mil, convenhamos que não tem sentido que, em julho de 2008, fosse vendido por menos desse valor.


 


Parece fora de propósito dos fatos e da realidade que Milton Bigucci, em nome de uma das empresas do conglomerado que dirige, perderia a oportunidade de arrematar a área pública entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro. Afinal, se a avaliação de uma empresa de peritagem pouco conhecida e, segundo informações de especialistas, muito próxima a um influente secretário da Administração William Dib, então também muito íntimo de Milton Bigucci, dizia que quase R$ 12 milhões eram um preço justo, e que, um ano depois, levada a leilão, essa mesma área sofreu leve reajuste, como acreditar que o arrematante deixaria escapar a oportunidade se detinha informações sobre a valorização média de terrenos na Província do Grande ABC? Simplesmente o dobro do preço do ano anterior, sempre é bom sublinhar, porque se há algo que o regime capitalista ensina é que empresário algum despreza números em forma de valor monetário, datas, prazos, essas coisas.


 


Declarações do empresário Milton Bigucci ao Ministério Público sobre desconhecimento prévio do leilão daquela área ganha tons de deboche entre os especialistas. Milton Bigucci sempre se mantém estreitamente ligado ao Poder Público de São Bernardo, entre outras administrações municipais. As relações com o prefeito William Dib eram frequentemente divulgadas pela mídia. Poucos meses antes do leilão fraudulento Milton Bigucci anunciou uma parceria com a Administração Dib, que jamais saiu das intenções. Eles convocaram a Imprensa e anunciaram que a Prefeitura e a Associação dos Construtores iriam criar e manter um Banco de Imóveis em sites compartilhados. Tudo para facilitar a vida de quem pretendesse adquirir imóveis.


 


A falta de estrutura da Associação dos Construtores e o calendário eleitoral de disputa sucessória municipal retiraram completamente aquela iniciativa do campo prático.  William Dib viu seu candidato à sucessão, Orlando Morando, amigo de Milton Bigucci, superado pelo petista Luiz Marinho. Mas não demorou para que o empresário e Marinho estreitassem relações, depois de um início de mandato beligerante por conta dos antecedentes político-empresariais do dirigente da Associação dos Construtores.


 


O que se deu foi um desenlace mais que manjado, porque é irresistível a força de atração entre políticos e mercadores imobiliários. Haja vista o escândalo envolvendo o Secovi, o Sindicato da Habitação, de São Paulo, o então prefeito Gilberto Kassab e dezenas de vereadores, financiados irregularmente por uma entidade fantasma que, segundo denúncia do Ministério Público, era o braço econômico-eleitoral do próprio Secovi. Milton Bigucci era e continua a ser dirigente do Secovi.


 


Ambiente macroeconômico


 


Não se pode desconsiderar o arremate do terreno defronte ao Carrefour da Avenida Senador Flaquer com a Avenida Kennedy do quadro macroeconômico nacional e principalmente do ritmo do mercado imobiliário. Uma reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico em 11 de maio de 2009, portanto menos de um ano após a compra irregular do terreno por Milton Bigucci, dá bem a dimensão daqueles momentos de euforia:


 


 Os donos de terrenos viveram dois anos áureos e completamente atípicos – entre 2006 e meados de 2008. A disputa era tanta que construtoras faziam leilões e, além de excelentes ofertas, não hesitavam em pagar os ativos em dinheiro. O tradicional pagamento em permuta foi temporariamente deixado de lado. O humor do mercado virou e, com ele, a disposição das empresas em honrar os contratos acertados nos tempos de euforia. Agora, construtoras e donos de terrenos sentam para renegociar. Pode ser em uma conversa amistosa ou nem tanto – já há casos na Justiça ou perto de chegar lá. As empresas de capital aberto compraram juntas R$ 11,4 bilhões em terrenos, segundo dados dos balanços. Ainda falta pagar, no entanto, R$ 7 bilhões – entre dinheiro e permuta. Ou seja, as companhias têm um valor imenso a pagar em terrenos, justamente quando falta dinheiro no caixa e a obrigatoriedade é a construção das obras em andamento. (...). O custo do crescimento desenfreado nos tempos de bonança agora pesa – e muito. Muitas empresas se endividaram para comprar terrenos. Segundo fonte do setor, no ano passado antes da crise, a oferta de linhas de crédito para financiar a aquisição de terrenos era farta – e vinha tanto dos grandes bancos como dos pequenos. Do endividamento total das companhias, o passivo corresponde a 41%. É mais do que a dívida com debêntures, que soma 19% do total, dívida de capital de giro (21%) com Sistema Financeiro da Habitação (SFH), que corresponde a 17% e cambial, que responde por 2%. “Não dá para pagar CDI mais 4% ao ano para honrar compra de terreno, o mercado mudou completamente”, diz um executivo. A compra por novos terrenos, no entanto, não parou. Volta, aos poucos, por conta do pacote habitacional do governo. Há várias empresas procurando áreas para o mercado de baixa renda, sobretudo longe das principais capitais (...). A palavra de ordem agora, porém, é a permuta – que pode ser financeira (quando o comprador recebe uma fatia da receita dos empreendimentos), mais usual em empreendimentos de baixa renda, ou física (troca por unidades).


 


Como se observa – o que confirma informações do megacapítulo anterior – o mercado imobiliário vivia momentos de euforia quando o terreno da Prefeitura de São Bernardo foi levado a leilão. A pechincha não poderia ser desperdiçada. Havia tanta euforia que o preço do arremate poderia e deveria ter sido instalado em outro patamar. E o seria muito acima do valor mínimo especificado em leilão se não houvesse conluio entre Milton Bigucci e os dirigentes da Even e da Braido.


 


Anedota cronológica


 


A justificativa de dirigentes das três empresas que participaram em conjunto do leilão é uma anedota cronológica. Eles disseram que só se uniram no negócio (e mesmo assim após o leilão, o que é uma arrematada mentira) porque a crise econômica batera às portas do mercado imobiliário. Nada mais falso, como já foi mostrado nesta série de reportagem. Os efeitos macroeconômicos só desembarcaram no País três meses depois. O que Milton Bigucci e seus parceiros de negócios querem vender em forma de defesa indefensável é antecipar a cronologia dos fatos, embaralhando-os para buscarem retaguarda à versão descuidada que utilizaram para tentar asfixiar as irregularidades. Esqueceram-se de combinar com os registros jornalísticos que apontam aquele julho de 2008 como período de tranquilidade para os negócios do setor no País.


 


Além disso, jamais poderiam supor que tudo seria materializado de forma inquestionável, e juridicamente condenável, na cronologia e na forma de pagamento das parcelas à Prefeitura de São Bernardo. O princípio intocável determinado pelo Edital do Leilão, de que o arrematante paga, acabou inadvertidamente esquecido pelas empresas que fraudaram o processo licitatório, as quais confessaram o crime dividindo o pagamento de acordo com combinações pré-leilão.


 


O confisco das medalhas do campeoníssimo ciclista Lance Armstrong deveria servir de inspiração e de ação à Prefeitura de São Bernardo e ao Ministério Público Estadual de São Bernardo na avaliação das irregulares anabolizadas num leilão público de mentirinha. O Marco Zero é algo como as nove Voltas da França e a medalha olímpica de Lance Armstrong conquistadas com a ajuda de estimulantes proibidos pelas regras esportivas. Basta uma investigação rígida e o Marco Zero não sairá do chão ordinariamente arrematado. 


 


Marco Zero: mais revelações e mais
mentiras de Milton Bigucci ao MP


 DANIEL LIMA - 11/3/2013


 


O autônomo Darci da Silva, morador em São Bernardo, acompanhou atentamente o leilão do terreno de 15,9 mil metros que a MBigucci arrematou irregularmente em 10 de julho de 2008 e onde se pretende construir sob a impunidade da Administração Luiz Marinho o empreendimento Marco Zero -- conjunto de apartamentos, salas comerciais e áreas de serviços na nobre esquina da Avenida Kennedy e da Avenida Senador Vergueiro. Darci da Silva prestou testemunho na 6ª Vara Cível Central de São Paulo no caso que envolve o corretor de imóveis José Azevedo Moreira e a Even Construtora, parceira da MBigucci e da Braido Construtora no fraudulento negócio imobiliário.


