A manchetíssima (manchete das manchetes de primeira página) de hoje do Diário do Grande ABC era aguardada havia muito tempo. “Bigucci ganha leilão de área pública, fere regra e derrotados pagam conta” não deixa dúvida sobre tudo o que escrevi ao longo dos anos sobre o escândalo do Marco Zero, a operação delituosa que culminou no arremate de uma área pública privilegiada na qual a MBigucci, de Milton Bigucci, presidente do Clube dos Especuladores Imobiliários e notório denunciado em irregularidades, constrói um empreendimento misto de comercial, residencial e de serviços.
O milionário Milton Bigucci comprou a área na bacia das almas porque o leilão foi uma farsa. Como farsa pode ser dissimulada, embora não tenha sido, acabou pecando materialmente mesmo, sem subjetividades, na infantilidade de deixar rastros mais que evidentes da falcatrua.
Tanto deixou que dois juristas ouvidos pelo Diário do Grande ABC na reportagem de página inteira desta quinta-feira foram enfáticos ao apresentar breves pareceres. Leiam os trechos que selecionei sobre o que eles disseram:
A conduta adotada após o leilão configura formação de cartel e pode inviabilizar a transação, segundo os juristas Alberto Rollo e Anderson Pomini. Especialistas destacaram que o edital funciona como a lei máxima de concorrências públicas e que a violação das regras, automaticamente, cancela o trâmite. “O procedimento correto seria cancelar o leilão e verificar se houve dano ao erário. Ocorreu afronta ao edital, isso não pode acontecer”, afirmou Rollo. Para Pomini, o desfecho da venda do terreno “cheira mal”. Parece mais cartel do que um leilão. É ilegal. É caso típico de impugnação. A partir do momento em que se inicia a formação de consórcio entendo que todos os atos já estão maculados”.
Outra dimensão
Ouvido pela reportagem do Diário do Grande ABC, Milton Bigucci reagiu da forma arrogante de sempre, como se ainda se sentisse intocável. Assim sempre o trataram na região, até ser colhido nas malhas da Máfia do ISS, de São Paulo: “Isso é uma bobagem, não vamos mudar as regras do jogo. Não sei quem lhe deu o número do meu telefone porque não era nem para você tê-lo. Meu departamento jurídico vai responder aos questionamentos, reclamou Bigucci, por celular -- escreveu o Diário.
Em nota, segundo o jornal, Bigucci devidamente assessorado pelo Departamento Jurídico da MBigucci, respondeu: “Não há e nunca houve sociedade no terreno e, mesmo que houvesse, isto não seria nenhuma ilegalidade, haja vista que a Big Top 2, enquanto proprietária de 100% do terreno, pode fazer o que melhor lhe convier como o mesmo”. Segue o Diário:
A empresa ainda destacou que, em razão do arquivamento da investigação do Ministério Público e aprovação do leilão pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), o empreendimento tem garantia e estabilidade jurídica. “Não houve prejuízo a ninguém, muito menos à Prefeitura. Com o recebimento integral das parcelas do preço, a Prefeitura outorgou quitação geral e irrevogável”.
Prejuízos graves
Não estranhem os leitores a vigorosa declaração de Milton Bigucci. Ele é assim mesmo. Como se fosse um experiente jogador de pôquer encurralado, resiste a admitir que coordenou uma encenação que custou prejuízos aos cofres da Prefeitura de São Bernardo. Provo isso caudalosamente no dossiê enviado ao Ministério Público. Com documentos e testemunhas.
A normalidade da vida profissional de Milton Bigucci está acondicionada em outra dimensão, a dimensão daqueles que só querem levar vantagem. O envolvimento do empresário na Máfia do ISS de São Paulo e também, segundo denúncia do advogado Calixto Antônio Júnior ao Ministério Público de Santo André, no Escândalo do Semasa, além de ter recebido do Ministério Público do Consumidor de São Bernardo o titulo de campeão de irregularidades cometidas contra a clientela, são casos suficientes para retirar das declarações ao Diário qualquer teor de seriedade e credibilidade.
A reportagem do Diário do Grande ABC provavelmente terá desdobramentos. Mais que isso: as autoridades constituídas não podem assistir a tudo como se o arquivamento indevido e inadequado do processo por parte do Ministério Público conferisse verdade ao que não passa de tramoia.
Já afirmei em outros textos e reafirmo neste: houve uma operação típica de quadrilha organizada para arrematar o terreno que pertencia à Prefeitura de São Bernardo. Há farta documentação que sustenta essa conclusão. Aliás, o próprio Judiciário da Capital, em ação movida pelo corretor do imóvel que foi passado para trás pela Even, confirma o cambalacho.
Tiro pela culatra
A Big Top 2, empresa do conglomerado de Milton Bigucci, a Even e a Braido se juntaram delituosamente, segundo afirmam testemunhas, durante o leilão, para adquirir por menos da metade do valor de mercado uma área preciosíssima. Como se imaginavam impunes, os dirigentes daquelas empresas trataram de firmar, três dias depois, uma “carta de intenções” que representa um tiro pela culatra à defesa da legitimidade da operação, porque configura uma associação previamente concertada, durante o leilão, para a distribuição igualitária do terreno.
Tanto a Braido como a Even chegaram ao requinte da ingenuidade travestida de malandragem ao efetivarem diretamente aos cofres públicos o pagamento de parcelas da operação que pretendiam manter a sete chaves. Uma ação em conflito flagrante com os termos do edital, conforme atestam os juristas ouvidos pelo Diário do Grande ABC e também de acordo com o que já cansei de escrever: o edital de licitação determina clara e cristalinamente que quem arremata, paga. Exclusivamente.
A linguagem jornalística não me permite o uso de outra expressão senão “roubalheira” para qualificar o Escândalo do Marco Zero. Alguns podem considerar o rótulo extravagante, sensacionalista, essas coisas que os apagadores de incêndio costumam dizer para minimizar efeitos de malandragens. Quando afirma que o negócio não significou prejuízos aos cofres públicos, Milton Bigucci primeiro impermeabiliza a ilegitimidade do processo do leilão, ferindo de morte os termos ali exarados, e, segundo, sufoca a própria voz que, pouco tempo antes, conforme consta do dossiê que produzi, declarou ao Diário do Grande ABC que o valor do metro quadrado na Província do Grande ABC, no período de um ano que abrangia quase integralmente o leilão, havia explodido por conta da economia turbinada e chegara a subir 100%. Especialistas que ouvi atentamente atribuíram àquele terreno valor de mercado mais que o dobro do arrematado.
Mais: sete anos antes do leilão, um dirigente do Clube dos Especuladores Imobiliários, amigo próximo de Milton Bigucci, no caso Milton Casari, declarou ao Diário do Grande ABC, em peça que juntei ao dossiê, que o metro quadrado daquela área valeria até R$ 1 mil. Milton Bigucci e parceiros de jornada adquiriram o imóvel sete temporadas depois por pouco mais de R$ 800 o metro quadrado. O valor estimado pelo mercado era de R$ 3 mil. Quem entender que a isso não se deve atribuir conotação de assalto aos cofres públicos está preparadíssimo para uma viagem de trenó com o Papai Noel.
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21/01/2025 PAULINHO, PAULINHO, ESQUEÇA ESSE LIVRO!