 


CapitalSocial reproduz os trechos principais do breve testemunho de Darci da Silva, que integra o processo judicial vencido apenas em parte por José Azevedo Moreira. Vencido em parte porque a Justiça paulistana reconheceu que houve irregularidade durante o leilão, a ponto de considerar a demanda do corretor de imóveis respaldada pelo Direito, mas não lhe respondeu de forma esperada quanto ao valor da indenização, muito abaixo do pretendido. Atribuiu-se a José Moreira a função de consultor e não de corretor imobiliário. Daí, o recurso impetrado. As declarações de Darci da Silva:


 


 No dia do leilão estive presente e notei que a ré (Even) não ofereceu nenhum lance. Apesar disso, presenciei o representante da ré dizer a membro da mesa licitante “nós não demos lance, mas fizemos parte do negócio”. Também o vi cumprimentar os licitantes vencedores. Às reperguntas da advogada do autor, respondeu: “Recordo-me de que o leiloeiro teria advertido as partes de que não era possível constituir no dia do certame nenhum consórcio”.


 


O último parágrafo da reprodução do testemunho de Darci da Silva é mais importante do que parece. E CapitalSocial vai explicá-lo neste quarto macrocapítulo que aprofunda provas já desnecessárias sobre a tramoia perpetrada por MBigucci, Even e Braido no arremate da área pública subavaliada naquele leilão. 


 


A MBigucci, através da Big Top 2, uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) criada 40 dias antes do evento com capital social de R$ 1 mil, arrematou a área por R$ 14 milhões. O valor de mercado, segundo especialistas ouvidos por CapitalSocial, ultrapassava a R$ 30 milhões. O mercado imobiliário regional, e nacional como um todo, vivia momentos de esplendor. Ao contrário, portanto, do que informaram os arrematantes oficiais e ocultos ao Ministério Público Estadual de São Bernardo, núcleo do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado), comandado pela promotora Mylene Comploier.  Já expusemos essa contradição no terceiro macrocapítulo.


 


Negando o inegável


 


Afinal, o que apresentou Milton Bigucci em sua defesa escrita ao Gaeco de São Bernardo sobre a participação oculta da Even e da Braido no leilão público? É claro que negou, embora os depósitos bancários daquelas empresas na conta específica da Prefeitura de São Bernardo do arremate da área, em oposição aos termos do edital de licitação, dissolvam suas alegações.


 


A MBigucci dividiu boa parte da responsabilidade de pagamento do terreno arrematado com a Even e a Braido, o que contrariava frontalmente os termos do edital, os quais determinavam que caberia apenas ao arrematante o resgaste do lance vencedor. Tanto a Prefeitura de São Bernardo como o Ministério Público já poderiam ter anulado ou determinado a anulação daquele evento. Os pagamentos fora dos termos do edital são uma confissão tácita da tramoia, que consistiu em associação ilegítima durante o leilão. 


 


Mas, o que disse Milton Bigucci ao Ministério Público de São Bernardo sobre a operação oculta das duas empresas parceiras durante o leilão?  Os trechos que se seguem foram retirados da documentação encaminhada pelo MP ao Judiciário de São Bernardo como um dos pontos que justificaram o pedido de arquivamento do processo. A decisão do MP contraria todas as provas disponibilizadas por CapitalSocial com base em decisão de processo já julgado em São Paulo. As declarações de Milton Bigucci que o MP aceitou como verdadeiras:


 


 A Big Top 2 participou sozinha do leilão. Não havia como comprar parte da área. Ou comprava o imóvel inteiro sozinha ou não comprova nada, não havia outra opção. E assim foi feito. Se houvesse interesse da Big Top 2 em se associar com a Braido e Even no dia do leilão, por que então a mesma não o fez? Bastaria ter assinado a ata em conjunto, e nada mais, já que esta associação era permitida nos termos do Edital do Leilão. Inclusive vários outros interessados participaram do leilão de forma associada. A resposta é simples e clara: a Big Top 2 não se associou no dia do leilão porque naquele momento não tinha esta intenção, e só passou a ter a intenção em data posterior, quando o terreno arrematado já lhe pertencia. Frisa-se que tal intenção posterior ao leilão não era em fazer sociedade no terreno, e sim em diluir cotas da empresa Big Top 2, única dona do imóvel arrematado. Se a Big Top 2 só possui o terreno arrematado como ativo é algo que já não mais interessa a terceiros, tendo em vista que os negócios da Big Top 2 são particulares e, portanto, só interessam a ela e àqueles que desejarem fazer negócios com ela. Ninguém mais.


 


Método de convencimento


 


As declarações do empresário Milton Bigucci, comandante da MBigucci e representante da Big Top 2 durante o leilão, é uma mistura de meias verdades, mentiras inteiras e total arrogância. Nada que surpreenda quem conhece os métodos de convencimento do empresário. O que se lamenta é que o Ministério Público de São Bernardo tenha aceitado as afirmações como verdades absolutas. CapitalSocial sempre se colocou à disposição do MP para esclarecimentos e apresentação de provas.


 


Vamos então aos pontos concretos que desmascaram as declarações de Milton Bigucci.


 


A afirmativa de que bastaria às representações da MBigucci (Big Top 2) da Braido e da Even assinarem a ata do leilão para que o consórcio das três empresas se configurasse legalmente, utilizando como exemplos outras empresas que se associaram, é uma falácia. Uma leitura atenta do Edital do Leilão desqualifica as declarações e as remetem ao descaramento e irresponsabilidade ante um organismo ministerial. Eis o que diz o edital sobre procedimentos licitatórios e julgamento, no item “b”, relativo à pessoa jurídica, sobre a obrigatoriedade de apresentação de documentos especificados para fins de aptidão:


 


 Cópia autenticada da Inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do Ministério da Fazenda (CNPJ/MP); Cópia autenticada do Instrumento de constituição da (s) pessoa (s) jurídica (s); Cópias autenticadas da Carteira de Identidade (RG) e do Cadastro Nacional da Pessoa Física do Ministério da Fazenda (CPF/MF) dos sócios, diretores ou gerentes que representem a(s) participante(s), ou do Procurador (es) constituído(s), se o caso. B1) -- Em se tratando de representante constituído através de procuração, esta deverá se dar por Instrumento Público com poderes para realização de todos os atos a serem praticados no leilão e destes decorrentes, notadamente para: oferta de lance, desistência ou interposição de recursos/impugnações, assinatura da Ata de Arrematação, pagamento e assinatura de escritura de venda e compra; B2) – É facultada a reunião de pessoas jurídicas para fins de participação neste leilão, devendo-se, para tanto, comprovar-se tal fato mediante expressa declaração das partes, através de instrumento particular com firmas reconhecidas, no qual deverá ser apontado aquele que fará os lances verbais em nome das envolvidas. Esse instrumento não afasta o necessário atendimento à alínea “b”. O atendimento a alínea “b1” se fará necessário, caso qualquer dos envolvidos tenha que se fazer representar por procuração. 2.1.1.1. – A faculdade conferida pelas alíneas (...) poderá abranger a hipótese de reunião entre pessoas físicas e jurídicas, devendo tal fato ser comprovado mediante expressa declaração das partes, através de instrumento particular com firmas reconhecidas, no qual deverá ser apontado aquele que fará os lances verbais em nome dos envolvidos, sem prejuízo do necessário atendimento (...) dada a especificidade de cada pessoa (física/jurídica).


 


Simplificando o processo


 


Como se observa, o empresário Milton Bigucci simplificou a seu modo, sempre em benefício próprio, o processo burocrático do leilão do imóvel arrematado pelo conglomerado que comanda com o objetivo explícito de tornar autêntica uma encenação. O MP aceitou passivamente as declarações de Milton Bigucci, que colidem frontalmente com os termos do edital do leilão. A formalização do consórcio que arrematou irregularmente o terreno onde se pretende construir o Marco Zero teria de obedecer a um ritual administrativo, como o fizeram as demais empresas que se associaram. Um dos pontos que constam da ata do leilão e que seria impossível atender para o enquadramento na legalidade da disputa é o reconhecimento de firmas das empresas que se consorciariam. Ao que consta, o leilão foi realizado na sede da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Bernardo, não em cartório de registros.


 


Houvesse a facilidade apregoada por Milton Bigucci, e tendo sido o leilão manipulado por ele e por representantes da Even e da Braido, a operação teria se desenvolvido com um arcabouço indestrutível sob o ponto de vista legal. Ou seja: Bigucci, Even e Braido teriam sim dado um drible da vaca nos cofres públicos, como o fizeram, adquirindo um bem público por menos da metade do valor do mercado. Nada poderia ser contraposto como denúncias porque teriam seguido rito processual inabalável.


 


O consorciamento automático durante o leilão, sugerido por Milton Bigucci para tentar fortalecer o esfarrapado argumento de que não houve ilegalidades, não era apenas um passo burocrático a mais, mas uma caminhada que passaria obrigatoriamente por alguma unidade de cartório de registros. Como o fizeram previamente as empresas que decidiram participar coletivamente do leilão.


 


Se o pau da barraca da mentira de Milton Bigucci na defesa apresentada ao Ministério Público sobre os detalhes burocráticos do leilão é solenemente chutado pelos fatos, o que dizer então das declarações que remetem à inconsistente informação de que a sociedade com a Even e a Braido não foi objeto de desejo para comprar o terreno arrematado?


 


O problema do empresário Milton Bigucci é que provavelmente tem dupla dificuldade à compreensão dos fatos que viveu como protagonista, porque não admite que tenha falhado e que a máscara tenha caído. Milton Bigucci viveria, portanto, no País de Alice.  Ele esqueceu o que assinou e subestima a capacidade de terceiros interpretarem nuances à luz da realidade e das provas. O Ministério Público aceitou aquelas declarações de Milton Bigucci porque não dispunha (apesar de todo o empenho em contrário de CapitalSocial) de documentação que remetia o pronunciamento do empresário ao banco dos réus.


 


Documento incriminador


 


Como parte da operação Marco Zero, denominação que naquele julho de 2008 provavelmente ainda não constava do portfólio de marketing da MBigucci, a empresa de Milton Bigucci, a Braido e a Even assinaram um documento preciosamente revelador em 15 de julho daquele ano. Ou seja, três dias úteis após o arremate irregular e vinculadíssimo aos acertos de bastidores que determinaram a aquisição do terreno de forma delituosa.


 


Chamado de “Carta de Intenções”, o documento ganha a forma de confissão tácita do delito e desmoraliza a argumentação de Milton Bigucci ao MP, principalmente no trecho em que afirma que a associação firmada entre as partes se referia a cotas de capital social da Big Top 2, empresa que oficialmente representou a MBigucci no leilão.


 


Alguns dos principais trechos do “Carta de Intenções” são mais que esclarecedores:


 


 Considerando que, em 10 de julho de 2008, a Big Top 2, Incorporadora Ltda. (SPE) adquiriu por meio de leilão um terreno de 15.898,00 metros quadrados, parte da área maior da matrícula No 13.933, no Primeiro Registro de Imóveis da Cidade de São Bernardo do Campo; Considerando que o valor total do terreno é de R$ 14 milhões, o qual deverá ser pago em oito parcelas; Considerando que a Construbig é titular da SPE; Considerando que as partes desejam desenvolver, em conjunto, um empreendimento no terreno (o empreendimento); Considerando que cada uma das partes deterá participação de um terço no empreendimento; e considerando que para o desenvolvimento do empreendimento as partes celebrarão, entre outros, um contrato de parceria que constará, entre outros, os termos e condições relacionadas ao desenvolvimento do empreendimento, a remuneração das partes, a forma de associação, bem como as atividades de responsabilidade de cada uma delas (a “Documentação Definitiva” e a “Parceria”), respectivamente, resolvem as partes celebrar esta presenta Carta de Intenções (a “Carta de Intenções”) que regerá pelas seguintes cláusulas e condições: Observado o disposto na Cláusula 2, por meio desta Carta de Intenções, se comprometem a pagar, de maneira não solidária, o valor equivalente a um terço do preço total do terreno, seja através de compra de participação da SPE, seja através de aporte em consórcio ou SCP a serem criados. A Construbig, neste ano, reconhece o depósito realizado nesta data pela Even a seu favor, na conta corrente (...) no valor de R$ 233.333.34 (o “Sinal”). A Construbig reconhece ainda que esse valor é equivalente a um terço do sinal de 5% do preço total do terreno pago por ela naquela data; a Construbig, neste ato, reconhece o depósito realizado nesta data pela Braido a seu favor, na conta corrente (...) no valor de R$ 233.333.14 (o “Sinal”). A Construbig reconhece ainda que esse valor é equivalente a um terço do sinal de 5% do preço total do terreno pago por ela naquela data.


 


Como é possível dispor desse documento por demais esclarecedor e tipificador das manipulações que cercaram o leilão do terreno em que se pretende construir o Marco Zero? Ora, a prova integra o processo já julgado em São Paulo e que tem o corretor de imóveis José Azevedo Moreira como pleiteante da comissão de 6% a que tem direito por ter produzido série de ações de campo e também técnicas para subsidiar a participação da Even Construtora no leilão. Essa “Carta de Intenções” foi juntada ao processo do corretor de imóveis pela Even Construtora, na patética tentativa de defender-se.


 


Vinculação automática


 


Assinado três dias úteis depois entre as partes que fraudaram o leilão promovido pela Prefeitura de São Bernardo, o documento é um choque no conjunto de bobagens que Milton Bigucci apresentou como defesa ao Ministério Público. A empresa “Construbig”, citada na “Carta de Intenções”, é a holding do conglomerado comandado por Milton Bigucci, também presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC.


 


Os termos da “Carta de Intenções” também não deixam dúvida sobre o relacionamento direto e compulsório entre os valores depositados pela Braido e pela Even na conta corrente da Construbig imediatamente após o fraudulento leilão. Os mais de R$ 200 mil de participação de cada empresa parceira referem-se, como diz o documento, a um terço do sinal de R$ 700 mil do valor do terreno arrematado. A desfaçatez da defesa de Milton Bigucci no Ministério Público ao negar o vínculo dos recursos àquela área é estonteante. Quem o subestimar como autor de ficção provavelmente quebrará a cara. Veja:


 


 “Tanto a Even como a Braido nunca compraram o imóvel, nem em data posterior ao leilão. As duas empresas pretendiam adquirir cotas sociais da Big Top 2. Os sócios da Big Top 2 aceitaram essa condição requerida pela Even e Braido, da realização da análise jurídica, contábil, previdenciária, trabalhista, dentro outras, o que foi denominada de “Due Diligence”. No entanto, a Big Top 2 colocou uma condição para aceitar o negócio, já que a mesma havia comprado sozinha o imóvel e havia desembolsado o investimento. A Big Top 2 entendeu que se as outras duas empresas quisessem realmente adquirir parte das suas cotas sociais, as mesmas deveriam demonstrar financeiramente que estavam aptas a adquirir as cotas e propôs que as mesmas realizassem adiantamentos contra a sociedade, os adiantamentos de terceiros, cujos valores seriam devolvidos pela Big Top 2 na hipótese de alguma das empresas, após a análise da Due Diligence, não desejasse seguir adiante no negócio.


 


Quem quiser mais firulas fantasiosas de Milton Bigucci basta continuar a acompanhar suas declarações ao Ministério Público de São Bernardo, que as tomou como verdadeiras a ponto de remeter a denúncia a arquivamento.


 


 Com a Carta de Intenção assinada, a Even e a Braido começaram a realizar os seus adiantamentos na empresa Big Top 2. As parcelas do imóvel arrematado pela Big Top 2 foram quitadas normalmente pela própria Big Top 2. Frisa-se que tais adiantamentos à empresa e pagamentos à municipalidade foram totalmente contabilizados na forma da lei.


 


Omitindo informações


 


É claro que Milton Bigucci não informou ao Ministério Público sobre o trâmite burocrático do pagamento das parcelas do terreno arrematado. Os depósitos das parcelas da Braido e da Even não foram efetivados na conta corrente da empresa de Milton Bigucci, mas direta e indevidamente na conta corrente especificada pela Prefeitura no edital do leilão. Apenas o valor correspondente a dois terços do sinal de R$ 700 mil do arremate formal de Milton Bigucci durante o leilão foram depositado na conta corrente da Construbig (a holding dos Bigucci), correspondentes às participações da Braido e da Even. Seria demais esperar que a fraude do arremate fosse coroada na sede da Secretaria de Finanças de São Bernardo com o pagamento dos R$ 700 mil de forma explicitamente compartilhada pelas três empresas.


 


Quando se espera que a defesa apresentada por Milton Bigucci já atingiu o mais alto patamar de imprevidência e descalabro, o parágrafo ou o tópico seguinte é sempre uma ameaça a reformulação da expectativa. Alguns novos trechos são imperdíveis:


 


 Se o intuito destas empresas fosse agir em conluio para fraudar a licitação, não teriam participado do certame nem tampouco disputado entre si, efetuando lances para a aquisição do imóvel, haja vista que este fato acarretou o aumento do preço do imóvel. Não há que se falar em fraude. Havia outros presentes no leilão. Se alguém se sentiu prejudicado, porque não pagaram mais, não ofertaram maior lance? Foram vários os lances dados pelos presentes. Nunca nenhum participante entrou com qualquer protesto ou impugnação do leilão.


 


É claro que Milton Bigucci sofisma. Se fosse verdadeira a premissa de que empresas que não pretendem fraudar licitações não participariam de licitações, as licitações não seriam o que são, ou seja, um laboratório privilegiado à sofisticação da malandragem. A literatura de delitos do gênero é imensa. E sempre a reunir várias empresas em conluio. Afinal, é preciso dar representatividade, e suposta transparência ao planejamento e à execução das manobras para parecer tudo legal numa ilegalidade despudorada.


 


Muitos dos fraudadores de leilões obtêm sucesso e jamais são questionados porque não há denunciantes à vista entre outras razões porque supostos concorrentes não passam mesmo de parceiros. Outros, como é o caso envolvendo Milton Bigucci e seus sócios ocultos, ou não tão ocultos assim, deixam rastros demais e acabam surpreendidos com um movimento estranho ao roteiro imaginado. No caso, foi a ação do corretor José Azevedo Moreira, inconformado por ter sido passado para trás pela Even Construtora.


 


Fora dos lances


 


Milton Bigucci também distorce a realidade dos fatos quando afirma que a Even Construtora participou do leilão com lances. No processo judicial do corretor José Azevedo Moreira, um executivo da Even, ouvido em juízo, afirmou que a empresa não efetivou nenhum lance. Emerson Inácio de Souza, o executivo, ocupava o cargo de analista de terrenos. “Não ingressamos no leilão apenas porque os lances ultrapassaram nossa capacidade financeira” – disse ao Judiciário paulistano.


 


Quem pretender resgatar um breve histórico dos supostos lances que determinaram a suposta corrida pela aquisição do terreno vai perder tempo. Não há registros. Quem acompanhou o leilão, como o autônomo Darci da Silva e o corretor José Azevedo Moreira, não têm dúvidas sobre os entendimentos prévios entre os representantes da MBigucci, da Braido e da Even.


 


Não faltaram criatividade e caradurismo a Milton Bigucci nas explicações ao Ministério Público de São Bernardo para tentar explicar o regime de SPE (Sociedade de Propósito Específico) da Big Top 2, empresa dos tentáculos da MBigucci escolhida para dar cobertura à operação fraudulenta. Vejam o que o empresário escreveu:


 


 Apenas a título de esclarecimento, as incorporadoras brasileiras usualmente constituem as chamadas SPEs (Sociedade de Propósito Específico) que nada mais são do que empresas que são constituídas na forma da lei com objetivo específico de realizar um empreendimento imobiliário e, ao término deste, estas SPEs geralmente são encerradas. Tal prática é praxe no mercado imobiliário brasileiro e inclusive é algo exigido por alguns bancos como condição para aprovação do financiamento do recebimento do valor mutuado à incorporadora, e ainda, segregando o fluxo de caixa de cada empreendimento de forma a não prejudicar os adquirentes em caso de falta de recurso em outros empreendimentos. Tal prática começou a ser adotada no Brasil após o evento Encol, em que milhares de famílias perderam seus imóveis com a falência da Construtora Encol, uma das maiores do Brasil na época. É prática muito comum e legal.  Na prática, as incorporadoras precisam constituir as empresas antes da aquisição de algum imóvel, para que seja possível na data da compra poder assinar os instrumentos aquisitivos. Não se pode deixar para constituir as empresas após a compra do imóvel, pois há um trâmite burocrático para abertura de empresas, registro na Junta de comércio, criação de CNPS, entre outros. Diante disso, as incorporadoras constituem várias empresas e as deixam “à espera” da oportunidade de aquisição de um terreno. No mercado imobiliário, são as conhecidas empresas de “prateleira”, que são aquelas que ficam na “prateleira”, aguardando a compra de algum terreno. Como essas empresas são de “prateleira”, e na data de sua constituição elas não possuem nenhum ativo, as mesmas são constituídas com capital social de baixo valor, geralmente entre R$ 1 mil e R$ 10 mil. Não há nada de ilegal em constituir uma empresa com capital social de R$ 1 mil, como o quer fazer crer o denunciante, que provavelmente também nada conhece de contabilidade.


 


Diversionismo puro


 


Ao discorrer sobre as bases legais de constituição das SPEs, Sociedade de Propósito Específico, Milton Bigucci foi bem assessorado por especialistas, mas o objetivo junto ao Ministério Público era produzir uma variante técnica sem importância para refutar o irrefutável – o arremate do leilão da área onde se pretende construir o Marco Zero está encharcado de irregularidades e não seria a descrição formal do funcionamento legal de uma SPE que neutralizaria os fatos.


 


A suposta participação posterior, de forma formal, da Braido Construtora no capital social da Big Top 2, depois de incluir-se na compra do terreno conforme especifica a "Carta de Intenções” assinada pelas três empresas que se associaram clandestinamente na operação de arremate, é muito mal explicada por Milton Bigucci ao Ministério Público. CapitalSocial tratará do desmascaramento num próximo capítulo. O empresário chega a ser patético na busca de uma defesa insustentável quando, entre outras barbeiragens, afirma que tanto a Braido quanto a Even não constavam da lista de empresas inscritas à participar daquela suposta disputa.


 


Alega o empresário Milton Bigucci que os pagamentos efetuados conforme os termos da “Carta de Intenções” foram da Even Construtora e Incorporadora e não da Butterfly Even Empreendimentos Imobiliários, empresa que se inscrevera ao leilão, e também os pagamentos da Braido Comercial e Administradora não incluíam a empresa Sabbahi, com quem se inscrevera no leilão. Em resumo, Milton Bigucci procura desvincular os pagamentos de parcelas do terreno da Even e da Braido. Utiliza-se para tanto do subterfúgio de identificações empresariais diferentes, as quais distanciariam as inscrições ao leilão e os valores efetivamente pactuados em documento, como mundos à parte.


 


Pura bobagem. Trata-se exclusivamente de tentativa de enganar o Ministério Público. Consta da lista de presentes no leilão fraudulento que integrantes societários ou autorizados da Braido e da Even representavam legalmente as respectivas empresas. Ou seja, a Even Construtora estava legalmente constituída como representante da subsidiária Butterfly e a Braido do consórcio Braido-Sabbahi, firmado legalmente no dia anterior ao processo licitatório. Medida que, repita-se, a Big Top 2 de Milton Bigucci, a Even e a Braido não tiveram o cuidado de formalizar, conforme especificava e exigia o edital do leilão.


 


A argumentação de Milton Bigucci é, portanto, gelatinosa. Tanto que a ação indenizatória movida pelo corretor José Moreira na Justiça de São Paulo tem como ré a Even Construtora e Incorporadora, não a Butterfly, subsidiária que participou do leilão. Da mesma forma, as parcelas relativas aos pagamentos da Big Top 2 do arremate da área à Prefeitura de São Bernardo foram depositadas por Milton Bigucci, controlador da Construbig, holding do Grupo MBigucci.


 


Ataques desesperadores


 


Milton Bigucci é contumaz mentiroso. Ataca este jornalista na defesa apresentada ao Ministério Público. Sofisma, manipula informações, falsifica fatos, distorce, descontextualiza. E se coloca num pedestal de pureza que faria Deus corar de vergonha. Vejam esses parágrafos:


 


 O denunciante nunca foi e não é associado da Acigabc (Associação dos Construtores). Não representa a Prefeitura de São Bernardo que promoveu a venda do imóvel. Nem tampouco estava presente quando da realização do leilão do imóvel. Como pode dizer que houve fraude ou farsa? Ele ouviu falar. Quem é Daniel Lima para agir? Quem teria legitimidade para agir nunca o fez, por considerar que tudo foi feito na legalidade. Nunca houve nada de irregular. Nem os participantes do leilão público realizado há mais de quatro anos, nem a municipalidade, nem associados da Acigabc, ninguém. Tudo foi feito conforme previsto no edital, inclusive em jornais de grande circulação como O Estado de São Paulo e Diário do Grande ABC (O denunciante absurdamente alega que não foi divulgado). Não houve impugnação de quem quer que seja.


 


Esse feixe de abuso à inteligência alheia não resiste ao mais superficial contraditório. Não ser associado da entidade que preside ditatorialmente e não estar presente no leilão têm tanta importância como dizer que este jornalista não integra a comissão técnica do Corinthians e por isso não estaria habilitado a discorrer sobre o rendimento da equipe nos campos de futebol e que os fieis a Deus são um bando de idiotas porque não conviveram fisicamente com o Poderoso. Não se pode acreditar em Deus só por ouvir falar?


 


No caso de Milton Bigucci, a situação é ainda pior porque este jornalista não só ouviu falar como foi a campo para desmascarar aquela operação fraudulenta. Sempre com provas irrefutáveis, inclusive as originárias do próprio fraudador, incauto e despreparado nas tentativas de tapar o sol com a peneira, ou de seus parceiros de negócio privilegiado. Caso da “Carta de Intenções”, que tipifica sem resquício de dúvida o objetivo do próprio instrumento legal assinado por Milton Bigucci e seus parceiros, ou seja -- garantir a divisão equitativa do terreno arrematado exclusivamente em nome da empresa subsidiária do Grupo MBigucci.


 


Sobre a legitimidade deste jornalista para cobrar de instâncias legais a anulação do leilão, provavelmente o empresário Milton Bigucci desconhece completamente o significado da atividade jornalística como ferramenta de intermediação de informação entre instituições e sociedade. Ou desconhece os direitos individuais e coletivos reservados na Constituição Federal. No fundo, no fundo, Milton Bigucci é um praticante irrecuperável de um viés mandonista que não aceita a democracia da informação. Já recorreu ao Judiciário contra este jornalista na tentativa de, suprema expressão dos déspotas, retirar tudo que se refere às suas atividades empresariais e institucionais das páginas desta revista digital. Milton Bigucci detesta qualquer coisa que lembre contraditório. Fugiu de todas as entrevistas propostas por CapitalSocial porque é amante do monólogo autobajulatório.


 


Transparência zero


 


Também se excede em mandraquismo argumentativo o empresário Milton Bigucci quando se refere à transparência do leilão da área que pertencia à Prefeitura de São Bernardo. Ao se referir ao Diário do Grande ABC e ao O Estado de São Paulo, Milton Bigucci omite que as publicações se limitaram aos minúsculos anúncios do Edital do Leilão, sempre deslocados a rodapés de baixíssima visibilidade dos leitores, nos cadernos de classificados.


 


Nenhuma publicação deu uma notícia sequer sobre a realização do leilão nos dias que antecederam à disputa ou mesmo depois. Mais que isso: à frente da Associação dos Construtores, entidade da qual lança mão para potencializar os negócios do conglomerado de empresas que dirige, não foi emitido um comunicado sequer sobre aquela disputa. Não convinha a Milton Bigucci dar ao evento caráter concorrencial, porque o plano de arrematar a área na bacia das almas do valor do metro quadrado acabaria por ruir.


 


O grupo de interessados seletivamente organizado nos bastidores para dar ares de seriedade à disputa cumpriu rigorosamente a lição de casa. O equívoco de Milton Bigucci e de seus parceiros de negócios imobiliários mais que vantajosos foi terem subestimado a parte que cabia ao corretor de imóveis contratado pela Even. José Azevedo Moreira foi acionado bem antes da divulgação do edital para reunir o máximo de informações, dados e planilhas a permitir a participação da empresa paulistana em condições de vitória. O problema do corretor é que esqueceu que entre ele e a Even existia um empresário local muito bem alinhado à Administração Pública, porque representava e representa uma associação de classe mequetrefe mas com certo viço em instâncias despreparadas à avaliação de quem é quem na sociedade regional.


 


A melhor alternativa para o fechamento do negócio foi a pior solução para os cofres públicos: uma associação fraudulenta que não teve cuidados básicos com a mancha de óleo de irregularidades deixada a cada movimento durante e após o leilão.


 


Marco Zero: Bigucci se apresenta
ao MP como vítima até de parceiros


 DANIEL LIMA - 19/3/2013


 


O empresário Milton Bigucci promoveu um verdadeiro festival de mentiras, dissimulações e contradições na defesa apresentada ao Ministério Público de São Bernardo para tentar desqualificar as denúncias de CapitalSocial sobre a compra irregular em leilão da área de 15,9 mil metros quadrados onde pretende construir o empreendimento Marco Zero, localizado entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro. Milton Bigucci se colocou como vítima deste jornalista e até mesmo dos parceiros comerciais com os quais dividiu a compra da área. O MP aceitou a versão onírica do dono da MBigucci. Este é o quinto macrocapítulo de CapitalSocial sobre o escândalo ainda impune.


 


Não há limites para Milton Bigucci invadir o terreno da fantasia a fim de escapar das investigações do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) comandado pela promotora criminal Mylene Comploier, em São Bernardo. Por isso mesmo CapitalSocial esclarece todos os pontos do envolvimento de Milton Bigucci, da Even Construtora e da Braido Construtora na ardilosa compra de um terreno público que, segundo especialistas, valeria no mínimo o dobro dos R$ 14 milhões pagos pela MBigucci e seus parceiros ocultos – ou quase ocultos. A área está avaliada hoje em pelo menos R$ 70 milhões.


 


Na defesa apresentada ao MP Milton Bigucci alega que a Even Construtora afastou-se da sociedade em novembro de 2008, ou seja, quatro meses após o leilão fraudulento. A razão seria os termos da chamada Due Diligence, conforme determinava o contrato de participação societária. O procedimento concluiu que o agravamento da crise internacional e uma análise detalhada do estudo de fundações naquele terreno remetiam à desistência. Veja o que disse Milton Bigucci sobre o terreno:


 


 Estudos apontaram que o solo não era muito consistente e, portanto, seria necessário um altíssimo investimento na concretagem de fundações dos edifícios que ali seriam construídos, encarecendo demais o empreendimento e, portanto, fazendo com que o valor do terreno fosse depreciado, se comparado a outro terreno similar mas sem esse agravante”.


 


A declaração de Milton Bigucci é um escárnio que desrespeita a apuração do escândalo. Uma leitura atenta de um importante documento assinado por representantes da MBigucci, da Braido e da Even, em 10 de novembro de 2008, derruba a versão apresentada por Milton Bigucci ao MP em 26 de setembro de 2012. Como se observa, o empresário tem dificuldade em lidar com datas, de forma a que medidas reparadoras do delito tenham sustentação lógica. 


 


A cláusula 2.3 do documento apresenta o seguinte texto:


 


 A Braido e a Construbig poderão utilizar o laudo ambiental, o levantamento topográfico e a sondagem que as partes realizaram sobre o terreno, cabendo à Even lhes entregar tais documentos nesta data, sem ônus ou despesas adicionais para quaisquer das partes. Tais documentos serão cedidos nesta data gratuitamente para a Construbig e Braido, uma vez que o custo dos mesmos foi arcado pela Even; porém é parte integrante do acerto comercial entre as partes, previsto nas Cláusulas 3.1 e 3.2 abaixo.


 


Vejam o que diz a Cláusula 3.1 citado no contrato:


 


 A Construbig se obriga, neste ato, a reembolsar a Even da importância de R$ 954.327,33, correspondente ao acerto das partes para ressarcimento dos valores do sinal e das parcelas do saldo remanescente pagos à Construbig e/ou pago diretamente pela Even à Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, bem como reembolso dos serviços de topografia, sondagem e laudo ambiental custeado pela Even (“Reembolso a Cargo Construbig”). Realizado o reembolso acima, a Construbig passará a ser detentora de 50% das quotas da SPE “Big Top2 Incorporadora Ltda” cuja alteração de contrato social será oportunamente firmada entre Construbig e Braido.


 


Vejam o que diz a Cláusula 3.2 citada no contrato:


 


 A Braido se obriga, neste ato, a reembolsar a Even da importância de R$ 954.327,33 correspondente ao acerto das partes para ressarcimento dos valores do sinal e das parcelas do saldo remanescente pagos à Construbig e/ou pago diretamente pela Even à Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo, bem como reembolso dos serviços de topografia, sondagem e laudo ambiental custeado pela Even (“Reembolso a Cargo da Braido”). Realizado o reembolso acima, a Braido passará a ser detentora de 50% das quotas da SPE “Big Top 2” Incorporadora Ltda.”, cuja alteração de contrato social será oportunamente firmada entre Construbig e Braido.


 


Terreno sem problemas


 


Traduzindo, as cláusulas contratuais não deixam dúvidas sobre dois novos pontos do escândalo do Marco Zero. Primeiro, a Even se afastou da sociedade formalizada no “Contrato de Intenções” assinado três dias úteis após o leilão, como desdobramento do acerto de bastidores durante a suposta competição realizada na Secretaria de Finanças de São Bernardo; Segundo, as condições técnicas do terreno arrematado não contemplavam qualquer anormalidade.


 


Os laudos e estudos cedidos pela Even às sócias remanescentes, MBigucci (representada pela Big Top 2, por sua vez subsidiária da Construbig) e Braido sustentavam a integridade daquele terreno. Tanto que não foi feita uma menção sequer sobre possíveis impropriedades. E não foi feito porque de fato não existiam. Mais tarde, desavisadamente, Milton Bigucci utilizou-se dessa versão para procurar desenquadrar o negócio imobiliário da esfera criminal.


 


O corretor de imóveis José Moreira, como consultor da Even, participou ativamente dos estudos e dos projetos àquele espaço.  A retirada oficial da Even do negócio foi a fórmula encontrada pelas três empresas arrematantes do terreno para afastar qualquer risco de prejuízos por conta da mobilização do corretor. Afinal, a partir do resultado do leilão, José Moreira começou a reunir provas que consubstanciariam a demanda judicial em busca de indenização pela corretagem. José Moreira reivindicou à Justiça paulistana nada menos que R$ 840 mil de pagamento da comissão de 6% sobre o valor do arremate.


 


José Moreira ganhou a causa em primeira instância, na Capital, mas recorreu, porque os valores foram fixados abaixo dos 6% convencionados no mercado imobiliário. Ou seja: a Justiça de São Paulo reconheceu não só a atuação de José Moreira como, principalmente, a materialidade da participação da Even como uma das arrematantes do terreno, em conluio com a Big Top 2, empresa da MBigucci, e a Braido.


 


O documento assinado por Milton Bigucci e parceiros da Even e da Braido sobre o destino dos trabalhos técnicos do terreno arrematado não deixam dúvidas quanto à participação efetiva da Braido no capital social da Big Top 2 em novembro de 2008, embora já lhe fosse aberta a porta na “Carta de Intenções” assinada em 15 de julho do mesmo ano.


 


Uma leitura atenta da defesa apresentada em 26 de dezembro do ano passado pelo empresário Milton Bigucci ao Ministério Público Estadual, em São Bernardo, ressalta ainda mais o que poderia ser rotulado de deboche na apuração do caso. Milton Bigucci subestima o documento assinado em julho e também em novembro de 2008, sobre os quais não faz qualquer referência detalhada ao MP. Como se explicaria tamanho desrespeito? Simples: Milton Bigucci desconhecia os meandros das investigações de CapitalSocial sobre a ação movida pelo corretor José Moreira na Justiça paulistana. Para ele, o arremate do terreno público já era página virada. A ação do corretor de imóveis contra a Even logo após aquele leilão aparentemente não era de conhecimento de Milton Bigucci, embora o envolvesse até a medula.


 


Agora, os trechos da defesa de Milton Bigucci ao MP:


 


 Somente em 04 de maio de 2010, portando dois anos depois da data do leilão, é que a Braido passou a integrar o quadro societário da Big Top 2 com 50% das cotas e a Construbig passou a deter 50%, tendo o Sr. Milton Bigucci se retirado da sociedade. Frisa-se porque oportuno que a Braido somente entrou na sociedade dois anos depois da arrematação do imóvel pela Big Top 2, quando o imóvel inclusive já estava quitado pela Big Top 2, com escritura lavrada e registrada no Cartório de Registro de Imóveis; ou seja, a Braido jamais se associou a Milton Bigucci no dia do leilão, como quer fazer crer de forma irresponsável o denunciante. Somente nesta data é que o capital social da Big Top 2 foi aumentado de R$ 1 mil para R$ 20 milhões, sem que isso configure qualquer tipo de crime. Foi exatamente isso, à luz da legislação. O capital subiu para R$ 20 milhões, pois nesta ocasião os sócios precisavam integralizar o capital que haviam adiantado, ou seja, a Construbig através de seus AFAC´s efetuados e a Braido através de adiantamento de terceiros, totalmente revestido de lisura, tentando o denunciante tentar levar irresponsavelmente o público ou a promotoria a erro.


 


Omitindo informações


 


Como se percebe, a defesa de Milton Bigucci no Ministério Público é o corolário de sandices informativas e documentais, bem como uma constante preocupação em desclassificar a denúncia de CapitalSocial. 


 


A efetivação legal da sociedade entre a Big Top 2 de Milton Bigucci e a Braido na aquisição do terreno arrematado irregularmente juntamente com a Even só se deu dois anos depois do evento na sede da Secretaria da Fazenda de São Bernardo mas não tem o condão de anular a realidade dos fatos, descrita no documento assinado em novembro de 2008 entre representantes das três empresas e também anteriormente, em 15 de julho do mesmo ano. Mais que isso, agrava os fatos.


 


Considerando-se apenas o segundo documento, assinado quatro meses após o leilão, assegurava-se, com o afastamento da Even, metade do terreno (e das cotas societárias) à Braido Construtora e metade à Big Top 2, da MBigucci.


 


Trata-se de uma conta muito simples de fazer: como cada uma das três empresas detinha um terço do terreno arrematado (e das correspondentes participações em cotas da sociedade) e como a Even decidiu se afastar oficial mas não necessariamente de fato por conta da demanda ameaçadora do corretor de imóveis, não por qualquer outro motivo, a divisão pela metade passou à automaticidade matemática.


 


Há mais enrolação, imprecisão e deboche na defesa de Milton Bigucci ao Ministério Público em setembro do ano passado:


 


 Vale lembrar ainda que esta empresa, a Braido, que adquiriu cotas da Big Top 2 dois anos depois da arrematação do imóvel, adquiriu os 50% das cotas sozinha e não em conjunto com a empresa Sabbahi Construtora e Incorporadora, conforme ela havia participado do leilão, nos termos da ata e recibo. Se houvesse qualquer intenção de associação, a empresa Sabbahi também deveria figurar como sócia da Big Top 2, mas não foi isso que ocorreu, o que corrobora como os fatos aqui narrados. A Braido (apesar de ter ingressado na sociedade, ainda estava muito preocupada com a questão da depreciação do terreno da Big Top 2 por conta dos custos exorbitantes para execução da fundação e com a chegada de nova crise financeira internacional, desta vez na zona do Euro mas com altos reflexos no Brasil), na data de 23 de maio de 2012 decidiu se retirar da sociedade, ocasião em que os sócios da Big Top 2 passaram a ser a Construbig e uma outra empresa denominada Privilege Intermediação de Negócios, cujos sócios são o Sr. Milton Bigucci, sua esposa e a empresa MBigucci também do Sr. Milton Bigucci e esposa, ou seja, as cotas da Big Top 2 passaram a ser detidas novamente por empresas do mesmo grupo do Sr. Milton Bigucci, da mesma forma que as detinha na data do leilão. (...). Apesar de ser um imóvel aparentemente cobiçado pelos participantes do leilão (houve disputa), como se pode observar ninguém quis permanecer como sócio da empresa arrematante, a Big Top 2, que arrematou o imóvel por valor acima do mínimo devido aos altos custos que estão atrelados ao imóvel.


 


Participação comprovada


 


As meias verdades e as mentiras inteiras de Milton Bigucci repassadas ao Ministério Público são estonteantes. O desmascaramento da legitimidade de participação da Braido no capital social da Big Top 2 -- a empresa da Mbigucci que oficialmente arrematou a área pública -- está mais que provado pelo documento assinada em novembro de 2008 e também pelo documento assinado anteriormente, em 15 de julho do mesmo ano. 


 


Milton Bigucci refere-se à sociedade apenas a partir da atualização do contrato social, que concede à Braido 50% de participação nas ações dois anos após o leilão. E quando se refere ao fato de que a Braido que adquiriu parte na sociedade não tem nada a ver com a Braido que participou do leilão do terreno, porque dividia consórcio com outra empresa, é um truque que não se sustenta. Oficialmente, conforme a ata daquele evento, foi a Braido que representou os interesses das duas empresas associadas. A ausência da Sabbahi Construtora no contrato da Big Top 2, a arrematante oficial do terreno, não confere imunidade a acordos paralelos ou ocultos para salvaguardar interesses dos vencedores oficiais e clandestinos do leilão. É muito provável que tente ser uma frustrada cortina de fumaça.


 


Também o afastamento da Braido da sociedade formalizada com a Big Top 2, em maio do ano passado, passa longe das explicações de Milton Bigucci. Não havia mais rescaldos da crise macroeconômica que chegou meses depois do leilão do terreno, conforme CapitalSocial já detalhou, e que se converteu em não mais que seis meses de certo incômodo ao mercado imobiliário do Brasil. Também não houve depreciação do terreno por conta de fantasiosa gama de problemas à ocupação ambientalmente responsável. Muito pelo contrário: aquela área continuou a valorizar-se num ambiente de concorrência de verdade por espaços privilegiados no mercado imobiliário. Declarações de Milton Bigucci nesse sentido não faltam à Imprensa, como CapitalSocial já publicou.


 


O que pesou de fato ao afastamento da Braido Construtora da sociedade com Milton Bigucci na Big Top 2 foram as denúncias de CapitalSocial, a partir de 2011, sobre o processo fraudulento do leilão da Prefeitura de São Bernardo. A emenda supostamente de cautela acabou se tornando pior que o soneto da sociedade formalizada porque encheu ainda mais o balde de irregularidades que a ação movida pelo corretor José Moreira fez transbordar na Justiça.


 


Efeitos especiais


 


Milton Bigucci deveria receber um prêmio de efeitos especiais ao se colocar como vítima de suposto mico imobiliário arquitetado por parceiros de negócio. Ao lembrar ao Ministério Público que uma das empresas do conglomerado empresarial que dirige, a Big Top 2, arrematante oficial do terreno, ficou isolada como dona daquele bem material sobre o qual se pretende erguer um grande empreendimento do setor, Milton Bigucci só faltou exigir da Prefeitura de São Bernardo ressarcimento financeiro pela traição dos parceiros.


 


Sim, a empresa de Milton Bigucci entrou num leilão furado, do qual saiu com um terreno, sempre na versão do empresário, cujo preço do metro quadrado foi superavaliado porque não contemplava desvalorização por conta de condições ambientais e geológicas para a empreitada a que se propusera o grupo empresarial. Tudo muito fantasioso.


 


Mais: Milton Bigucci foi traído dolosamente pelos parceiros que, claro, sempre na versão bigucciana, só entraram em campo para o jogo imobiliário muito tempo depois do leilão efetivado, do qual se retiraram porque perceberam que a maré não estava para peixe. O espírito altruístico do empresário Milton Bigucci ao suportar sozinho a retirada de desalmados parceiros é algo que merece pelo menos uma salva de palmas de todos aqueles que sonham com almas tão bondosas.


 


As declarações de Milton Bigucci ao Ministério Público são, na verdade, um atentado ao bom senso porque, contraditoriamente, o empresário não tem feito outra coisa nos últimos meses senão afirmar que o negócio lançado sobre o terreno arrematado de forma irregular foi o melhor da temporada passada do conglomerado de empreendimentos que dirige. O Marco Zero, na versão oficial de Milton Bigucci, é sucesso de público e de vendas. Publicidade em jornais para propagar o êxito não faltou. Essa é uma das maneiras que o mercado imobiliário usa para tornar dócil o setor informativo.


 


É claro que esse fantástico resultado não seria alcançado se houvesse de fato comprometimento financeiro de custos ante a alardeada gravidada da qualidade do solo arrematado. Quem conhece mercado imobiliário sabe o quanto se inviabiliza um empreendimento se o terreno em questão exigir custos adicionais para regularização ambiental. E quem conhece o setor sabe o quanto se ganha em competitividade num determinado lançamento quando se adquire o terreno em questão por preço na bacia das almas.


 


Caso da área entre a Avenida Kennedy e a Avenida Senador Vergueiro que a MBigucci teve a infelicidade de adquirir de forma limpa mas por preço muito acima do recomendável e tendo como parceiros duas organizações que não honraram o compromisso de lealdade e respeito firmado em documentos oficiais – sempre segundo a versão do sacrificado empresário Milton Bigucci. Parceiros comerciais deram no pé ante a descoberta de que o terreno estava bichado.


 


Nada mais patético como defesa ao Ministério Público, levando-se em conta, entre vários pontos, que a empresa subsidiária da MBigucci recebeu de mão beijada todos os estudos preparados pela Even antes do leilão, os quais, como se sabe, não apontaram qualquer irregularidade no solo. Milton Bigucci, como se vê, é insuperável nas artimanhas de cenarizações que favoreçam seus negócios.


 


Benfeitor social


 


Provavelmente o pendor de solidariedade do empresário, que se afirma benfeitor de uma entidade social, espécie de porta-estandarte de sua generosidade, pesou sobremaneira em gesto tão nobre, ou seja, ao conceder à Prefeitura de São Bernardo recursos financeiros muito além do que valia de fato aquela propriedade pública.


 


Ante tudo isso, o lamentável sempre segundo a versão de Milton Bigucci, é que a Administração Luiz Marinho, omissa na apuração do escândalo após prometer punir servidores públicos e remeter documentação completa ao Ministério Público, não se mobilize para ressarcir os prejuízos do empresário.


 


É um despropósito o prefeito Luiz Marinho não ter se socorrido de especialistas da Administração de São Bernardo para constatar algo sobre o qual Milton Bigucci não faz qualquer referência na defesa de seus interesses de empresário supostamente lesado na aquisição da área repleta de complicações ambientais e geológicas: o edital do leilão previa ressarcimento financeiro sobre eventuais problemas encontrados. Como é descuidado o empresário Milton Bigucci. Como é ingrata a Administração Luiz Marinho.


 


Quem ousaria duvidar que, alguém que, como Milton Bigucci, se sujeita a um negócio tão desvantajoso e em consequência tão voltado a favorecer os cofres públicos, deveria pelo menos ser contemplado com alguma láurea de respeitabilidade e notabilidade históricas no Município, entregue na Câmara de Vereadores em noite de gala? Quem sabe com autoridades diversas a lhe prestarem discursos como exemplo de empreendedorismo a ser seguido. 


 


O mais factível mesmo é que a defesa de Milton Bigucci no Ministério Público seria um enredo perfeito para alguma série televisiva que contemplasse um personagem dado a devaneios, a viver do imaginário. Ataca este jornalista com evasivas, manipulação de textos, invencionices diversas. Coloca-se, evidentemente, como vítima preferencial de pautas de CapitalSocial. Como se o mercado imobiliário não fosse uma peça importantíssima do xadrez social da Província do Grande ABC a exigir informações confiáveis e transparentes. Como se a função da Imprensa devesse se inspirar no lado bom das torcidas organizadas – torcer o tempo todo, aplaudir, ignorar os erros do time. Até que Milton Bigucci obtém tudo isso e muito mais da maioria da mídia. O direcionamento de críticas infundadas a Capital Social tem o objetivo subliminar de desviar a atenção da promotoria criminal.


 


Ainda sobre os devaneios de Milton Bigucci, acompanhem novos trechos da defesa apresentada ao MP:


 


 A entidade que Milton Bigucci preside, a Acigabc, é tão forte e tão atuante no setor imobiliário que trouxe inclusive para um recente evento uma ministra de Estado, a Dra. Miriam Belchior, que realizou uma apresentação e balanço de seu trabalho, enquanto ministra, para quase uma centena de empresários da região. Uma ministra de Estado do Planejamento, Gestão e Orçamento do Brasil, por óbvio, não comparece a qualquer entidade que não seja respeitada. Agora, pasmem, o que fez o denunciante? Tratou de imediatamente escrever um texto cheio de insinuações ofendendo a honra de Milton Bigucci e enviou o referido texto à ministra e a todo o seu ministério no dia seguinte ao evento, com objetivo único de destruir a imagem de credibilidade de Milton Bigucci.


 


Vitimização frágil


 


A vitimização a que se impõe Milton Bigucci em todos os textos produzidos por CapitalSocial é facilmente explicável: como tem as costas largas e os bolsos cheios na relação com a maioria da mídia da Província do Grande ABC, não tolera jornalismo independente. Principalmente de quem o descobriu delituoso na relação com a Administração Pública. Daí, partir para a revanche -- mesmo que para tanto sacrifique os fatos.


 


No caso da visita de Miriam Belchior, este jornalista escreveu o artigo “Ministra mal-informada vai à sede de entidade de presidente sob investigação”, em 24 de novembro de 2011. Milton Bigucci não reproduz com clareza, honestidade e integridade o conjunto de informações do texto deste jornalista. Omitiu que o artigo explica que o Diário do Grande ABC bateu forte na ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, Miriam Belchior, por razões diferentes das que levaram a ministra a apanhar da revista digital CapitalSocial:


 


 Miriam Belchior apanha do Diário do Grande ABC porque foi a uma cerimônia (...) e não dispunha de dados regionais sobre o PAC2. Miriam Belchior apanha de CapitalSocial porque foi a uma entidade comandada por um presidente envolvido em caso de fraude em leilão de área pública em São Bernardo, escreveu este jornalista.


 


A omissão de Milton Bigucci sobre as críticas no Diário do Grande ABC do dia seguinte do evento foi deliberada, porque mantém relacionamento muito estreito com a direção da empresa que edita aquela publicação. Milton Bigucci é um dos articuladores informais de canalização de publicidade do mercado imobiliário à mídia regional, principalmente ao Diário do Grande ABC. Omitir a cobertura do Diário do Grande ABC àquele encontro com a ministra de Estado seria improducente também porque reforçaria o tom adotado por CapitalSocial.


 


O texto do sempre aliado Diário do Grande ABC sobre a visita de Miriam Belchior à Associação dos Construtores, onde recebeu um troféu que jamais foi entregue a qualquer outra autoridade simplesmente porque foi criado em cima da hora como efeito pirotécnico, foi retirado das declarações de Milton Bigucci ao Ministério Público.


 


Alguns trechos daquela matéria do Diário do Grande ABC mostram o quanto o empresário que arrematou irregularmente uma área pública centraliza investidas neste jornalista:


 


 A ministra (...) Miriam Belchior não divulgou dados regionais do PAC2. Com o balanço nacional do programa divulgado na terça-feira, Miriam alegou desconhecer os números aplicados no Grande ABC. Ontem, ela foi homenageada na Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras, em São Bernardo, evento sem presença de lideranças políticas do PT. Miriam disse que "não tinha as informações de cabeça". O ministério justificou que ainda não possui filtro dividido por Estado e que o sistema será detalhado em 30 dias. Ao ser questionada, porém, sobre o relatório do PAC1 na região, a Pasta não respondeu. (...) Desprovida de documentos, a ministra recebeu o primeiro prêmio "O Construtor", oferecido pela entidade "por relevantes serviços prestados à comunidade", por meio do Programa de Aceleração do Crescimento no âmbito da habitação popular. Miriam defendeu que o projeto incentiva a construção e aquisição de imóveis por famílias de baixa renda e melhorou a qualidade de vida do povo, com investimento de urbanização de favelas, saneamento e, especialmente, drenagem. (...) Com reduto em Santo André, onde atuou no primeiro escalão durante o governo Celso Daniel (PT-- 1997 a 2002), Miriam disse que sua contribuição na eleição de 2012 ao lado do pré-candidato petista Carlos Grana, deve ir para as ruas. (...) A ministra adiantou que não tem agenda prevista para comparecer a ato político em Santo André neste ano. (...) O prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), única representação de peso político no evento, rechaçou qualquer chance de troca de candidato do PT caso a pré-candidatura de Grana não consiga decolar, atingindo margem média de 25% a 30%. "Em absoluto, não há possibilidade de Grana não ser o candidato em Santo André".


 


Apenas política


 


O que se passou naquela data foi um ato político, uma das especialidades de Milton Bigucci na Associação dos Construtores do Grande ABC com amplos reflexos em suas atividades corporativas. A representatividade aventada pelo empresário é um chute nos fundilhos da realidade. Aquela entidade há anos vive à margem dos empresários do setor. Nem meia dúzia de representantes imobiliários foi ao evento. A maioria dos convidados ou convocados ao evento era formada de políticos de segundo escalão e assessores, além de seguranças da ministra.


 


Há mais de 20 anos no comando da Associação dos Construtores, Milton Bigucci coleciona dezenas de desafetos por causa do modus operandi típico dos ditadores. Não fossem os recursos repassados pelo Secovi (Sindicato da Habitação) de São Paulo, do qual Milton Bigucci também é dirigente, a Associação dos Construtores não se sustenta. Há um fosso entre receitas e despesas, mesmo se levando em conta que a estrutura funcional da instituição é espécie de botequim empresarial. Faltam projetos, estudos, pesquisas e tantas outras ações que poderiam conduzir a entidade a um patamar de respeitabilidade primeiramente junto à própria classe dos empresários e, em seguida, à sociedade como um todo.


 


Ao remeter o evento reunindo a ministra Miriam Belchior a um patamar de relevante importância da Associação dos Construtores, Milton Bigucci pretendeu de fato impressionar a incautos. A agenda da ministra está repleta de peregrinações por instituições que tenham relações com algum naco da sociedade. São programações elaboradas de acordo com o projeto político do governo federal. 


 


Milton Bigucci se tornou aliado da Administração Luiz Marinho assim como se tornou parceiro de prefeitos anteriormente eleitos entre outros motivos porque é praticamente impossível no jogo de cartas marcadas de financiamento eleitoral afastar os dois setores – políticos e empresários imobiliários – do tablado único de interesses mútuos. Os números do Tribunal Federal Eleitoral mostram à exaustão o quanto o mercado imobiliário comanda o jogo de suporte a candidaturas em variadas instâncias de poder, liderando destacadamente as doações.


 


Considerando-se que cálculos mais modestos de especialistas do ramo atribuem três vezes mais liberação de dinheiro privado clandestino a candidaturas em relação aos recursos contabilizados, é simples entender o tamanho da fatura.  Os desvios de recursos do PAC, especialidade de Miriam Belchior, não são um conto da Carochinha do noticiário político: estão respaldados por balanços da Controladoria Geral da República.


 


A desmoralização do PAC é tamanha que o sarcasmo tipicamente latino consagrou uma denominação paralela à nomenclatura batizada pelo governo federal. PAC virou Plano de Aceleração da Corrupção. Dispensa-se a citação de exemplos porque o encadeamento de denúncias e provas de instâncias fiscalizadoras é constrangedor.


 


Traduzindo tudo isso, a aproximação entre a Administração Luiz Marinho e o empresário Milton Bigucci durante um período em que CapitalSocial já denunciara a irregularidade no leilão do terreno foi também espécie de senha entre as partes para transmitir a mensagem de que tudo estava em ordem em São Bernardo.


 


Entretanto, levando-se em conta as lamúrias de Milton Bigucci ao Ministério Público, vítima que foi naquele 10 de julho de 2008 de uma armadilha do antecessor de Luiz Marinho, o tucano William Dib, não é de se duvidar que um novo e insólito desdobramento do escândalo do Marco Zero se coloque em pauta: a MBigucci requereria indenização ou compensação por ter sido ludibriada. Quem sabe uma nova composição se cristalize no uso e ocupação do solo para zerar ou reduzir o crédito de Milton Bigucci perante o Poder Público?


 


Falta contraditório


 


Talvez o maior erro dessa série de reportagens sobre o escândalo do Marco Zero tenha sido tratar com seriedade um temário contaminadíssimo pela baixa determinação investigatória por parte do Ministério Público Estadual. Ao preferir dar prioridade às alegações esfarrapadas do empresário Milton Bigucci, de seus parceiros de falcatruas e de concorrentes condicionados que participaram do leilão, e ao ignorar as contribuições propostas por CapitalSocial, a promotora criminal Mylene Comploier colocou o jornalismo no acostamento.


 


Quando dispensou um contraditório recheadíssimo de informações e provas documentais e se deu credibilidade a ilusionistas, a promotora criminal proporcionou um empurrão fortíssimo em favor dos opositores que se estão reunindo permanentemente no Congresso Nacional para impor severos limites ao poder de investigação criminal do MP.


 


Poder de investigação sem qualidade, determinação e paciência não significa nada, a não ser a consolidação de uma convicção às avessas do jornalismo responsável, ou seja, de que não valeria a pena produzir informações úteis à sociedade.


 


Por isso e por tantas outras razões a expectativa de que o Gaeco de São Bernardo retirará do Judiciário a decisão de arquivamento do caso Marco Zero é o que se espera num regime democrático de responsabilidades mútuas.


 


A doutora Mylene Comploier poderia despender mais tempo e atenção ao reestudo do caso, confrontando a versão de Milton Bigucci, supostamente a grande vítima deste jornalista, e este jornalista que insiste em não temer as consequências de esmiuçar o caso.


 


Quem sabe, assim, o Ministério Público consiga juntar num mesmo espaço denunciante e denunciados, principalmente Milton Bigucci, empresário e dirigente empresarial que jamais aceitou responder a sequer um dos quatro questionários formulados por CapitalSocial nos últimos anos.


 


Quem disse que Milton Bigucci tem alguma relação com democracia informativa? CapitalSocial representa para ele algo semelhante à cafeína como agente perturbador do sono. Milton Bigucci não tem interesse algum em deixar o berço esplêndido dos sonhos fantasiosos de vítima preferencial de maus parceiros comerciais e de um jornalistazinho qualquer.


 


Recomenda-se apenas algum cuidado especial para que tudo isso não resulte no atendimento do pedido de Milton Bigucci ao Ministério Público, no sentido de punição a este jornalista que não teria outra missão senão destruir a imagem e a reputação de um chefe de família amoroso e respeitador.


 


Milton Bigucci não tem a dimensão, ou finge que não tem a dimensão, de que como empresário de destaque que mistura sua agenda com a de presidente de uma entidade frágil mas com lobby suficiente para destilar informações viciadas e irresponsáveis sobre o mercado imobiliário, tem contas sim a prestar à sociedade.


 


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Ministério Público de São Bernardo despreza irregularidades de Bigucci


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